Competência da Justiça

Documento salvo na nuvem pode restringir jurisdição, dizem advogados

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24 de julho de 2016, 6h40

A territorialidade é muito importante na definição de qual autoridade é competente para investigar e julgar casos. Mas com a popularização de tecnologias de armazenamento de dados em servidores remotos, chamada de "armazenamento na nuvem", essa noção de espaço foi fortemente atingida. Por isso é necessário usar de outros recursos para definir as jurisdições e mesmo se certas causas podem ou não ser analisadas pelo Judiciário brasileiro.

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O método de armazenamento na nuvem é uma forma de os usuários salvarem arquivos em servidores que podem ser acessados de qualquer lugar, por qualquer dispositivo. A tecnologia garante mais mobilidade e facilidade na troca, revisão, produção e arquivamento de conteúdo. Devido a essa mobilidade extrema, muitas vezes o material armazenado não pode ser considerado como se estivesse em um local específico.

“Do ponto de vista jurídico, a nuvem oferece algumas barreiras, pois nem a empresa nem o usuário sabem, muitas vezes, onde estão os dados, fisicamente falando. Ou seja, a maior dificuldade seria no caso de necessidade de busca e apreensão do disco rígido ou do equipamento onde estão armazenados os dados”, explica o advogado especializado em Tecnologia da Informação Omar Kaminski.

Para o advogado, uma “proposta de solução” para um eventual conflito de competência pode ser encontrada nos parágrafos 1º e 2º do artigo 11 do Marco Civil da Internet. Os dispositivos detalham que qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros de informações deve respeitar a legislação brasileira se pelo menos um de seus atos ocorrer no território brasileiro.

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Omar Kaminski diz que a nuvem pode ser um empecilho porque a empresa e o usuário não sabem onde estão os dados.
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O artigo é válido mesmo que as atividades sejam feitas por uma empresa sediada no exterior que ofereça seus serviços aos brasileiros. A regra também vale se a companhia, ou o grupo econômico, possuir uma sucursal no Brasil.

Kaminski cita ainda o Decreto 8771/16, que regulamentou o Marco Civil da Internet. Em seu artigo 15, a norma define que os dados armazenados devem ser arquivados em formato interoperável e estruturado para facilitar o acesso em eventual decisão judicial.

“É uma situação que temos visto muito pouco na prática por enquanto, em termos de jurisprudência, talvez também porque uma boa parte dos processos vêm tramitando em segredo de justiça”, diz Kaminski .

O advogado Marcos Bruno, do Opice Blum, destaca que a jurisdição pode ser definida pelo contrato firmado entre o usuário do serviço e o provedor da infraestrutura. “Independentemente do serviço ser pago ou gratuito, há termos de uso”, diz.

Segundo Bruno, a relação de consumo é nítida nesses casos e a hipossuficiência do cliente é clara por causa das questões técnicas de informática. Porém, se a companhia não possuir sede no Brasil a obtenção dos documentos é mais complicada. “A dificuldade é que deve haver citação por carta rogatória.”

Opice Blum
Se registros forem suficientes para comprovar conteúdo, isso se torna uma prova válida, diz Marcos Bruno.
Opice Blum

“A competência da Justiça está mais atrelada às próprias disposições do Código Civil”, diz o advogado, explicando que o provedor da nuvem pode alegar que só responde à Jurisdição de onde está instalada sua sede.

Outro ponto importante é que há contratos firmados por meio desse tipo de documento. Nesses casos, a empresa deixa apenas uma parte em branco para que o contratante marque que está de acordo com os termos. “As partes são livres quanto à forma de contratar, a não ser que estabeleça uma forma especial”, afirma Bruno.

Em situações como essa, a comprovação da validade do contrato depende de perícia, e do grau de detalhamento das alterações fornecidos pelo provedor da nuvem. “Se os registros forem suficientes, em uma perícia judicial, a comprovar o conteúdo que foi aceito, isso acaba sendo uma prova válida.”

Precedente do TJ
Ao julgar a Apelação 1097101-60.2013.8.26.0100, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, definiu que não é possível fornecer dados de usuários sediados fora do território brasileiro. O acórdão foi divulgado pelo Observatório do Marco Civil da Internet, mantido por Kaminski.

No caso, o Google recorreu de sentença que o obrigou a fornecer informações sobre um usuário que tinha um blog que usava sua infraestrutura. No recurso, a companhia argumentou que não poderia fornecer o endereço de IP pedido porque a pessoa em questão morava em Portugal.

Antonio Carreta - TJ/SP
“Face ao disposto no artigo 11 da Lei 12.965/2014, vê-se que os provedores de hospedagem e aplicações na internet somente têm o dever de guarda e fornecimento e dados pessoais de usuários, caso os atos impugnados ocorram em território nacional, em terminais localizados no país. Daí decorre que não se pode impor a identificação ao autor, considerando-se a prova de que os dados requeridos foram mantidos em servidor localizado no exterior”, explicou o relator designado do colegiado, o desembargador Carlos Alberto Garbi.

O julgador citou em seu voto precedente da própria 10ª Câmara sobre o tema. No Agravo de Instrumento 2008939-76.2016.8.26.0000, o colegiado definiu que operações feitas em terminais fora do Brasil não poderiam estar sujeitas à legislação brasileira.

“Nesse  sentido, o artigo 11 do Marco Civil da Internet dispõe que em qualquer operação de coleta, armazenamento e tratamento de registros de dados pessoais, deverão ser respeitadas a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil”, destacou o colegiado à época.

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