Representatividade feminina

Cotas para mulheres no Legislativo aumentam igualdade na política sem violar CF

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5 de junho de 2016, 15h30

Cotas para mulheres em casas legislativas aumentam a representatividade feminina na política e efetivam o princípio constitucional da igualdade de gênero. Em uma ponderação de valores, essas garantias prevalecem sobre o direito de o eleitor escolher livremente seus parlamentares. Essa é a opinião de especialistas ouvidas pela ConJur.

A proposta valeria apenas para casas legislativas que elegem seus membros por meio de eleições proporcionais, como a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Entretanto, existe uma ideia similar para o Senado. Nos anos em que duas cadeiras estivessem em disputa, uma delas seria reservada a uma mulher.  

A ministra do Tribunal Superior Eleitoral Luciana Lóssio diz ser “absolutamente favorável” à ideia, a qual considera fundamental para o empoderamento feminino. A seu ver, a medida, que é objeto de diversos projetos de lei na Câmara dos Deputados e no Senado, não contraria a Constituição.

“O artigo 5º, I, da Constituição, afirma que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Ou seja, a lei das leis traz logo no primeiro inciso do artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, o principio da igualdade e da isonomia. Ora, se são iguais em direitos e obrigações, eu entendo que é porque têm que ter os mesmos direitos. Logo, a divisão de 50% de vagas para homens e os outros 50% para mulheres é absolutamente constitucional. Há, de fato, uma ponderação de valores. Caberá a nós, intérpretes, saber qual de valores constitucionais em choque deve prevalecer. E eu opto pela igualdade e isonomia”, avalia.

Segundo ela, a reserva de assentos no Legislativo é fundamental para aumentar o número de mulheres na política e quebrar os ranços machista e patriarcal da sociedade brasileira. E essas características acabam moldando o discurso dos favoráveis à manutenção do status quo, que, conforme a ministra, alegam que o exercício de cargos públicos é algo mais visado por homens.

“É ingenuidade, para dizer o mínimo, imaginar que as mulheres são desprovidas de ambição e não almejam cargos de poder. Veja que as mulheres representam aproximadamente 44% dos filiados a partidos políticos, e mais da metade do eleitorado, já que representamos 52,13%, mas na Câmara dos Deputados não chegamos sequer a 10% de representantes. Outro exemplo, dos 27 estados da federação, apenas um deles é chefiado por uma mulher, apenas um! Isso é uma vergonha para o Brasil. É o clube do bolinha, e eles não permitem que as mulheres entrem com facilidade”, critica Luciana.

A professora de Direito Constitucional da FGV-SP Luciana de Oliveira Ramos também entende que as cotas para mulheres estão em conformidade com o princípio constitucional da igualdade de gênero, desde que sejam temporárias. Na visão dela, é preciso tomar ações mais drásticas para diminuir a prevalência masculina, uma vez que as iniciativas anteriores tiveram pouco impacto.

Por exemplo, a obrigação de que 30% dos candidatos sejam do sexo feminino, estabelecida na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), aumentou em apenas três pontos percentuais a participação delas na Câmara e no Senado (de 7% em 1997 para 9,9% em 2015), conforme aponta pesquisa da União Inter-Parlamentar. Com isso, o Brasil ocupa a 116ª posição no ranking de representação feminina no Legislativo, atrás de países que restringem direitos de mulheres como Arábia Saudita, Somália e Jordânia.

Caso ilustrativo disso é o do governo interino de Michel Temer (PMDB), que só nomeou homens para comandar os 24 ministérios do Executivo Federal, lembra Luciana. A decisão do peemedebista repercutiu mal na imprensa e gerou acusações de que sua gestão não se preocupa com as mulheres.

Por sua vez, a especialista em Direito Eleitoral Maria Cláudia Bucchianeri entende que a reserva de assentos no parlamento para mulheres poderia gerar um déficit de representatividade e prefere que outros caminhos sejam tentados. Porém, se eles fracassarem, as cotas femininas seriam a saída para assegurar a igualdade de gênero, ressalva.

Certamente haveria questionamentos no Supremo Tribunal Federal a essa iniciativa, assegura Maria Cláudia. Mas ela lembra que as cotas raciais também foram acusadas de ferir a igualdade, e a corte as validou.

Uma forma de reduzir as contestações seria estabelecer um percentual menor de cadeiras para mulheres, como o de um terço, argumenta a advogada. Luciana de Oliveira Ramos tem opinião semelhante, e acredita que 30% das vagas seria um bom percentual de início. Já Luciana Lóssio quer igualdade plena: que metade dos assentos do Legislativo sejam reservados ao sexo feminino. E mais: a ministra defende que essa regra seja estendida a todos os cargos de chefia da Administração Pública direta e indireta.

Incentivo econômico
Outra proposta que poderia reduzir a diferença de representatividade entre os gêneros é a de alterar as regras de financiamento público de partidos. Atualmente, os repasses levam em conta o número de votos que a agremiação obteve nas últimas eleições. Para aumentar o número de mulheres em cargos eletivos, as especialistas defendem que cada voto feminino valha por três para fins de distribuição de valores. A busca por mais recursos faria com que as legendas lançassem mais candidatas e dedicassem mais espaço a elas nas propagandas eleitorais. Com a maior exposição, cresceriam as chances de mulheres ganharem assentos nas câmaras e assembléias.

Luciana de Oliveira Ramos também sugere o modelo do comitê eleitoral norte-americano Emily’s List. Esse órgão promove campanhas de arrecadação para candidatas do Partido Democrata que apoiam o direito de a mulher escolher se quer ou não abortar. Mas o foco da entidade é levantar recursos na fase de pré-campanha. Dessa maneira, quando começar a corrida eleitoral, as candidatas já terão fundos para bancar suas despesas e permanecer competitivas na disputa.

Democracia interna
Mas a igualdade entre homens e mulheres também ter que vir de baixo, das estruturas partidárias. Assim, Maria Cláudia Bucchianeri defende que seja instituído um percentual mínimo de mulheres em cargos de liderança das legendas. Isso aumentaria a exposição das políticas, e lhes daria mais chances nas eleições, aponta a advogada.

Também nesse sentido, Luciana de Oliveira Ramos acredita que um sistema de prévias tornaria o processo de escolha de candidatos mais democrático. Esse modelo é usado pelas duas grandes agremiações dos EUA, o Partido Democrata e o Partido Republicano, para definir quem será o representante deles pleito. Recentemente, siglas brasileiras como o PSDB vêm tentando implementar as prévias. Até agora, os resultados dos tucanos não foram animadores: a disputa para concorrer à Prefeitura de São Paulo terminou com o abandono de Andrea Matarazzo, que acusou seu adversário e vencedor, João Dória, de comprar votos de filiados.

Já Luciana Lóssio destacou recentes decisões do TSE que contribuíram para dar mais poder às mulheres nas agremiações. Uma delas é a que obriga as siglas a terem diretório na cidade onde vão lançar candidatos há pelo menos 180 dias antes do pleito. Para a ministra, essa regra evita que os caciques partidários constituam escritórios provisórios apenas para lançar seus apadrinhados, que costumam ser homens, e favorece a ascensão de mulheres às lideranças locais.

A magistrada do TSE ainda elogiou a decisão da corte que penaliza a legenda que não reservar ao menos 10% da sua propaganda partidária para as mulheres e a que pune a sigla que deixar de destinar ao menos 5% do fundo partidário às candidatas.

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