Opinião

Lula deveria esgotar recursos internos antes de ir à ONU

Autor

  • Valerio de Oliveira Mazzuoli

    é professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) pós-doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa doutor summa cum laude em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e advogado em Mato Grosso São Paulo e Distrito Federal.

29 de julho de 2016, 16h02

O ex-presidente Lula peticionou, em 28 de julho, para o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (como faculta o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966) com o fim de abrir um procedimento internacional contra o juiz Sérgio Moro, por suposto abuso de autoridade e violação dos direitos humanos de Luiz Inácio Lula da Silva.

Esse procedimento internacional, aceito pelo Brasil desde setembro de 2009, efetivamente permite que cidadãos que tenham seus direitos humanos violados recorram ao Comitê para o fim de esse órgão internacional pôr fim à contenda, para o que “realizará reuniões confidenciais quando estiver examinando as comunicações previstas no presente Protocolo” (artigo 5º, inciso 3).

Ocorre que o Comitê somente poderá aceitar a comunicação caso a pessoa “haja esgotado todos os recursos internos disponíveis” (artigo 2º), o que não foi feito, ao que parece, pelo ex-presidente Lula.

É curioso que a petição do ex-presidente, endereçada ao Comitê, alega não ter no Estado brasileiro remédios jurídicos disponíveis, por exemplo, contra prisão arbitrária e abuso de poder. Evidentemente que tal demonstra um desacerto. Pode-se até reclamar do sistema jurídico brasileiro como um todo, mas dizer não haver no Brasil recursos disponíveis contra decisões eventualmente arbitrárias é ir longe demais.

Não há dúvidas de que qualquer interessado pode contestar a atividade de um juiz, como poderia fazê-lo relativamente a qualquer servidor público, bastando para tanto dirigir-se aos órgãos competentes. No caso dos magistrados, esse órgão é o Conselho Nacional de Justiça. Apenas deflagrando-se procedimento competente no CNJ e havendo resposta negativa é que se poderia pensar (e, ainda assim, caso não houvesse manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito) em bater às portas do direito internacional para queixar-se de violação de direitos humanos por parte de órgão do Estado perante as Nações Unidas.

O direito internacional e seus meios de proteção são sempre coadjuvantes dos sistemas jurídicos internos, não principais. Primeiro deve-se sempre recorrer ao plano interno, usando “todos os recursos” disponíveis (para falar como os instrumentos internacionais). Recorrer ao direito internacional sem o prévio esgotamento de todos os recursos internos é medida inócua, incapaz de, a priori, exigir de qualquer Estado manifestação contrária à sua anterior conduta.

Não vejo, pois, como possa vingar, no Comitê de Direitos Humanos da ONU, a reclamação do ex-presidente Lula contra o juiz Sérgio Moro, independentemente de discutir se tem o magistrado acertado ou errado em suas decisões. A questão, aqui, como se nota, é de forma, não de mérito.

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    é pós-doutor pela Universidade de Lisboa, doutor summa cum laude em Direito Internacional pela UFRGS, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e sócio do escritório Mazzuoli & de Pieri Advocacia.

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