Investigação criminal

Juíza do RJ manda suspender WhatsApp e reclama de resposta em inglês

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19 de julho de 2016, 13h08

Pela terceira vez, o aplicativo WhatsApp foi alvo de uma decisão judicial para suspensão do serviço. Dessa vez, a ordem partiu da juíza Daniela Barbosa Assunção de Souza, da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias. Ela determinou o bloqueio por conta de uma investigação criminal que corre em sigilo na 62ª Delegacia de Polícia na cidade da Baixada Fluminense.

Segundo a decisão, o Facebook, dono do WhatsApp, não obedeceu uma ordem para interceptar as mensagens dos suspeitos antes que estas fossem criptografadas — recurso que garanta a segurança na troca das mensagens. A juíza cita que a empresa se limitou a responder, em inglês, que não arquiva e não copia as mensagens compartilhadas entre os usuários. O Facebook ainda formulu cinco perguntas, também em inglês, a respeito da investigação.

A juíza não gostou. Para ela, as perguntas foram impertinentes e nenhuma das informações solicitadas são necessárias para o cumprimento da ordem. Segundo registrou na decisão, o Facebook desprezou as leis nacionais, “tratando o país como uma ‘republiqueta’ com a qual parece estar acostumada a tratar. Duvida esta magistrada que em seu país de origem uma autoridade judicial, ou qualquer outra autoridade, seja tratada com tal deszelo’”.

Em abril, o WhatsApp anunciou um recurso de criptografia que protege a comunicação entre os usuários e nem mesmo o aplicativo consegue ter acesso às conversas. Porém, para a juíza, a empresa teria condições de cumprir a determinação.

"Nem se deve entender que a quebra do sigilo e interceptação telemática do aplicativo traria insegurança aos usuários, uma vez que a decisão judicial é sempre fundamentada, específica e abarca usuários que estejam praticando crimes dentro do território nacional", registrou.

A magistrada diz que a determinação judicial requer a desabilitação da chave de criptografia com a interceptação do fluxo de dados e desvio em tempo real, conforme sugerido pelo Ministério Público. “As mensagens trocadas deverão ser desviadas em tempo real (na forma que se dá com a interceptação de conversações telefônicas), antes de implementada a criptografia”.

Em nota, o WhatsApp declarou que “passos indiscriminados como estes ameaçam a capacidade das pessoas para se comunicar, para administrar seus negócios e viver suas vidas”. A empresa insiste que só deixou de fornecer informações pois não tem acesso aos conteúdos.

Histórico
O primeiro bloqueio do WhatsApp aconteceu em dezembro de 2015, durou 48 horas e foi feito a pedido da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo. A decisão foi derrubada 12 horas depois, por meio de um mandado de segurança feito pelo WhatsApp.

Em maio deste ano, a Justiça de Lagarto (SE) promoveu a segunda suspensão do aplicativo. Entre os argumentos usados pelos advogados do WhatsApp em ambas ocasiões estava a questão da proporcionalidade, já que a medida afeta milhões de usuários enquanto que os criminosos investigados são apenas alguns.

Repercussão
A decisão foi criticada por advogados, que a consideraram desproporcional. O advogado Daniel Bialski, sócio do escritório Bialski Advogados Associados, lembra ainda que o aplicativo começou a ser usado em comunicações oficiais de algumas varas da Justiça, como a 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, por exemplo. 

"Não podemos compreender como um juiz, a quem caberia agir com parcimônia e plena isenção, não consegue tomar medidas menos radicais para fazer cumprir suas determinações. Além disso, não se pode aceitar e conceber que tome decisão pela eventual desobediência de alguns, tornando possível o prejuízo de milhões de usuários", afirma o advogado.

Para o criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados, afirma que o bloqueio é uma arbitrariedade e que é necessário impedir tal abuso. "Nenhum juiz tem o poder de impedir a comunicação de milhares de pessoas que não estão em sua  jurisdição, já que não somos réus no processo que preside. O máximo que poderia era arbitrar multa financeira que pode ser revisada pelas instâncias judiciais. É mais um ato em que o Judiciário brasileiro expõe a insegurança jurídica nacional, que é hostil ao empresariado, ao mercado e aos direitos individuais", diz.

"Esta nova decisão não tem o condão de resolver o problema de falta de clareza do Marco Civil da Internet no que diz respeito à proteção e sigilo dos dados e informações do usuário", afirma Maristela Basso, professora de direito da USP e advogada associada do Nelson Wilians e Advogados Associados. Ela cobra a assinatura de um protocolo de regularização entre o Judiciário e o WhatsApp para esclarecer em quais hipóteses as informações dos usuários serão divulgadas. 

Já para Alexandre Zavaglia Coelho, diretor executivo do Instituto de Direito Público de  São Paulo e especialista em tecnologia e inovação, "obrigar o WhatsApp a manter o conteúdo de mensagens e gravações seria o mesmo que obrigar as empresas telefônicas a manter conversas gravadas o tempo todo. É inviável operacionalmente e, ao mesmo tempo, pode violar o direito de privacidade."

Clique aqui para ler a decisão.

* Texto atualizado às 19h10 do dia 19/7/2016 para acréscimos.

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