Opinião

Banco que informa dados de clientes a serviços de crédito comete coação

Autor

5 de junho de 2016, 16h45

Desde o advento da Constituição Federal de 1988 estamos vivendo um novo tempo no sistema legal. As novas normas visam muito mais atender à necessidade de julgamentos em termos numéricos, tendo esse parâmetro como referência da prática da justiça; não mais a busca do bem comum, da a justiça em si. A segurança jurídica foi relegada a segundo plano.

Os abusos do poder econômico são imensuráveis e, as grandes corporações, apesar das gritantes condutas ilícitas, estão aí impunes.

Direitos instituídos por cláusulas pétreas na Constituição Federal são despeitados rotineiramente.

O sigilo bancário, antes da Lei Complementar 105/2001, era regrado pelo artigo 38 da Lei 4.595/64, norma esta que dispunha sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias e que criou o Conselho Monetário Nacional.

A partir desta normatização, as relações jurídicas entre correntista, mutuário, etc. e as instituições financeiras foram modeladas e revestidas de sigilo bancário. Assim, dados, informações e/ou documentos revestidos de sigilos bancários passaram a exigir a autorização judicial para serem exibidos em procedimentos administrativos e judiciais e, nestes últimos devem, ainda hoje, serem processados em segredo de justiça.

Sob a égide desta normatização fora editado o Código de Defesa do Consumidor que, por seu artigo 43 regrou o funcionamento dos bancos de dados e cadastros de consumidores e, pelo parágrafo quarto deste dispositivo, dispôs-se que tais bancos de dados passaram a ser considerados como entidade de caráter público.

A Serasa fora criada na década de 70 pelas instituições financeiras como um serviço de banco de dados de proteção ao crédito.

Os bancos de dados desta empresa eram divididos em dois segmentos. O primeiro com o registro de dados de negativações de créditos “comuns”, de empresas não financeiras, ou seja, como os dados de protestos, informações de falta ou atrasos de pagamentos, de ações de execuções, recuperações judiciais (concordatas), falências e que, podiam ser consultados, comercialmente, por qualquer pessoa física e jurídica e, o segundo, tratava-se de um núcleo, este denominado de Refin, onde as instituições financeiras registravam as situações de inadimplências de correntistas e, somente as próprias instituições financeiras tinham acesso.

Tal situação afrontava o disposto no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal e, mesmo àquela época as instituições financeiras não ousavam inserir dados de seus clientes inadimplentes no banco de dados destinado a consulta por pessoas físicas e jurídicas que não bancárias.

Sob o argumento de que era necessária uma reforma no sistema financeiro nacional para que ocorresse a queda dos juros nas operações bancárias, fora editada a Lei Complementar 105/2001 que, no nosso entendimento é inconstitucional.

Dentre as alterações consolidadas pela referida normatização, em seu artigo 1º, parágrafo 3º, foram disciplinadas as situações que se caracterizam como abertura do sigilo bancário e não a sua ilícita quebra e, no seu inciso I restou disciplinada a troca de informações entre as instituições financeiras para fins cadastrais, inclusive prevendo o uso de centrais de risco, “sic ut legibus”:

Artigo 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

Parágrafo 3o Não constitui violação do dever de sigilo:

I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;

O Banco Central, autarquia responsável por disciplinar e fiscalizar as atividades bancárias, com o fito especial de enquadrá-las no disposto no artigo 192 da Constituição Federal, além de criar uma central de risco (SCR), excluiu a possibilidade de que os dados revestidos de sigilo bancário sejam veiculados em bancos de dados “públicos”, conforme se depreende de informações veiculadas em seu site (http://www.bcb.gov.br/?SCRSIGILO), “permissa data”:

“O SCR e o sigilo bancário

A Lei Complementar 105, de 10.01.2001, em seu art. 1º, parágrafo 3º, determina que não constitui violação do dever de sigilo a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;

O CMN, por meio da Resolução 2.724, de 31.05.2000, dispõe que as instituições financeiras poderão consultar as informações consolidadas por cliente constantes do sistema, desde que obtida autorização específica do cliente para essa finalidade.

Em realidade, depende do tomador de crédito permitir ou não o compartilhamento de dados. Sem a autorização do cliente, nenhuma instituição financeira pode acessar seus dados no sistema.

O SCR preserva a privacidade do cliente, pois exige que a instituição financeira possua autorização expressa do cliente para consultar as informações que lhe dizem respeito.

Importante: As pessoas físicas e jurídicas com registro no Sistema de Informações de Crédito não ficam impedidas de contrair novos empréstimos e financiamentos. Prevalecerá sempre o entendimento entre o cliente e a instituição financeira”.

A criação do SCR do Banco Central efetuada através da Resolução 2.390, de 22 de maio de 1997, substituída posteriormente pela Resolução 2.724, de 31 de maio de 2000, ambas emitidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) disciplinaram a questão.

Tanto a primeira resolução (revogada) como a que a revogou, estabeleceram a obrigatoriedade, pelas instituições financeiras, de prestar informações sobre o montante dos débitos e por garantias dos seus clientes (consumidores de serviços bancários). Essa obrigação constava do artigo 1º. da Resolução 2.390/97 e está prevista no artigo 1º. da Resolução 2.724/00.

É de mediana conclusão que a inserção de dados das obrigações contratadas por um cliente bancário no SCR para fins cadastrais, com remessa a dados concretos e reais, exaure a possibilidade das instituições financeiras realizarem  registro de informações cadastrais restritivas em central de risco,

Se quando de uma operação bancária, o Banco Central impõe, como o fito de preservar a privacidade do cliente, tenha a instituição financeira   autorização expressa do mesmo para consultar seus dados no SCR, como entender que a mesma instituição insira tais dados em bancos de dados de proteção ao crédito regrados pela lei consumerista, ou seja, SERASA E SCPC BOAVISTA?

A partir daí resta patente que, ao inserir dados de clientes em bancos de dados de proteção de crédito do consumidor, tais como SERASA. SPC, etc., a instituição financeira “quebra ilicitamente o sigilo bancário” do correntista, tornando tal inserção ilícita, abusiva, coativa e imoral, já que, pode alcançar qualquer outro fim, menos aquele disposto na normatização em comento.

É de razoável interpretação que, na forma daquela normatização, o CMN, Ao disciplinar a troca de informações interbancárias, para prevenir riscos de quebra de sigilo bancário, em proteção do titular dos dados em favor das instituições financeiras, limitou-se circulação de informações, revestidas de sigilo bancário, no âmbito restrito do SCR, não autorizou qualquer outra hipótese de veiculação de dados bancários em qualquer outra central de risco.

Ao inserir informações em bancos de dados públicos, as instituições financeiras não estão buscando diminuir os riscos no mercado financeiro, mas sim, estão usando os demais bancos de dados de proteção ao crédito, regrado pela normatização consumerista, como meio de coagir o suposto devedor a pagar o que abusivamente exigem, restringindo seu crédito na praça, sufocando-o com a quebra de sigilo bancário.

Até onde se tem conhecimento somente o SCR do Banco Central tem seu funcionamento regrado pelo Conselho Monetário Nacional, o que não ocorre com os demais bancos de dados de proteção ao crédito.

Ainda, as informações dispostas em bancos de dados de proteção ao crédito, de caráter público, não realizam os mesmos parâmetros cadastrais do SCR e, têm o fim de restringir crédito comercial, baseado em informações de veiculação pública e não aquelas revestidas de sigilo bancário. Por não se tratarem de informações privativas, não se exige a autorização do consumidor para que as mesmas sejam veiculadas.

Ocorre que, mesmo antes de ingressar com uma ação judicial, as instituições financeiras já “negativam” o mutuário junto ao SERASA, SCPC BOA VISTA. Questionada essas ilícitas condutas, o Poder Judiciário afirmava que o artigo 155 do CPC/1973 não restringia a publicidade dessa modalidade de processo, ou seja, em face das execuções de títulos bancários, ações de exigir contas, ações revisionais.

Com o advento do CPC de 2015, por seu artigo 189, III, restou disciplinado que corre sob segredo de justiça os processos “… em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade…”.

Ora, se os só podem inserir dados bancários no SCR do Banco Central e se só podem ingressar na justiça com a incidência de segredo de justiça nos processos bancários, resta no mínimo razoável concluir que não estão autorizados a quebrar o sigilo bancário para inserirem tais dados nos bancos de dados da SERASA e do SCPC BOA VISTA. Essa conduta é tipificada como crime nos termos do artigo 10 da Lei Complementar nº 105/2001.

Neste passo, ao veicular informações de supostos inadimplementos de seus clientes em banco de dados de proteção ao crédito, a instituição financeira, além do ilícito penal de quebra de sigilo bancário, realiza ato de coação para cobrança de valores, o que, afronta o disposto no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor e, por lógico, afronta o disposto no artigo 5º, inciso X da Carta Política, ensejando a imediata retirada de tais restrições dos referidos bancos de dados e indenização prevista no dispositivo constitucional.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!