Opinião

A prescrição quinquenal para a cobrança de cotas condominiais

Autor

  • Gustavo Tepedino

    é sócio-fundador do Gustavo Tepedino Advogados professor titular de Direito Civil e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

6 de junho de 2016, 17h01

Em boa hora, o eminente ministro Luis Felipe Salomão decidiu submeter à 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, a controvérsia acerca do prazo prescricional para a cobrança de taxas condominiais. O Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil) foi admitido como amicus curiae no processo.

O Código Civil Brasileiro prevê, em seu artigo 206, parágrafo 5º, I, o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança de toda e qualquer dívida líquida constante de instrumento público ou particular. A despeito da linguagem inequívoca do texto codificado, a controvérsia se prolonga no tempo ao argumento de que, à míngua de dispositivo textualmente destinado às cotas condominiais, dever-se-ia aplicar o prazo residual de dez anos, estabelecido pelo artigo 205 do Código Civil. Tal entendimento fundamenta-se em três equívocos capitais — sistemático, técnico-jurídico e axiológico —, a despeito do imenso respeito que merecem seus fautores.

O primeiro equívoco é sistemático (que tem se tornado quase ideológico): imagina-se, candidamente, que os prazos longos se associam à visão progressista do Direito, atribuindo-se à vítima do dano o maior tempo possível para reparar as lesões sofridas, em coerência com o viés protetivo que lhe confere a ordem jurídica. O raciocínio, contudo, revela-se falho no contexto das relações patrimoniais. Com a revolução tecnológica, e a inerente intensificação do intercâmbio de informações, os prazos encurtaram-se drasticamente em benefício da segurança jurídica.

Afinal, nos dias de hoje, não interessa ao sistema a inação prolongada no exercício de direitos patrimoniais, a provocar a dissipação das provas e consequentes dificuldades na prestação jurisdicional. A título ilustrativo, o Código de Defesa de Consumidor, na hipótese de acidente de consumo — isto é, lesão, por vezes gravíssima, à vítima vulnerável — estabelece o prazo de cinco anos para a ação de reparação de danos (artigo 27, CDC). Daí ser coerente com o sistema o prazo de cinco anos para a cobrança de dívidas oriundas da autonomia privada, como é o caso da repartição de despesas entre proprietários livremente reunidos em regime condominial.

O segundo equívoco é técnico-jurídico: afirma-se que o prazo quinquenal, nesse caso, não é expresso, já que o aludido artigo 206, parágrafo 5º, I, não se refere textualmente a despesas condominiais. Ou seja, busca-se silogismo textual que, no âmbito da autonomia privada, é simplesmente impossível e indesejado pelo legislador, diante do princípio da atipicidade dos negócios jurídicos. Objeta-se, contra esse entendimento, que, por se tratar de obrigação propter rem, a fonte da taxa condominial seria a lei, e não a convenção de condomínio, a justificar assim o afastamento do prazo quinquenal. O argumento não colhe, já que o Direito Positivo, em última análise, serve de fonte para todo e qualquer contrato. A lei escrita, afinal, é fonte do Direito, e não somente das obrigações. A obrigação propter rem, como se sabe, origina-se da titularidade real, incorporando-se ao patrimônio do seu titular, como verdadeira e própria obrigação.

O dever jurídico-legal primário de repartição de despesas condominiais, portanto, não exclui a fonte obrigacional, estabelecida na convenção, pela qual se regula, de modo assemblear, a dinâmica da vida em comum; as despesas, ordinárias e extraordinárias, bem como o consequente pagamento, pelos condôminos, das respectivas cotas, que não poderão, à evidência, contrariar a lei (assim como ao locatário e ao locador residencial não é dado violar as previsões imperativas incidentes sobre a locação residencial).

O terceiro equívoco, de natureza axiológica, pressupõe que o prolongamento dos prazos prescricionais atenderia ao princípio constitucional da solidariedade social. A função social do condomínio reclama justamente o contrário. Em nome da função social da copropriedade, os condôminos contribuem para a vida comunitária e, conseguintemente, o síndico tem o dever de fazer as cobranças de modo ágil, para evitar a deterioração das estruturas comuns. Dispõe de cinco anos para fazê-lo! Por isso, viola a função social da propriedade o inadimplente (assim como os demais condôminos que se omitem na cobrança e o síndico relapso), sendo inquietante admitir-se que o inadimplemento de taxas condominiais, em sacrifício dos demais condôminos, possa servir de substitutivo oblíquo para políticas sociais de acesso à moradia e distribuição de rendas.

O Superior Tribunal de Justiça tem liderado a reconstrução jurisprudencial do Direito Privado nas últimas décadas. Mostra-se alvissareiro que possa agora definir o paradigma pelo qual a segurança jurídica deixe de ser considerada um desvalor e o exercício zeloso de direitos (especialmente coletivos) seja reconhecido como pilar da solidariedade constitucional.

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    é professor titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócio fundador do escritório Gustavo Tepedino Advogados.

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