Lembrança amarga

Filhos abusados pela mãe conseguem tirar nome dela de seus documentos

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26 de julho de 2016, 9h02

A possibilidade de os filhos retirarem o nome da mãe ou do pai de seus registros é excepcional, mas deve ser concedida se houver motivo que justifique a atitude. Isso porque a relação paternal não surge apenas com a ligação biológica e a supressão da ligação com os genitores é parte do princípio da dignidade da pessoa humana. O entendimento é da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

No caso, o colegiado garantiu que quatro filhos abusados pela mãe enquanto menores de idade retirassem o nome da genitora de seus documentos. Eles foram representados pelo advogado José Eduardo Coelho Dias. A acusada foi condenada em segundo grau depois de ser inocentada em primeira instância. A ação transitou em julgado em 2012.

As acusações contra a mãe dos autores da ação foram confirmadas por depoimentos de seus filhos, além de relatórios de psicólogos e psiquiatras. Em primeiro grau, o juiz de origem afirmou que os menores eram influenciados por seu pai, que queria punir sua ex-companheira, que tinha pedido o divórcio.

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No entanto, o relator da 3ª Turma, desembargador Samuel Meira Brasil Júnior, reformou a decisão. Em seu voto, ele destacou que “a maternidade, assim como a paternidade, não é um ato biológico. Não podemos classificar como uma maternidade, uma paternidade jurídica, o simples fato de gerar uma criança”.

O desembargador apontou que o registro civil é, em regra, imutável, mas admite a retificação "em hipóteses excepcionais, com justa motivação". Para ele, a permissão atende ao princípio constitucional da dignidade humana.

“A retirada do nome daquela que gerou a prole contribuía para auxiliar os filhos a desapegarem, se é que isso será possível algum dia de suas vidas, de situação de aflição e angústia inerentes à lembrança, já marcada em seus respectivos desenvolvimentos psíquicos”, diz a decisão.

Caso polêmico
A supressão do nome materno pelos autores da ação é mais um capítulo de uma história que começou em 2005 e envolveu a advogada capixaba Karla Pinto, condenada a seis anos de prisão acusada de caluniar dois juízes do estado, os primos Carlos e Flávio Moulin, que atuam em Vila Velha (ES).

Ela foi condenada pelos crimes de denunciação caluniosa (5 anos e 2 meses de prisão) e difamação (8 meses) depois de denunciar os juízes por supostos abusos na condução do processo envolvendo os autores da ação que pedia a retirada do nome da mãe dos documentos. A advogada foi presa antes do trânsito em julgado da ação e permaneceu encarcerada até ser solta pelo Supremo Tribunal Federal.

Karla Pinto representava o pai dos então menores, responsável pela acusação de abuso. O homem pedia o divórcio e a guarda dos filhos. Com a negativa do pedido em primeira instância, ela denunciou Carlos Moulin à Corregedoria do TJ-ES e ao Conselho Nacional de Justiça.

Clique aqui para ler o voto do relator.

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