Análise sistêmica

Aprovação de contas não significa que campanha foi limpa, diz Gilmar Mendes

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6 de junho de 2016, 17h53

Ter as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas diz muito pouco sobre a lisura da campanha de um candidato. Quem afirma é o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do Supremo Tribunal Federal, que em debate nesta segunda-feira (6/6) em São Paulo analisou o sistema político e partidário do Brasil. Segundo ele, a chancela do Judiciário, ainda mais quanto à campanha do vitorioso, é apenas um exame formal. 

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Gilmar prevê que o TSE irá analisar o processo contra a chapa Dilma e Temer no primeiro semestre de 2017.Fellipe Sampaio/SCO/STF

Mas o ministro ressalta que a situação começou a mudar quando ele assumiu a relatoria das contas da campanha presidencial de Dilma Rousseff de 2014. Em atitude inédita, Gilmar Mendes trouxe técnicos de outros órgãos, como da Receita Federal, que encontraram indícios de irregularidades, como suspeitas de pagamentos para prestadoras de serviços que na verdade são empresas fantasmas, sem sede ou funcionários.

O processo que corre no TSE contra a chapa de Dilma e do presidente interino Michel Temer será provavelmente analisado no primeiro semestre de 2017, contou Gilmar. “Se vamos separar as contas da candidata a presidência e do então vice na chapa, ainda não se sabe. Vamos deliberar sobre isso. A única jurisprudência é de um caso do Ottomar Pinto, então governador de Roraima. Ele morreu no meio do julgamento e a ação prosseguiu contra seu vice. Mas a responsabilidade foi considerada como do titular e o vice teve um juízo absolutório [foi absolvido]", disse o ministro, que ressaltou que isso também não define. 

Sunset legislation
Gilmar relembrou o episódio no qual pediu vista no julgamento sobre a constitucionalidade de doações de pessoas jurídicas para campanhas políticas. Diz que o fez por entender que a discussão ainda não estava madura e havia uma estratégia política que envolvia todo o processo. “O governo achava que com o fim das doações empresariais o Congresso aprovaria o voto em lista fechada. Isso não ocorreu. Mas como, sem o mínimo de democracia partidária, vamos ter o voto em lista fechada? O candidato será sempre o apontado pelo dono do partido, que leva a sigla dentro de uma pasta e decide tudo o que quiser”, disse.

O ministro foi voto vencido na questão e a doação empresarial foi proibida. Em sua análise, isso criou um novo problema, que é o aumento do Fundo Partidário, que este ano chegou a quase R$ 900 milhões. “Agora está ainda mais vantajoso, do lado financeiro, ter um partido. Tem alguns com estrutura familiar e nenhuma representação que recebem R$ 400 mil por mês”, conta.

Esses efeitos colaterais das mudanças legislativas levaram Gilmar Mendes a propor novas ferramentas para a adoção de uma lei. “Temos que pensar em adotar conceitos dos Estados Unidos. Um é o sunset legislation, que é uma prática na qual após uma nova lei ser aprovada, durante um período, vários relatórios vão sendo feitos para que vejamos como ela está sendo aplicada. E o ou outro é o sunrise legislation, que é quando se estabelece um período para a sociedade se aclimatar a uma nova lei aprovada.”

Moro hercúleo
O evento teve a participação de Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do ministério da Fazenda, que afirmou que a crise econômica foi originada em grande parte por decisões políticas dos governos Lula e Dilma e abordou a questão das pedaladas. Diante da exposição, Gilmar Mendes acrescentou: “Fraude dessa forma nos números é crime. Não apenas de responsabilidade, é crime comum”.

Perguntado sobre o foro por prerrogativa de função (conhecido como foro privilegiado), o ministro disse que é uma questão a ser estudada, mas que não é um conceito ruim em todos os aspectos. “Sem o mensalão, julgado pelo STF por causa do foro, não teríamos a ‘lava jato’. E temos que ponderar que o Moro é um juiz hercúleo, não é um parâmetro. Outros casos envolvendo Eltronorte e Eltrobrás que estão em outras varas não estão tendo o mesmo prosseguimento que os casos na mão de Moro.”

Organizado pela Internews, o debate também teve a participação do deputado federal Roberto Freire (PPS) e do sociólogo Bolívar Lamounier. A mediação ficou a cargo do jornalista Armando Ourique.

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