Instrumento "inadmissível"

Justiça não pode usar liminares para censurar jornalistas, diz Celso de Mello

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3 de junho de 2016, 18h20

Ao proibir que o jornalista Marcelo Auler publique reportagens com “conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo” a um delegado federal, a juíza Vanessa Bassani, do Paraná, praticou censura prévia e contrariou entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.

Recentemente, a 2ª Turma da corte indeferiu reclamação ajuizada por um policial militar contra decisão que determinou a retirada de reportagem do site da Empresa Paulista de Televisão. O texto falava sobre denúncias de moradores do Condomínio Jardim das Pedras a respeito de um segurança que, armado, usava de sua condição de PM para ameaçá-los e injuriá-los. Um dos motivos para que a Justiça de São Paulo determinasse a retirada da reportagem do ar era que as fontes de informação não se identificavam — ou, como diz o jargão jornalístico, falaram em off. E pedia para que os autores do texto revelassem quem eram os entrevistados. Contra essa decisão, o segurança interpôs agravo regimental.

Porém, o relator do caso, ministro Celso de Mello, negou o recurso. Segundo ele, o ordenamento jurídico brasileiro não admite a censura prévia. “O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível censura estatal.”

De acordo com o decano do Supremo, o repúdio à censura estabelecido pela Constituição Federal de 1988 sinalizou um compromisso do Brasil com a liberdade de expressão, um direito fundamental reconhecido por normas como a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

E tal garantia foi fortalecida pelo julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130 pelo STF, destacou o ministro. Nessa ocasião, a corte declarou a inconstitucionalidade da antiga Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) e concluiu que não podem existir obstáculos ao exercício da liberdade de expressão.

Por isso, Celso de Mello demonstrou consternação com a autorização judicial da censura. “Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que alguns juízes e tribunais tenham transformado o exercício do poder geral de cautela em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa e de informação. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura”, avaliou.

Conforme apontou em seu voto, a atividade jornalística é essencial para informar a sociedade, especialmente quando denuncia abusos de agentes estatais — como o caso do PM. E, para preservar a integridade de seu trabalho, o jornalista tem direito a preservar o sigilo de suas fontes, ressaltou o decano.

“Com efeito, nenhum jornalista poderá ser constrangido a revelar o nome de seu informante ou a indicar a fonte de suas informações, sendo certo, também, que não poderá sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, quando se recusar a quebrar esse sigilo de ordem profissional e de estatura constitucional.”

Dessa maneira, Celso de Mello negou provimento ao agravo. Todos os demais ministros da 2ª Turma seguiram o entendimento dele e rejeitaram o pedido de exclusão da reportagem do ar e de indicação de quem eram as fontes dela.

Acusação sem provas
Duas liminares da Justiça paranaense obrigaram Marcelo Auler a retirar dez reportagens de seu blog sobre a operação "lava jato". Para os juízes, o repórter acusou delegados que atuam no caso de vazar documentos sem provar essas alegações. O jornalista não foi ouvido antes de as liminares serem deferidas.

Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que a decisão viola a garantia constitucional da liberdade de expressão e configura censura prévia, prática comum durante a primeira metade da ditadura militar (1964-1985), mas que deixou de ser aplicada ainda em meados dos anos 1970.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Rcl 21.504

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