Opinião

Tutela provisória de urgência pode ser aplicada na Justiça Eleitoral

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29 de julho de 2016, 6h54

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, inúmeras mudanças foram trazidas, em especial, a expressa previsão da aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Civil à seara do Direito Eleitoral.

Nesse contexto, o Tribunal Superior Eleitoral expediu a Resolução 23.478, com o objetivo primordial de tratar sobre a aplicabilidade de determinados institutos jurídicos processuais no âmbito da normatividade especial eleitoral considerando uma integração sistemática.

O artigo 14 da norma regulamentar assim dispõe:

Os pedidos autônomos de tutela provisória serão autuados em classe própria.

Parágrafo único. Os pedidos apresentados de forma incidental em relação a feitos em tramitação serão encaminhados à autoridade judiciária competente, que determinará a sua juntada aos autos principais ou adotará as providências que entender cabíveis.

E o artigo 21 assim versa:

Até que seja criada a nova classe processual prevista no art. 14 desta Resolução, os pedidos de tutela provisória serão autuados, no Processo Judicial Eletrônico, na classe Ação Cautelar.                

Com efeito, o artigo 294 do Código de Processo Civil de 2015 trata da tutela provisória, que pode ser: de urgência ou evidência. A tutela de urgência (satisfativa ou cautelar) é aquela prevista no artigo 300, e parágrafos, do CPC e pressupõe a “probabilidade do direito”, o “perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” e a ausência de “perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

A aplicação supletiva da tutela provisória inibitória na Justiça Eleitoral (artigo 15 do CPC) incide na ausência da norma que será colmatada, enquanto que a subsidiariedade completa o arcabouço jurígeno, tendo por fim evitar a ocorrência de um ato contrário ao Direito ou impedir a sua continuação. [1]

Cumpre-nos assinalar que, em razão da redução do tempo de propaganda político-eleitoral, infere-se que pleiteantes a pré-candidaturas, por si ou por interpostas pessoas, antecipam atos cuja feição amolda-se a prática de abusos do poder econômico ou político.

Tais condutas são realizadas em razão do denominado “período pré-campanha” (artigo 36-A, da Lei 9.504/97), em que foram autorizados alguns atos, que não serão considerados como de propaganda antecipada irregular, tais como: a menção a pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais de pré-candidato, se não houver o pedido explícito do voto.

No que pertine à fiscalização, nas eleições municipais,  por exemplo, os tribunais regionais eleitorais designam por resoluções juízos eleitorais com essa competência, no que se refere à propaganda política eleitoral.

Cabe ressaltar que, na inserção do poder de polícia eleitoral, os magistrados podem agir ex officio ou por provocação de eleitores, partidos políticos e do Ministério Público Eleitoral, por exemplo, expedindo mandados de busca e apreensão, evitando a distribuição prematura de panfletos com pedidos de futuros votos.

Registre-se que a eficácia da tutela jurisdicional eleitoral, no âmbito da competência do poder de polícia, é de natureza satisfativa e exauriente, pois esse específico magistrado não é o que possui competência para o processo e julgamento das representações relativas ao descumprimento da Lei 9.504/97, nem para a cassação do registro ou diploma.

No entanto, emergem situações factuais que necessitam de uma maior garantia da eficiência da jurisdição eleitoral, preservando-se o equilíbrio, não apenas no período permitido de propaganda político-eleitoral, mas, exatamente, no espaço temporal antecedente, ou seja, antes de 16 de agosto e até mesmo antes do prazo de realização das convenções partidárias (20 de julho a 5 de agosto), no denominado “período pré-campanha”.

A eficácia da tutela provisória inibitória, que visa a reprimir a ocorrência do ilícito eleitoral, reside no fato de que: i) pode ser antecedente ou incidente; ii) é de cognição sumária; iii) obstaculiza ações que poderiam ser perpetuadas no tempo; iv) é revogável; v) a concessão da tutela possui natureza de decisão interlocutória (artigo 10.15, I, do Código de Processo Civil); vi) interposto o recurso de agravo de instrumento a decisão dessa tutela ainda produz efeitos até ulterior revogabilidade; e vii) a decisão do magistrado concedendo a tutela provisória o autoriza a adequar com critério de proporcionalidade a melhor eficácia em razão do tipo de propaganda, ou seja, é a adaptação ao caso concreto.

Ademais, cabe observar que, embora a possibilidade da aplicação do instituto da tutela provisória possua previsão específica no procedimento comum e em alguns procedimentos especiais, não há qualquer óbice para sua concessão no procedimento eleitoral, desde que preenchidos os requisitos trazidos pelos artigos 300, 303, 305 e 311 do CPC. [2]

No que diz respeito à competência, segundo o artigo 299 do CPC, a tutela é “[…] requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal”.

Nesse rumo, é possível a concessão de uma tutela de urgência, em razão do periculum in mora, em função de casos especiais. Por exemplo:

1. O aspirante a pré-candidatura de prefeito recebe o apoio político eleitoral do atual prefeito, no mês de maio do ano de eleição, por meio de promessa de que em junho ocorrerá a distribuição de bens ou serviços do município. Trata-se de conduta vedada prevista no artigo 73, IV da Lei das Eleições; e

2. O aspirante a pré-candidatura de vereador consegue junto ao prefeito do seu mesmo partido a garantia de que no mês de junho do ano de eleição poderá utilizar reiteradamente prédio da municipalidade, o que enseja a aplicação do artigo 73, I da Lei das Eleições.

A tutela provisória de urgência, de caráter inibitória, pode ser pleiteada ao juízo competente para a representação por conduta vedada, que não é o mesmo magistrado que exerce a competência defluente do poder de polícia da fiscalização da propaganda político-eleitoral.

Observa-se que, o juízo da fiscalização da propaganda eleitoral poderá conceder uma tutela cautelar, mas a sua jurisdição não o autoriza a julgar a representação por conduta vedada aos agentes públicos, por seguir o procedimento previsto no artigo 22, incisos I a XIII, da LC 64/90, pois a competência nesse caso desloca-se para o juízo das representações que ensejam a cassação do registro ou diploma, em função das sanções dos §§ 4º e 5º do artigo 73 da Lei das Eleições.

A tutela provisória, aqui tratada, em razão do artigo 299 do CPC, deve ser requerida ao juízo da causa, que não é o juízo da fiscalização da propaganda política eleitoral.

Na disquisição do tema, a tutela provisória de urgência é concedida pelo juízo das representações especiais, competente para o processo e julgamento de casos em que incidem os artigos 30-A, 41-A, 73, 74, 75 e 77 da Lei 9.504/97, pois se observa o rito estabelecido no artigo 22 da Lei das Inelegibilidades.

Saliente-se, ainda, a possibilidade de estabilização dessa tutela de urgência, em razão do que versa o artigo 304 do Código de Processo Civil, quando a parte não recorre da decisão, o que não impede uma futura revisão da própria decisão, quando já extinto o processo, no prazo de dois anos, na forma do §5º do citado artigo.

A estabilização da tutela provisória de urgência acaba por inibir as tentativas de atos, pela chefia do Poder Executivo, por exemplo, no intuito de favorecer determinada candidatura, ainda que dissimuladamente, ou, até mesmo, a conduta de pretensos candidatos que buscam utilizar o “período pré-campanha” para desvirtuar os mandamentos do artigo 36-A da Lei 9.504/97, realizando verdadeira campanha antecipada.

Desse modo, por exemplo, nas eleições municipais, o promotor eleitoral ou o partido político possuem uma eficaz alternativa processual, que é pleitear ao juízo das representações especiais a efetiva concessão da tutela provisória de urgência, independentemente das eventuais decisões oriundas de outro magistrado com competência para a fiscalização da propaganda político-eleitoral, quando, evidentemente, se perscrutar que nem sempre a decisão do juízo da propaganda terá durabilidade e inibirá a futura ação ilegal que será praticada em benefício de determinada candidatura.

Tem-se que se o agente público, o terceiro e o aspirante à futura candidatura objetivam praticar atos subjetivamente idealizados de abuso do poder econômico ou político, condutas vedadas ou compra de votos, o legitimado ativo para essas representações poderá se antecipar e pleitear a tutela provisória de urgência neutralizando-os.

Noutros termos, nem sempre deverá o legitimado ativo valer-se da representação por propaganda antecipada, pois esta pressupõe, de alguma forma, a consumação do ato ilegal com a sanção de multa, até porque a aplicação reiterada de multas eleitorais nem sempre segue um critério proporcional, ou é ineficaz.

Considerando esse panorama, devemos aplicar o princípio processual da adequação jurisdicional, flexibilizando e adequando o processo às peculiaridades da causa, visando, de forma proporcional e razoável, atingir o fim a que se destina.

Assim, a tutela de urgência antecedente é de natureza inibitória conservativa e se afigura mais apropriada na manutenção do equilíbrio eleitoral, pois, dependendo do momento do calendário eleitoral, o legitimado ativo poderá requerê-la ao juízo eleitoral competente.

A interpretação legal e restritiva do artigo 308 do CPC, de que o autor deve formular o pedido principal em 30 dias, inviabiliza a propositura da tutela de urgência por exemplo, nos meses de abril a julho do ano de eleição, diminuindo a eficácia da proteção jurisdicional eleitoral.

Desse modo, o juízo competente poderá dilatar o prazo para a formulação do pedido principal valendo-se da regra insculpida no artigo 139, inciso VI, do CPC, que, como dito, autoriza a flexibilização e adequação procedimental, em razão da complexidade do fato e, em especial, por ser uma questão de garantia da ordem pública eleitoral.

Cumpre destacar que as representações especiais só podem ser propostas com o requerimento de registro de candidatura, sendo o último dia para essa subfase eleitoral, 15 de agosto do ano de eleição, cumprindo ao magistrado, por razões de ordem pública, autorizar um prazo de maior dilatação processual que se possa compatibilizar, se for o caso, com a deflagração inicial da representação, por exemplo, por conduta vedada ao agente público, ação de captação ilícita de sufrágio ou ação de investigação judicial eleitoral.

Em virtude dessas considerações, a tutela provisória de urgência é um instrumento processual de alta relevância que previne e assegura a legitimidade na propaganda, em razão de ações intencionais e preordenadas voltadas para a desestabilização da igualdade entre possíveis candidaturas; além de significar uma alternativa processual para as multas impostas em decorrência de propaganda antecipada, que podem ser excessivas para uns e até mesmo ineficientes para outros, pois, se o infrator possui elevada condição econômica, acaba agindo reiteradamente em sucessivas condutas ilegais.

Ademais, conforme previsão do artigo 297, e parágrafo único, do CPC, no que se refere às medidas para garantia da efetividade do instituto da tutela provisória inibitória, “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas”, observando-se “as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber”.

Tal previsão, nada mais é, do que a garantia que o legislador concedeu ao magistrado de exteriorizar o seu poder geral de cautela e de efetivação, com a possibilidade da adoção de todas as medidas provisórias idôneas e necessárias para a satisfação ou acautelamento adiantados de um direito.[3]

Com acerto, fazendo uma interpretação dos princípios norteadores e evolutivos do processo civil (neoprocessualismo[4]), a alternativa emerge pela inexorável concessão da tutela provisória de urgência, que assegurará o verdadeiro equilíbrio da competição política eleitoral, servindo de inibição real para tentativas ou reiteradas ações ilegais.

Cumpre reconhecer que, a antecipação do prazo para a deflagração das representações especiais decorre da aplicação dos princípios regentes do Direito Processual na seara Eleitoral, em especial o da adequação jurisdicional, na efetivação da tutela de urgência, que possibilita segurança e confiabilidade recíprocas entre a tutela jurisdicional e os limites que devem ser criteriosamente observados na propaganda político-eleitoral.


[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 598-599.

[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 576.

[3] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil, artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 494.

[4] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 589.

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  • Brave

    é advogado da Kufa Sociedade de Advogados, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho e em Direito Público pelo Instituto Superior do Ministério Público do Rio de Janeiro.

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    é procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ex-coordenador das promotorias eleitorais e assessor parlamentar do procurador-geral de Justiça e auxiliar do procurador regional eleitoral no Estado do Rio de Janeiro.

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