Diário de Classe

Batman virou tema de TCC e retrata o mote: os fins justificam os meios

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16 de julho de 2016, 8h00

Spacca
O engajamento subjetivo dos estudantes de final de curso de Direito com a monografia apresenta surpresas. Algumas ideias devem ser rejeitadas de plano, enquanto outras merecem nosso elogio. Trabalhamos, de há muito, com as intersecções entre Direito & Literatura & Psicanálise & Arte & Cinema. Tanto assim que nos reunimos, anualmente, no Colóquio Internacional de Direito e Literatura (Cidil), promovido pela Rede Brasileira Direito e Literatura — cuja quinta edição ocorrerá no final do mês de outubro, em Uberaba (MG), com o tema “Justiça, Poder, Corrupção”, em homenagem aos 400 anos da morte de Shakespeare e de Cervantes (veja aqui); e, também, nas Jornadas de Direito e Psicanálise, promovidas pelo Núcleo de Direito e Psicanálise da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em cuja última edição, de maio, discutimos o romance Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago.

A pretensão é recorrer à literatura e ao cinema, nos dois casos, como metáfora para refletirmos acerca de problemas que atravessam o Direito. E os resultados são bem proveitosos, com publicações anuais sobre a temática. No plano internacional, aliás, existem diversos e reconhecidos movimentos de Direito e Literatura (Law and Literature, nos Estados Unidos; Diritto e Letteratura, na Itália; Derecho y Literatura, na Espanha etc.), com os quais trabalhamos em parceria. Vale ressaltar, nesse sentido, o constante diálogo e atividades que mantemos com o professor Calvo González, da Universidad de Málaga, que na próxima semana receberá o título de Doctor Honoris Causa, na Universidad Ricardo Palma, no Peru (veja aqui). Não fosse isso, o programa de televisão Direito & Literatura — exibido semanalmente pela TV Justiça, cujo âncora é o professor Lenio Streck — está no ar desde 2008 e, em breve, atingirá o número de 300 gravações. Você pode assistir a todos os programas no canal no YouTube (clique aqui),

Nesse contexto, embora tenha sido alvo de diversas brincadeiras maldosas e que criticam o trabalho sem mesmo lê-lo, vale indicar a coragem e a perspicácia da estudante Maíra Morena Mariani Dias Dórea, da Faculdade Baiana de Direito, que se arriscou a escrever um TCC denominado: Batman: O Cavaleiro das Trevas – uma análise sobre a legitimação da autotutela diante da ineficácia do poder de punir do Estado. A monografia somente foi possível porque os professores da instituição apostaram para além dos horizontes da dogmática tecnicista, incentivando seus alunos a buscar metáforas para compreender o que se passa no país. E a preocupação da estudante resultou numa reportagem singular (confira aqui a entrevista) que — apesar de discordarmos da fundamentação teórica na linha da defesa social — consegue apontar para a importância do Estado e a vedação de autotutela.

Ao mesmo tempo em que demonstra o acolhimento social das vinganças, dos caudilhos, dos perseguidores implacáveis ao crime, Maíra é capaz — a partir do filme do Batman — de reconhecer que a conduta do super-herói é equivalente à do Coringa, ou seja, ambos atuam na ilegalidade, desprovidos de controles sociais e democráticos. Daí a importância do resgate da função do Estado como terceiro capaz de evitar a vingança. Não podemos discutir, aqui, a existência de um fundamento de punir, até porque estamos com Zaffaroni quando aponta que a pena não tem fundamento, por ser ato de poder: fundamento agnóstico. De qualquer sorte, não podemos abdicar dos fins, aceitando passivamente que o meio empregado seja eficiente. Abrir mão do Estado e de seu fundamento — quer por teorias contratualistas ou não — significa legitimar qualquer forma de justiciamento.

A dimensão da monografia está em demonstrar que as regras do jogo democrático devem ser respeitadas pelo Estado e que, em nome dos fins, não se pode tolerar os meios. Há um limite ético que resta rompido atualmente em nome da “guerra ao tráfico ou à corrupção”, nas quais se aceita que os dispositivos democráticos possam ser violados sob o álibi dos bons resultados. Isso, porém, é reiterar uma postura pré-moderna de poderes irrestritos, sem controles, enfim, impróprios ao regime democrático.

A acusação que nos é arremessada quando falamos disso pode ser resumida do seguinte modo: então, são favoráveis ao tráfico e à corrupção. Absolutamente não. Apenas sustentamos que devemos punir dentro da legalidade. O que não podemos é nos equiparar a quem viola as regras para o fim de punir quem viola. Isso nos tornaria iguais em ilegalidades. No entanto, há quem aplauda, afinal, os super-heróis podem fazer tudo que desejam impunemente. Talvez o desejo de não possuir limites fervilhe no sangue de muitos. O Estado Democrático de Direito surge justamente para não dependermos da noção de bondade de ninguém. A normatividade nos salvaria dos bons, belos e recatados. Ou, como diria, Agostinho Ramalho Marques Neto: “Quem nos salva da bondade dos bons?”.

Assim é que parabenizamos Maíra e quem apostou na sua coragem de enfrentar problemas do cotidiano por meio da sétima arte. Alguns podem achar que o Direito deveria ser mais sério. Já temos TCCs chatos demais, que repetem sempre o mesmo. Esperamos que a iniciativa frutifique, embora os defensores da mesmice se arvorem em ceifar qualquer tentativa criativa. Luis Alberto Warat bem sabia, tanto que escreveu sobre a morte do Superman, e não foi entendido. Aliás, recomendamos o texto! Bom final de semana, esperando que os heróis brilhem apenas nos cinemas e nos quadrinhos ou sejam limitados por super-heróis.

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