Grilhões burocráticos

Estatal precisa licitar para contratar empresa na qual é sócia minoritária

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3 de junho de 2016, 17h26

Empresas que têm companhias estatais como sócias minoritárias sem poder de controle também devem participar de licitações caso queiram prestar serviços para essas estatais. De acordo com acórdão recente do Tribunal de Contas da União, o fato de empresas públicas terem entrado na composição societária de companhias privadas não as torna públicas também. Portanto, a contratação não pode ser direta e deve passar por processo de concorrência pública. O acórdão é do dia 11 de maio deste ano.

A tese foi definida em dois casos concretos. O primeiro é o da compra, pela Caixa Econômica Federal, de 22% das ações da CPMBraxis, fornecedora de soluções de tecnologia da informação. Com isso, a Caixa passou a ter 24% do controle acionário da empresa, que no Brasil pertence ao grupo Capgemini, por R$ 321,6 milhões.

O segundo caso analisado foi o da joint venture Branes Negócios e Serviços, um empreendimento da Caixa e da fabricante de computadores IBM. A descrição do TCU diz que a IBM detém 51% do capital da companhia, A Funcef (fundo de pensão dos funcionários da Caixa) tem 11,75% e a Caixa, ao todo, detém 37,25% do capital, 2% de forma direta e o resto por meio de um fundo de investimentos.

Com a decisão, a Caixa deve encerrar qualquer contrato assinado sem licitação e passar a inscrever as empresas nas quais têm ações, mas que não controla, em editais de concorrência pública.

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Bruno Dantas aponta que não há garantias de que empresas se
pautarão por princípios das estatais.
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De acordo com a análise feita pelo ministro Bruno Dantas, os negócios fizeram parte de uma estratégia da Caixa para investir em TI de forma mais rápida. A ideia era que, comprando participação nessas empresas, poderia contratá-las diretamente, sem licitação.

“Busca-se liberar determinadas áreas ou atividades dos procedimentos burocráticos e formais impostos de forma geral aos órgãos e entidades da Administração, mas sem quaisquer garantias de que tais empresas sejam geridas para atender os princípios que devem pautar a intervenção do Estado na economia ou que atinjam os objetivos de eficiência e agilidade pretendidos.”

No entanto, o ministro entendeu que o movimento é ilegal, já que, se o Estado não é controlador da empresa, ela não se pauta pelo interesse público e pelos conceitos constitucionais de eficiência. O interesse de um empreendimento privado é o lucro. Portanto, para que preste serviços a uma companhia estatal, deve passar por um processo licitatório.

O entendimento foi acompanhado à unanimidade pelo Plenário do TCU.

Públicas e privadas
Para definir a questão, Bruno Dantas usa o conceito de “empresas público-privadas” do advogado Rafael Wallbach Schwind. Segundo ele escreveu em sua tese de doutorado defendida em 2014 na USP, “a empresa público-privada desempenha um empreendimento privado – ainda que haja algum interesse estatal na sua atuação”.

“Mesmo nos casos em que a empresa público-privada preste um serviço público, para ela a atividade desempenhada será um empreendimento privado, como ocorre, por exemplo, com qualquer empresa privada que seja concessionária de um serviço público”, afirma Schwind, na tese.

No mesmo texto, o advogado defende que “não há lógica na aplicação do regime de direito público às empresas aqui denominadas de público-privadas”. “Se as contratações da empresa público-privada fossem submetidas a licitação, se os seus empregados somente pudessem ser contratados mediante a realização de concursos públicos, se a criação de cargos dependesse de lei e se houvesse a adoção das demais decorrências da incidência do regime de direito público, seria mais lógico que se constituísse uma empresa estatal.”

O ministro Bruno Dantas cita a tese de Schwind para concluir que a empresa só estaria liberada de passar por licitações se o Estado, ou a estatal, detivesse o controle acionário da sociedade. “A mera participação minoritária, sem que o poder de controle seja exercido pelo Estado, não é capaz de atrair para as empresas público-privadas as regras de direito público que tornam híbrido o regime aplicável às empresas estatais integrantes da Administração Indireta”, afirma, no acórdão.

Estratégia de governo
A compra de ações de empresas privadas por estatais, no caso da Caixa e do Banco do Brasil, em 2009, foi feita por meio da Lei 11.908/09. O artigo 2º da lei autoriza os bancos estatais a “adquirir participação” em outras empresas do ramo bancário ou securitário, “além dos ramos complementares às do setor financeiro”. E “com ou sem o controle do capital social”.

Segundo Bruno Dantas, as estatais estavam usando a interpretação de que TI seria uma atividade complementar à financeira. Mas, no acórdão, ele afirma que a jurisprudência do TCU discorda dessa interpretação.

E por isso o governo editou, em outubro de 2015, a Medida Provisória 695, depois convertida na Lei 13.262, do dia 22 de março deste ano. A lei permite, expressamente, à Caixa e ao Banco do Brasil a compra de ações em empresas de TI, mas dentro de um regime específico que termina em dezembro 2018. Por isso, escreve Dantas, o entendimento do TCU acabou superado.

A diferença entre as duas normas está na intenção. A lei de 2009 também é resultado de uma MP. E na exposição de motivos, o governo federal explica que ela faz parte de uma estratégia para dar competitividade ao setor financeiro no Brasil, que sofria com a perda de liquidez e desvalorização de capital decorrentes da crise econômica de 2008.

Já a MP de 2015 tinha como justificativa dar competitividade à Caixa e ao BB e “capacitá- los para concorrer em igualdade de condições com instituições financeiras privadas na aquisição de ativos”. Bruno Dantas completa: “Os efeitos deletérios da instabilidade econômica derivada da crise internacional de 2008 já se consolidaram no tempo, ainda que por ventura possam estar relacionados às sucessivas crises que frequentemente abalam o cenário econômico mundial”.

Questões políticas
De acordo com o ministro Dantas, se as questões econômicas mundiais já se “consolidaram no tempo”, problemas políticos continuam a interferir nos movimentos do governo no ramo financeiro. “Na realidade, em 2015, as recentes complicações no ambiente político e social influenciam mais a conjuntura econômica brasileira do que os fatores internacionais”, diz ele.

O advogado Rafael Schwind analisa que o caso julgado em maio pelo TCU mostra como o setor privado no Brasil não é assim tão privado. Segundo ele, não são raros os casos semelhantes ao da Caixa, em que uma empresa estatal compra ações de uma empresa privada como forma de aliar as estratégias de negócios.

A começar pelo BNDES Participações (BNDESPar), cuja função primordial é se associar em empresas privadas por meio da compra de participação societária. Segundo Schwind, na época que ele estava escrevendo a tese havia cerca de 500 empresas privadas em cuja constituição societária havia companhias estatais.

“Todos acham que isso acontece muito pouco, mas a verdade é que é uma prática disseminada no Brasil inteiro e que aumentou nos últimos dez anos. E independe de partido. Há casos emblemáticos em São Paulo, Paraná, Goiás e Tocantins, para citar alguns”, diz.

Clique aqui para ler o acórdão.

TC 003.330/2015-0

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