Opinião

Quem está irregular não tem opções seguras ao regime de repatriação

Autor

  • André Menescal Guedes

    é advogado e sócio-diretor do Nelson Wilians & Advogados Associados à frente dos Estados do Maranhão e Ceará. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. LLM em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).

15 de julho de 2016, 7h46

A desconfiança do brasileiro em relação ao governo atinge todas as classes sociais — para os mais variados temas. Não foi diferente com a lei de regularização de ativos. Mesmo já tendo chegado à metade do prazo previsto para transmissão das declarações, ainda circula entre alguns gestores patrimoniais uma ideia de que transferir os ativos não declarados a bancos americanos pode ser uma saída, considerando a singular posição que os Estados Unidos assumiram diante das regras de cooperação fiscal internacional.

Há, naturalmente, pontos a sanar no RERCT (Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária), que aparenta pouca clareza em diversos aspectos, mas a verdade é que a cultura do Refis acostumou o contribuinte brasileiro à existência de oportunidades cíclicas para regularização de sua situação fiscal. Não seria exagerado dizer que os programas especiais de parcelamento passaram a fazer parte do planejamento tributário de muitos.

Essa percepção equivocada de que sempre haverá uma nova chance para remissão dos pecados financeiros parece ter contaminado a regularização de ativos atualmente em curso no país. Prova disso é o próprio número baixo de adesões até o momento.

Para os ainda céticos em relação à regularização, não conta apenas a acomodação de supor que haverá outros momentos para corrigir o passado. Entra na equação certo desconhecimento sobre o cenário global, que dá maiores passos a cada dia no sentido de uma transparência fiscal que não distingue fronteiras.

Não há mais tempo para saídas alternativas. A partir de 2017-2018, por força da convenção Automatic Exchange of Financial Information in Tax Matters (AEOI), um grupo de mais de 100 países, dentre os quais estão Brasil e Suíça, passa a compartilhar automaticamente (sem necessidade de requisição ou existência de investigações em curso) informações bancárias dos residentes dos demais cooperantes.

Esse fluxo se dará de maneira oficial, fornecendo ao fisco de cada uma dessas jurisdições uma gama de dados aptos a deflagrar autuações administrativas, ações penais e outras medidas decorrentes da ocultação dos bens por aqueles que não os declararam.

Diversos países criaram programas de regularização de ativos nos últimos anos. Em alguns casos, como na Espanha, predominou entre uma larga parcela de contribuintes a esperança de que haveria a dilação de prazo ou outra etapa do programa. O resultado, para estes, foi alarmante. Não houve novas etapas nem há sinais de que haverá. Quem perdeu a oportunidade de declarar voluntariamente nada pode fazer senão aguardar a troca automática das informações, com direito a todas as sanções fiscais e criminais correlatas.

No Brasil, essas sanções podem significar um desembolso superior ao valor dos recursos não declarados, além de processos criminais relacionados desde a só permanência não declarada dos ativos no exterior até a investigação minuciosa da origem desses ativos.

Na Suíça, tradicional detentora da maioria dos recursos aptos a ser declarados pelos brasileiros, os bancos já entenderam o recado. O fato é que muitos só têm dado aos seus clientes ainda não regulares duas alternativas: aderir ao Regime, comprovando à instituição logo após fazê-lo, ou retirar o dinheiro. Aos que se seduzem pela segunda alternativa, um novo e grande problema surge: que banco está disposto a receber o dinheiro?

O sinal dos novos tempos só se reforça com episódios como o do fim de maio deste ano, quando o banco BSI (Banca della Svizzera Italiana) foi objeto de drásticas medidas de intervenção e dissolução pela autoridade financeira suíça (Finma), a qual apurou comprovado conhecimento dos gestores do banco sobre a origem ilícita de recursos que vinham sendo utilizados em lucrativas operações pela instituição.

Entre as instituições bancárias de menor porte e muitos consultores financeiros, como já dito, não tem sido incomum a sugestão de que os clientes levem os recursos para os Estados Unidos, dado que este país não está no rol dos que cooperarão com a AEOI.

Uma recomendação nesse sentido funda-se claramente na falta de visão sistêmica do que vem ocorrendo no mundo inteiro. Cedo ou tarde, as informações bancárias fluirão também dos Estados Unidos para o Brasil. O titular dos ativos terá perdido a única janela aberta pelo governo para estar em paz com sua consciência fiscal.

É pouco razoável pensar que qualquer país esteja disposto a trocar a imagem de jurisdição cooperante com a transparência fiscal internacional pela de protetor de grupos ou nacionalidades, ainda que haja outros fatores macroeconômicos em jogo.

Além disso, não há nada na história dos Estados Unidos que nos leve a pensar que o fisco americano se dedicará a proteger os brasileiros que utilizaram seus bancos para seguir ocultando ativos, mesmo após uma oportunidade inédita de regularização. Tampouco faria sentido, mesmo na distante hipótese de uma lei de regularização de ativos específica para aqueles que mantiveram seus recursos em solo americano, que o governo mantivesse as mesmas benesses previstas no atual regime.

Mover ativos para onde a Receita Federal ainda não alcança, assim, pode se mostrar uma estratégia que, além de trocar uma solução imediata por um problema iminente, agrava a condição de ilicitude desses recursos e aumenta as consequências a ser enfrentadas quando a informação chegar aonde deve. Convém superar a crise de confiança e entender que tudo indica que esta seja a última chance.

Autores

  • é advogado e sócio-diretor do Nelson Wilians & Advogados Associados à frente dos Estados do Maranhão e Piauí. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. LLM em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).

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