Zelotes no mundo

Primeira defesa do Bradesco nos EUA é impedir a formação de ação coletiva

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10 de junho de 2016, 6h55

Estão erradas as informações de que o Bradesco foi processado nos EUA por milhares de investidores em uma ação coletiva. Na verdade, o Bradesco e alguns de seus altos executivos foram processados por um único investidor — e seus advogados pediram ao juiz, na petição inicial, que dê ao processo o status de “ação coletiva”.

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A primeira página da petição inicial mostra que o demandante é “William Bryain, individualmente, e em nome de outros similarmente situados” [a serem nomeados no futuro]. Na petição, os advogados do demandante afirmam que “os membros da ação coletiva [solicitada] são tão numerosos que a adesão de todos os membros é impraticável”.

E esclarecem na página 24 da petição, item 39: “Embora o número exato de membros da ação coletiva seja desconhecido ao demandante, no momento, e poderá ser confirmado no processo de 'discovery' (em que o próprio Bradesco teria de fornecer ao demandante informações sobre outros investidores), o demandante acredita que são centenas ou milhares de membros na ação coletiva proposta”.

Alegam ainda que os proprietários de ADSs (American Depositary Shares) e outros membros registrados da ação coletiva "podem ser identificados nos registros mantidos pelo Banco Bradesco ou por seu agente de transferência e eles podem ser notificados da pendência dessa ação por carta, usando a forma de notificação similar a usada habitualmente em ações coletivas de valores mobiliários”.

Caberá ao Bradesco, em um primeiro momento, pedir o contrário ao juiz: que não autorize a conversão do processo individual em ação coletiva. Se o juiz do tribunal federal de Nova York, onde o processo foi movido, der a ele o status de ação coletiva, os advogados do demandante irão, então, tentar encontrar centenas ou milhares de investidores, dispostos a participar da ação coletiva.

Além de tentar arrancar informações do próprio banco no processo de “discovery”, os advogados poderão criar um site para divulgar a ação coletiva, fazer alguma espécie de anúncio, e pedir adesões, a fim de tornar o processo em uma ação coletiva que, financeiramente, valha a pena para o escritório. É o que ocorre normalmente.

De uma maneira geral, em ações coletivas nos EUA a fatia do leão fica com o escritório de advocacia e resta a cada “membro da ação” uma quantia relativamente insignificativa. Os advogados do demandante assim justificam o pedido de ação coletiva:

“Uma ação coletiva é superior a todos os outros métodos disponíveis de julgamento justo e eficiente dessa controvérsia, desde que a adesão de todos os membros é impraticável. Além disso, embora o dano sofrido por um membro da ação, individualmente, possa ser relativamente pequeno, a despesa e o encargo do contencioso torna impossível para cada um deles buscar reparação para a injustiça praticada contra eles”.

Caminhos colocados
Se o juiz autorizar a ação coletiva, caberá aos advogados do Bradesco, em um primeiro momento, esperar para ver se a ação coletiva se consolida, com a adesão de um número suficiente de investidores. Se os esforços da parte demandante forem bem-sucedidos, os advogados do Bradesco terão duas alternativas.

Uma, se opor à decisão do juiz em um tribunal de recursos e, se necessário, na Suprema Corte dos EUA. Entre os juízes de cortes inferiores, os resultados da decisão em primeiro grau e em grau de recursos podem pender para um lado ou outro. As opiniões dos juízes, nessas instâncias, variam. Geralmente, há uma má vontade contra partes estrangeiras. Já a Suprema Corte tem uma tendência de coibir ações coletivas. Mas não é garantido.

A segunda opção é negociar um acordo com os advogados dos demandantes, se houver uma percepção dos advogados do banco em algum momento (entre a tramitação da ação no tribunal de recursos e na Suprema Corte) de que a ação coletiva irá prevalecer.

De uma maneira geral, as corporações preferem se abster de discutir o mérito da questão na Justiça. E esse poderá ser o caso do Bradesco, por duas razões: 1) o contencioso sai muito mais caro que um acordo (e o acordo é possível, porque esse é o sonho de todos os advogados e demandantes: gerar ação coletiva que termine em acordo, não em contencioso) e muito prolongado; 2) o mérito está a favor do demandante, aparentemente.

Além disso, como é costume, a corporação pode declarar, em nota oficial, que não reconhece qualquer prática ilegal em suas transações, mas que preferiu fechar um acordo com os demandantes para evitar um contencioso que iria exaurir todos os recursos financeiros, humanos, jurídicos e de tempo da instituição. Esse é um padrão constante nesses casos.

Em ações coletivas desse tipo — e esse é o caso da ação contra o Bradesco — o demandante acusa, “sabiamente”, altos executivos da empresa, que passam a responder solidariamente o processo. Em vez de cuidar dos negócios, os altos executivos vão cuidar de sua defesa. Se houver possibilidade de um processo criminal, a corporação não vai presa, mas os executivos poderão ir.

No que se refere ao mérito, a petição inicial do demandante está razoavelmente bem fundamentada: o Bradesco parece ter errado (e terá de aprender a lição). Nos EUA, todas as organizações que negociam valores mobiliários nas bolsas devem preencher formulários na Comissão de Valores Mobiliários (SEC), anualmente, em que declaram todos os riscos de queda de valor a que suas ações estão sujeitas. Na verdade, essa é uma declaração obrigatória até mesmo em press releases enviados à imprensa.

Os advogados do demandante transcreveram, na petição, as declarações do Bradesco, durante todo o período a que a ação se refere — de 30 de abril de 2012 a 31 de maio de 2016. Em nenhuma delas o Bradesco menciona que estava envolvido no “escândalo”, conhecido como operação zelotes, porque, se o fizesse, o valor das ADSs iriam cair. E isso significa enganar os investidores. A legislação pede — e os juízes concordam — punição severa para os infratores.

“As declarações [do banco] arquivadas na SEC eram substancialmente falsas e/ou enganosas, porque deturparam e deixaram de divulgar fatos adversos ocorridos nos negócios do banco, resultados operacionais e financeiros que eram conhecidos pelos demandados ou irresponsavelmente negligenciados por eles. Especificamente, os demandados ocultaram que: 1) o Banco Bradesco estava envolvido em esquemas de subornos em conluio com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) do Ministério da Fazenda brasileiro; 2) Os executivos do Banco Bradesco conspiraram para evitar uma multa de $ 828 milhões imposta pela Receita Federal do Brasil; 3) O CEO do Banco Bradesco e outros executivos, diretores e empregados do banco praticaram suborno, lavagem de dinheiro e corrupção; 4) O controle interno do Banco Bradesco de relatórios financeiros e seus controles de divulgação e procedimentos não foram eficazes; e 5) em consequência, as declarações públicas do Banco Bradesco foram substancialmente falsas e enganadoras em todos os momentos relevantes”, diz a acusação, na petição inicial.

A acusação ainda terá de ser provada. Os advogados do Bradesco poderão alegar que o banco não está comprovadamente envolvido na operação zelotes e exigir que o demandante prove o contrário. O demandante só cita como “evidências” notícias nos jornais.

Um outro problema, se a ação for em frente, é que o demandante pediu ao juiz que a ação coletiva seja julgada por um tribunal do júri. Via de regra, jurados se sentem insultados por esse tipo de fraude contra os investidores e costumam aprovar uma indenização multimilionária. Mesmo que os valores seja pequenos, se provada a má-fé contra o investidor, a causa vira “um bicho de sete cabeças”. É um risco que os advogados das corporações só podem correr com pelo menos 99% de certeza de que poderão ganhar a causa.

O Bradesco realmente poderá alegar, como já anunciou no Brasil, que a perda dos detentores dos ADSs foi muito pequena. Isso é reconhecido na petição inicial do demandante. No item 32 da petição, o demandante afirma que as ações do Banco Bradesco caíram US$ 2,99 (aproximadamente 20%) de seu preço de fechamento inicial de US$ 8,86 por ação, em 27 de março de 2015.

No item 37 da petição, o demandante afirma que as ações do Banco Bradesco caíram US$ 0,37 por ação (cerca de 6%) de seu preço de fechamento de US$ 6,26, em 31 de maio de 2016, com prejuízo para os seus detentores.

Detalhes importantes
Se os advogados do Bradesco forem perseguir a tese de que a perda dos investidores foi insignificante, o banco poderá mostrar isso com seus próprios registros ou com uma informação contida em um adendo da petição inicial do demandante.

Nesse adendo, há algumas declarações atribuídas ao demandante, entre elas a de que o demandante adquiriu 30 ações ordinárias do banco, no valor de US$ 7,20 cada uma, em 18 de maio de 2016. Isso significa que ele investiu US$ 216. E como teria perdido US$ 0,37 por ação, sua perda total pelas 30 ações teria sido de US$ 11,10.

Os advogados do Bradesco também poderão contestar a declaração do demandante, expressa na petição inicial, de que não teria comprado as ações do banco, se soubesse que a instituição estava envolvida em um escândalo fiscal.

Se for verdade que ele comprou as ações em 18 de maio de 2016, a operação foi feita muito tempo depois que a operação zelotes foi divulgada pelos jornais — o que teria acontecido em 27 de março de 2015, segundo a própria petição.

O Bradesco, a Petrobras e o Grupo Gerdau (por enquanto) descobrem, agora, da forma mais dura, que um grupo considerável de advogados americanos ama empresas que ocultam riscos de depreciação de suas ações, não os declarando em seus formulários arquivados na SEC e em seus press releases, de forma a enganar investidores e gerar prejuízos para eles no mercado financeiro. As ações contra elas estão entre os tipos mais rentáveis na terra do Tio Sam.

Clique aqui para ler a petição.

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