Tribuna da Defensoria

Qual o rito adequado para cobrança de honorários pela Defensoria Pública?

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12 de julho de 2016, 15h17

I. Introdução
Recentemente, o Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sob a direção do brilhante José Augusto Garcia de Sousa, trouxe interessante questionamento a respeito do rito adequado para a cobrança de honorários devidos à Defensoria Pública.

O tema da percepção de honorários que não os de sucumbência é um tabu no âmbito das defensorias públicas. Em nossa segunda edição da obra Princípios Institucionais da Defensoria Pública, definimos a possibilidade de percepção de honorários pela atuação da institucional tendencialmente solidarista (classicamente atípica) em favor de pessoas não hipossuficientes, em caso bem delineado.

Sabemos, no entanto, que o assunto é tão arriscado quanto o Cabo da Boa Esperança, o que nos levou a navegar com cautela, evitando um açodamento teórico que levasse ao naufrágio da tese.

Nosso ponto de partida levou em consideração hipóteses de atuação em que a pessoa tem a possibilidade de escolha e o potencial econômico para selecionar um profissional apto a sua defesa, mas opta por se quedar inerte, tornando obrigatória a atuação da Defensoria Pública, em virtude de mandamentos legais, constitucionais ou convencionais.

Trata-se de situação corriqueira no processo penal em que o réu é pessoalmente cientificado da imputação e se torna desidioso na constituição de sua defesa técnica. Ou também os casos de acusados que possuem defesa técnica constituída, mas esta não participa de atos por meio de cartas precatórias, e o acusado indica a assistência pontual da Defensoria Pública.

É comum que os membros da Defensoria Pública requeiram ao juízo o arbitramento de honorários pela sua atuação no exercício da defesa perante a ação penal, utilizando-se como parâmetro a tabela emitida pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Partindo-se da premissa de que há espaço para a exigência de honorários pela atuação da Defensoria Pública no desempenho dessa função solidarista (classicamente atípica), qual seria o rito adequado para a obtenção do crédito (execução extrajudicial, cumprimento de sentença ou execução fiscal)?

O artigo 4º, XXI da LC 80/94 define como função institucional da Defensoria Pública a execução e recebimento das verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos.

A destinação dessas verbas é restrita a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da instituição e à capacitação profissional de seus membros e servidores.

A expressão verbas sucumbenciais traz possível restrição, tendo em vista que os honorários devidos pela atuação da Defensoria Pública independem do resultado da causa, ou seja, não constituem verbas sucumbenciais. No entanto, cremos que o artigo 4º, XXI da LC 80/94 não tem caráter restritivo, servindo apenas como norma diretriz a respeito do empenho das verbas provenientes das verbas de sucumbência.

Sendo a cobrança dos honorários uma função institucional da Defensoria Pública, quaisquer de seus órgãos de atuação e, eventualmente, o órgão administrativo de gestão desses fundos teria legitimidade para a instauração do procedimento executivo. Tudo a depender da forma como fosse distribuída a atribuição pelo Conselho Superior (artigo 102, parágrafo 1º da LC 80/94).

No entanto, qual seria o procedimento adequado para a cobrança dos honorários? Deveria a Defensoria Pública, por ser instituição estatal, utilizar-se do rito da execução fiscal previsto pela Lei 6.830/80.

A dúvida é pertinente posto que o artigo 2º da referida lei define o cabimento da execução fiscal para a cobrança de dívida ativa da Fazenda Pública, assim compreendido todo o crédito tributário ou não tributário, conforme elenco da Lei 4.320/64.

A distinção entre o crédito tributário e não tributário encontra-se prevista no artigo 39 da Lei 4.320/64. Considerando que os honorários não constituem um tributo, importante restringir nossa abordagem ao rol da dívida ativa de natureza não tributária, que compreende dos demais créditos de titularidade da Fazenda Pública, assim arrolados: empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.

O rol, apesar de extenso, nos levaria a enfrentar a expressão “custas processuais”, por guardar pertinência com os honorários devidos pela atuação da Defensoria Pública em processo judicial.

Sobre a expressão custas processuais, ela é, na realidade, espécie do gênero despesas processuais, tal como se observa da redação do revogado artigo 3º da Lei 1.060/50 e do artigo 98 do novo Código de Processo Civil.

O legislador entende que o processo tem aptidão para gerar diversas despesas de caráter processual, a exemplo das custas, taxa judiciária, honorários periciais e advocatícios, indenizações devidas às testemunhas, dentre outras. Essa divisão apontada no Código de Processo Civil deixa claro que as custas e honorários não se confundem, o que implica reconhecer que o artigo 39 da Lei 4.320/64, nesse ponto, não alcançaria os honorários.

A exegese da Lei 4.320/64 é suficiente para encerrar qualquer possibilidade de utilização do rito da execução fiscal. Entretanto, podemos adicionar outro fundamento, o de que a dívida ativa não tributária reflete um crédito da Fazenda Pública, expressão que, pela leitura do artigo 1º da Lei 6.830/80, compreende a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e autarquias.

A Defensoria Pública não é pessoa jurídica de direito público e, até por causa de sua autonomia, não integra o conceito de Fazenda Pública para efeitos legais, o que sepulta qualquer discussão a respeito do tema.

Seguindo a proposta deste breve estudo, caberia aqui apontar a possibilidade de utilização do rito da execução de título extrajudicial, nos moldes do artigo 771 e seguintes do novo CPC.

O rol de títulos executivos extrajudiciais encontra-se previsto no artigo 784 do CPC/2015 e o incisos IV (instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela advocacia pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal) e XII (todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva) poderiam suscitar algum tipo de dúvida.

No entanto, assim como ocorrido em relação a análise da execução fiscal, acreditamos que os exemplos apontados também não compreenderiam o crédito advindo da atuação da Defensoria Pública em função de caráter solidarista.

Primeiro porque uma das premissas necessárias para a constituição da obrigação de pagamento dos honorários é a existência de prévia decisão judicial reconhecendo o crédito, o que afastaria a possibilidade de a própria Defensoria Pública constituir titulo executivo de seus honorários (artigo 784, IV do novo CPC).

Em segundo lugar, não há norma processual que atribua força executiva a título extrajudicial que represente a obrigação de pagar honorários pela atuação da Defensoria Pública, fora a hipótese de sucumbência na lide (artigo 4º, XXI da LC 80/94), o que também tornaria inaplicável o artigo 784, XII do CPC/2015.

Nos resta concluir que a única via adequada para a cobrança de honorários devidos pela atuação da Defensoria Pública ocorre pelo cumprimento de sentença regulado pelo artigo 513 do CPC/2015.

O crédito advindo dos honorários devidos pela atuação da Defensoria Pública, quando arbitrado judicialmente, constitui título executivo judicial, por se adequar a previsão constante do artigo 515, I do CPC/2015 (as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa).

Caso a Defensoria Pública não logre a obtenção do título executivo, plenamente possível a demanda de arbitramento de honorários deduzida pela instituição em favor da parte que foi atendida pelos serviços de assistência jurídica.

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