Discussão de constitucionalidade

Correção monetária de condenações à Fazenda pela TR volta à pauta do Supremo

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29 de julho de 2016, 9h26

Ao retomar os seus trabalhos no próximo dia 1º de agosto, o Supremo Tribunal dará continuidade ao julgamento da constitucionalidade (i) da TR como índice de correção monetária das dívidas da Fazenda Pública e (ii) dos juros de poupança (0,5% ao mês) incidentes no período denominado “pré-precatório”. A discussão não se limita aos débitos de natureza tributária, mas abrange todas as condenações impostas à Fazenda Pública e compreende a definição dos índices aplicáveis desde a ocorrência do evento que fundamentou a condenação até a realização da conta na execução.

Logo, não está em apreciação a constitucionalidade do índice de correção monetária ou dos juros incidentes sobre os precatórios[1] já expedidos, mas os índices aplicáveis em fase anterior, relacionada à definição do valor da dívida, conforme previsto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97 com a redação dada pela Lei 11.960/09[2].

No fim do ano passado o Supremo iniciou a apreciação do referido tema no RE 870.947, sob o regime de repercussão geral. Seguindo o voto do relator, ministro Luiz Fux, foram proferidos cinco votos pela inconstitucionalidade da TR, sob o fundamento de que o índice não reflete a variação de preços da economia. Ou seja, a efetiva inflação ocorrida em determinado período. Para o ministro, “a remuneração da caderneta de poupança prevista no artigo 1º-F da Lei 9494 não consubstancia índice constitucionalmente válido de correção monetária das condenações impostas à fazenda pública, uma vez que desvinculada da variação de preços da economia”. (Voto Min. Luiz Fux). Divergiu desse voto o ministro Teori Zavascki e, na sequência, pediu vista dos autos o ministro Dias Toffoli, que levará agora a sua posição ao Plenário.

É importante destacar que a discussão sobre a constitucionalidade dos juros não se confunde com a da correção monetária. A natureza jurídica dessas verbas é distinta, assim como inconfundíveis são os regimes a que se submetem.

Exclusivamente quanto aos juros, cuja função é a de remunerar o capital ao longo do tempo, em princípio não há inconstitucionalidade na adoção do valor de 0,5% ao mês (6% ao ano) nas relações jurídicas não tributárias conforme prevê a regra da poupança. Nestes casos deverá prevalecer o montante de juros fixado no título exequendo. Sendo este omisso no ponto, serão aplicados os juros legais de 0,5% a.m.

No entanto, para as relações jurídicas tributárias – ou submetidas ao mesmo regime de atualização das dívidas tributárias (artigo 460 do Código Civil[3]) – a adoção desse patamar de juros tem o condão de afrontar o predicado da isonomia (artigo 5º, caput, e artigo 150, inciso II, da Constituição Federal). Isso porque a Fazenda Pública geralmente recebe os seus créditos com a incidência de SELIC, cujo valor é historicamente muito maior do que 0,5% a.m. Assim, em tais relações jurídicas devem incidir para o particular os mesmos índices de juros previstos o Poder Público. Na esfera federal será a SELIC e nas esferas estaduais e municipais deverá ser observado o valor dos juros por eles cobrados (podendo ser a SELIC ou mesmo 1% a.m., conforme o disposto no artigo 161, parágrafo 1º do CTN e na legislação específica de cada um).

Isso é o que ficou decidido pelo próprio Supremo quando foi declarada a inconstitucionalidade parcial do parágrafo 12 do artigo 100 da CF, relativamente aos índices de correção monetária e juros dos precatórios (ADI 4.357). A mesma ratio deve ser replicada ao caso ora comentado por uma questão de integridade e coerência da jurisprudência. É claro que nessas situações de incidência da SELIC não haverá também o computo de correção monetária, pois esta já está contida naquela. Ficará prejudicada, assim, qualquer discussão sobre a TR – que é apenas índice de correção monetária.

Por outro lado, nas relações jurídicas não tributárias a discussão sobre a constitucionalidade da TR como índice de correção monetária é de alta relevância.

Relembre-se que a correção monetária nada mais é do que a proteção do valor original da moeda dos efeitos corrosivos da inflação (não se confundindo com a remuneração do capital = juros). Ela é devida em respeito ao direito de propriedade (artigo 5º, inciso XXII, CF) tutelado pelo judiciário em cada ação judicial apreciada.

Ocorre que a TR não mede a inflação, razão por que não pode ser utilizada como índice de correção monetária. De fato, há muito o STF reconhece que “a taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda” (ADI 493, Relator Min. MOREIRA ALVES, DJ 04-09-1992). Esse entendimento foi reiterado no julgamento da ADI nº. 4.357 e encampado pelo voto proferido pelo Ministro Luiz Fux no processo em análise, devendo prevalecer.

Em suma, a atualização do valor da dívida do Poder Público por índice que não reflita a efetiva inflação ocorrida no período terá o condão de depreciar, desnaturar, corroer aquele direito que fora judicialmente garantido à parte após longos anos de batalha judicial, contrariando o direito de propriedade constitucionalmente garantido. Significará admitir o enriquecimento ilícito do Estado, o que também não se revela adequado e proporcional à Constituição.

E nem se alegue que uma decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da TR para os casos de condenações judiciais do Poder Público poderia ensejar questionamentos judiciais por aqueles que se utilizam da poupança, os quais eventualmente reclamariam a diferença entre a TR e o IPCA-e sobre os seus depósitos. Ora, quanto à poupança, trata-se de um investimento privado, de modo que quem o utiliza contrata de antemão a remuneração segundo as normas aplicáveis a esse investimento dentro de sua esfera de liberdade. O investidor pode verificar no mercado as opções que melhor remunerem e atualizem o seu capital, de sorte que a TR, neste caso específico da poupança, não seria inconstitucional, até porque ela é acrescida dos juros de 0,5% a.m. para a remuneração do capital. A TR nessa hipótese constitui mero indexador do investimento que não precisa corresponder à inflação. Afinal, ninguém é obrigado a aplicar na poupança.  

Por outro lado, no âmbito das condenações judiciais (não apenas do Poder Público, mas até mesmo entre particulares), é de rigor que o direito reconhecido judicialmente não seja corroído pela inflação no momento do pagamento da importância que o representa, o que fatalmente ocorrerá se a dívida for corrigida monetariamente pela TR.

Por essas razões, o voto já proferido pelo Ministro Luiz Fux deve prevalecer, pois entendeu Sua Excelência que (i) os juros de 0,5% a.m só seriam inconstitucionais se se tratasse de dívida tributária cuja contrapartida ao Estado fosse paga por índice superior (por exemplo, SELIC ou juros de 1% a.m.) e (ii) seria inconstitucional a utilização da TR como índice de correção monetária, devendo incidir em seu lugar o IPCA-e.

[1] Questão apreciada na ADI 4357, sob a seguinte ementa, no que interessa:

“(…)5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período). 6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário. 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra. (…)” (ADI 4357, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014)

[2] Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (redação dada pelo art. 5º da Lei nº. 11.960/09)

[3] Artigo 460 do CC: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”

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