"Intervenção branca"

Servidores do Judiciário e MP são contra renegociação da dívida dos estados

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28 de julho de 2016, 17h11

O novo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estabeleceu como prioridade do início de sua gestão a discussão do projeto de renegociação das dívidas dos estados com a União. Está marcada para segunda-feira (1º/8) reunião do Colégio de Líderes Partidários para discutir a proposta, que tramita em regime de urgência e é considerada “muito importante” por Maia.

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Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) estabeleceu como prioridade de sua gestão a discussão do projeto de renegociação das dívidas dos estados com a União.
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A ideia do projeto é dar aos estados endividados mais 20 anos para que eles paguem seus débitos com a União. Os estados que participarem do programa terão, nos primeiros dois anos, desconto de 40% do saldo devedor do período, além de poder renegociar, a critério próprio, suas dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Em contrapartida, os estados devem se comprometer a não contratar servidores nem dar aumentos, reajustes, bônus ou gratificações a funcionários durante dois anos.

O projeto faz parte do pacote de medidas do ajuste fiscal do governo da presidente Dilma Rousseff, afastada do cargo enquanto o Senado julga o impeachment dela. Há ainda o chamado novo regime fiscal, que estabelece um teto anual para os gastos públicos, de autoria do governo interino de Michel Temer, vice-presidente no exercício da presidência.

Intervenção branca
Por causa da tramitação com urgência, que dispensa a discussão nas comissões, e da reunião dos líderes na segunda, os servidores públicos, especialmente os ligados ao Judiciário, aprovaram medidas para tentar fazer com que a Câmara rejeite o projeto.

Em nota técnica enviada ao Congresso, a associação dos membros do Ministério Público (Conamp) afirma que o projeto é uma “intervenção branca” na política de pessoal dos estados.

Segundo a entidade, que representa promotores e procuradores de Justiça, o texto é uma imposição de duríssimas restrições aos serviços públicos de modo generalizante, traduzidas na forma de verdadeira "intervenção branca" em políticas de pessoal de outros entes federados, inclusive remuneratórias, em retirada de direitos adquiridos dos servidores públicos.

Para a Conamp, o projeto é inconstitucional por violar o princípio federativo, que “constitui cláusula pétrea da nossa Magna Carta”. Segundo a associação, as condições do projeto “implicam subjugação ilegítima e inconstitucional dos entes estatais referidos, em violação frontal ao ideário federativo”.

A Federação dos Servidores do Judiciário dos Estados (Fenajud) afirma que o projeto “causará um prejuízo imensurável ao serviço público do Brasil”. A entidade convocou, nessa quarta (27/7), todos os representantes de servidores do Judiciário para uma mobilização de três dias.

Tramitação
Já há pelo menos oito emendas de deputados ao projeto, justamente para retirar do texto a contrapartida que afeta os servidores. Ao todo, foram propostas 209 emendas.

A primeira emenda a respeito do assunto é do deputado Marco Maia (PT-RS). Segundo ele, “é inadmissível que os estados brasileiros em negociação com a União pretende transferir para o funcionário público todas as irresponsabilidades dos péssimos administradores”.

“Não posso concordar que depois de mais de 20 anos de construção dessa dívida pelos governadores nos estados, que mais uma vez seja a parte mais frágil que pague está dívida (o servidor)”, escreveu, ao justificar sua emenda.

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Para o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), um dos decanos da Câmara, “o achatamento salarial de diversos segmentos do serviço público vem acarretando enorme debanda de importantes profissionais, decaindo a qualidade da prestação à população”.
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O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), um dos decanos da Câmara e vice-líder de seu bloco partidário, também apresentou emenda parecida. De acordo com sua justificativa, “o achatamento salarial de diversos segmentos do serviço público vem acarretando enorme debanda de importantes profissionais, decaindo a qualidade da prestação à população”.

Na opinião do deputado, a contrapartida “é medida desinteligente que fere a isonomia”, já que põe na mesma situação estados que passam por problemas diferentes. “Além do mais, impõe ao ente federativo uma verdadeira quebra de sua autonomia, pois sujeita o governante à situação que lhe seja afastada a possibilidade da análise da conveniência e oportunidade de determinado ajuste ou correção salarial, o que sempre faz em consonância com o orçamento do seu estado.”

Crise mundial
A grande motivação do projeto é a crise financeira mundial de 2008, que começou nos Estados Unidos, mas se espraiou por diversos mercados e, em 2014, atingiu a China, desencadeando a crise das commodities, conforme explica a exposição de motivos do projeto.

Para conter os efeitos da crise, o governo federal criou, a partir de 2008, medidas de incentivo ao investimento por meio de programas de financiamento dos débitos estaduais com a União. Em 2014, no entanto, esses incentivos já não eram suficientes, e foi editada a Lei Complementar 148/2015.

A nova lei estabeleceu novos índices de juros das dívidas dos entes federados com a União. De acordo com a justificativa do projeto, os municípios foram os grandes beneficiados dessa medida. Os estados, nem tanto.

O projeto em discussão na Câmara é uma tentativa de reequilibrar a relação da União com os estados, mas criando contrapartidas para que os governos locais não comprometam ainda mais suas receitas com servidores.

Política de RH
As dívidas dos estados com a União começaram em 1997, conforme explica a exposição de motivos do projeto de refinanciamento. Foi naquele ano que o governo federal fez um acordo com 25 estados (Amapá e Tocantins não assinaram) para absorver suas dívidas com bancos internacionais.

Em troca, os estados deveriam pagar à União, à vista, 20% do valor total das dívidas com o mercado e reescalonar o resto em 30%, com juros de 6% ao ano. Também deveriam criar programas de reestruturação e ajuste fiscal, para que as dívidas pudessem ser monitoradas. Também ficou proibida a emissão de títulos de dívida pelos estados.

Segundo a justificativa do projeto, “os resultados alcançados pelos estados foram significativos, especialmente na redução do endividamento”. Só que, conforme hoje dizem o Ministério da Fazenda e economistas do mercado financeiro, a “folga” conseguida pelos estados foi revertida em contratação de servidores.

Essa política de pessoal levou os estados à situação que estão hoje: enquanto em 2014 e 2015 a arrecadação dos estados cresceu, em média 6% e 7%, respectivamente, os gastos com pessoal aumentaram 10% e 12% nos mesmos anos, segundo estudo do Ministério da Fazenda. Por isso, hoje, conforme o levantamento, seis estados (RS, RJ, MS, MG, PB e GO) estão acima do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para gastos com pessoal.

O Rio Grande do Sul, diz a pequisa, tem 75% de sua receita líquida comprometidos para pagar a remuneração e benefícios de servidores públicos. Mato Grosso do Sul, 73%. Isso quando a média nacional foi de 57,3%.

Entre 2009 e 2015, diz a Fazenda, o crescimento médio dos gastos com pessoal subiu 3,8%, descontada a inflação. Só que o Rio de Janeiro, por exemplo, apresentou alta de 70% nas despesas com servidores. Santa Catarina viu essa cifra crescer 65% no mesmo período.

Clique aqui para ler o projeto.
PLP 257/2016

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