Operação zelotes

Bradesco não discutiu pagamento de propina em esquema de corrupção, diz MPF

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28 de julho de 2016, 20h52

A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra executivos do Bradesco, advogados e auditores fiscais por envolvimento num esquema de compra de decisões favoráveis ao banco no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) não trata de pagamento para obter vantagem.

Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (28/7), os procuradores da República responsáveis pelo caso explicaram que as negociações não chegaram a tratar de valores, já que o recurso em questão não chegou a ser julgado, mas já podem ser consideradas, por si só, atos de corrupção.

“Abriu-se uma porta”, disse o procurador da República Frederico Paiva, coordenador dos trabalhos do Ministério Público Federal nas investigações sobre o Carf. “Não precisa fazer pagamento para que ato seja enquadrado no crime de corrupção ativa”, disse, visivelmente irritado, Paiva.

A denúncia foi apresentada à Justiça Federal na quarta-feira (27/7) e recebida pelo juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília. Os advogados dos acusados reclamam de não ter sido intimados para se manifestar sobre as acusações. O prazo para suas defesas, de 20 dias, foi aberto nesta quinta, com a sentença de recebimento da denúncia.

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Trabuco teria cometido crime ao assinar contrato com consultoria, diz denúncia.
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De acordo com a denúncia, os executivos do Bradesco, aí incluso o presidente, Luiz Carlos Trabuco, assinaram contratos fictícios de consultoria com advogados para que eles levassem esse dinheiro a conselheiros do Carf. Em troca, os conselheiros anulariam uma autuação fiscal imposta pela Receita Federal ao banco.

O Bradesco havia sido autuado em R$ 2,7 bilhões e pedia revisão tributária para compensação de créditos de PIS e Cofins. O recurso do banco saiu derrotado das câmaras baixas do Carf e, no recurso especial apresentado à presidência do Carf, dizia ter direito a crédito de R$ 1 bilhão, em vez de prejuízo.

De acordo com o MPF, desse crédito apontado pelo Bradesco, os consultores ficariam com 30%. Mas nada disso chegou a acontecer. A operação foi deflagrada depois que o recurso foi admitido pela presidência e enviado à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), a última instância interna do Carf.

“O próximo passo provavelmente seria pagar propina a conselheiros da Câmara Superior, mas isso não chegou a acontecer. A denúncia é um retrato do que estava acontecendo no segundo semestre de 2014”, explicou o procurador Hebert Mesquita, que também assina a denúncia.

“A corrupção não é assim, paga ali e ganha aqui. Não há esse automatismo”, afirmou Paiva. Hebert Mesquita depois explicou que “houve um processo [de corrupção], mas não houve um valor específico. O valor não faz parte dessa denúncia”.

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Conforme a explicação de Hebert Mesquita, o “processo” começava na Receita, e não no Bradesco. O auditor fiscal Eduardo Cerqueira Leite tinha como principal atividade, segundo o MPF, de acompanhar o andamento de processos importantes no Carf.

Quando ele encontrava processos em que poderia ganhar dinheiro, avisava seu ex-colega Jorge Victor Rodrigues, ex-auditor fiscal, para que procurasse seus contatos no mercado. E era ele a ponte entre Eduardo Cerqueira e o empresário e consultor Mário Pagnozzi, o responsável por entrar em contato com as empresas junto com o contador José Teruji Tamazato.

No caso do Bradesco, os executivos foram avisados de que um caso que o banco acabara de perder ainda poderia ser revertido, caso fosse levado à Câmara Superior.

O responsável por admitir a subida de um processo à CSRF é o presidente do Carf, na época o ex-secretário da Receita Otacílio Cartaxo. Essa tarefa estava delegada para o analista tributário da Receita Lutero Fernandes do Nascimento, quem deu o despacho pela admissibilidade do recurso do Bradesco.

“Vejam que o Jorge Victor era sócio do Leonardo Manzan, genro do Cartaxo. Então estava tudo em casa”, comentou o procurador Hebert, durante a entrevista coletiva. Cartaxo não consta da denúncia da quarta. Ele foi denunciado em outro caso, não relacionado com o Bradesco. Manzan também não foi denunciado nesse caso.

Lógica empresarial, segundo o MP
Os procuradores foram questionados pelos jornalistas sobre a presença do presidente do Bradesco entre os denunciados. Parece improvável que o presidente do então terceiro maior banco do Brasil participasse de um esquema de contratação de consultores para pagamento de propina no Carf, disseram.

Segundo os procuradores, Luiz Carlos Trabuco “participou de determinados momentos” das reuniões. Segundo Frederico Paiva, “o número 1 nunca faz contato direto. Faz parte da lógica empresarial. O contato é sutil, mas existe. Trabuco não foi enganado”.

Clique aqui para ler a denúncia.
Ação Penal 0037645-54.2015.4.01.3400

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