Geladeira judicial

Para CNJ, tribunal não pode punir juiz com afastamento "perpétuo" de 25 anos

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16 de julho de 2016, 9h30

Quando juízes e desembargadores são punidos com pena de disponibilidade, têm direito de retornar às atividades depois de dois anos, exceto se tribunais apontarem motivos novos e razoáveis para justificar a necessidade de manter a medida. Esse foi o entendimento do conselheiro Emmanoel Campelo, do Conselho Nacional de Justiça, ao determinar que o Tribunal de Justiça de São Paulo avalie a volta de um juiz afastado desde 1991.

Marcello Holland Neto está longe das funções há 25 anos, após ter sido acusado de ganhar um relógio e favorecer dois candidatos quando era juiz eleitoral em Guarulhos, o que ele nega. O conselheiro não entrou no mérito, para avaliar se houve ou não fraude, mas apontou o caráter temporário da pena de disponibilidade — que deixa magistrados afastados, com salário proporcional e proibição de praticar qualquer atividade, a não ser o magistério.

“Na hierarquia das penas previstas na Loman [Lei Orgânica da Magistratura Nacional], a disponibilidade se situa antes da aposentadoria compulsória justamente porque há uma gradação entre elas, sendo a disponibilidade aplicada a conduta punível menos grave”, afirmou Campelo. Assim, ele entende que a medida demonstra a intenção de permitir o reaproveitamento do julgador punido, diferentemente do caso analisado, em que o juiz ficou fora do cargo “durante quase toda sua vida profissional produtiva”.

O conselheiro também não manda o TJ-SP reincluir Holland Neto imediatamente. A corte fica obrigada a abrir procedimento administrativo para analisar o caso, ouvindo a parte e o Ministério Público. Só pode decidir em sentido contrário se fundamentar a medida.

Entendimento pacífico
A decisão monocrática segue enunciado recém-aprovado pelo CNJ, com base em precedentes do colegiado: “Após dois anos da aplicação da pena de disponibilidade, ocorrendo pedido de aproveitamento, o tribunal deverá apontar motivo plausível, de ordem moral ou profissional, diverso dos fatos que ensejaram a pena, capaz de justificar a permanência do magistrado em disponibilidade, mediamente procedimento administrativo próprio, oportunizando-se o contraditório”.

O advogado Daniel Calazans, que representa o juiz em nome da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, diz que a prática de afastar por longos anos era recorrente no Judiciário paulista — outros quatro juízes já pediram apoio semelhante à entidade, mas nenhum com prazo superior a duas décadas, como Holland Neto. Na prática, afirma, a punição acaba sendo maior que a aposentadoria compulsória.

Calazans diz que o juiz sofreu depressão e enfrentou problemas familiares com a “geladeira”. “Se ele tivesse cometido homicídio, já teria cumprido a pena e seria réu primário”, compara o advogado. Holland havia tentado voltar em outras oportunidades, por processo administrativo no TJ-SP e Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal. Só agora, porém, o direito foi reconhecido.

Para o relator atual no CNJ, “nada justifica impedir que o apenado possa dar continuidade às suas atividades laborativas, essenciais que são para a preservação da dignidade pessoal”, pois “não há como sustentar um discurso de democracia e respeito quando as penas podem ultrapassar o limite da razoabilidade”.

Campelo apontou que, quando o juiz voltar às atividades, certamente terá de passar por cursos de atualização e aperfeiçoamento, com “retorno gradativo à função jurisdicional”.

O presidente da Anamages, juiz Magid Nauef Láuar, afirma que a decisão é relevante porque reforma pena administrativa injusta — que, para ele, pode ser a maior já cumprida no país. “Nem mesmo na ditadura tivemos fato semelhante.”

Clique aqui para ler a decisão.
PCA 0002896-55.2014.2.00.0000

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