Borracha temporal

Risco do direito ao esquecimento é afastar sociedade de seu passado, diz PGR

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12 de julho de 2016, 18h17

A tentativa de impedir a circulação de notícias sobre fatos antigos caminha lado a lado com o risco de impedir que a sociedade conheça seu passado e reflita sobre ele.  É o que afirma o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em parecer contra pedido de indenização apresentado por familiares de uma mulher retratada pela Rede Globo no programa Linha Direta.

Os irmãos de Aida Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro, querem que o Supremo Tribunal Federal reconheça o direito ao esquecimento e mande a emissora pagar indenização por explorar fato ocorrido há várias décadas, com “objetivo meramente comercial”. O pedido já foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça, mas os autores apontam que o caso envolve questões constitucionais, como o direito à inviolabilidade da honra e da intimidade.

Janot considera que esse entendimento poderia vedar informações a estudiosos como sociólogos, historiadores e cientistas políticos. Como consequência, esses atores sociais ficariam “impedidos de ter acesso a fatos que permitam à sociedade conhecer seu passado, revisitá-lo e sobre ele refletir”. Segundo ele, mesmo acontecimentos aparentemente sem interesse histórico podem adquirir importância com o passar do tempo, como registros de rotina na época da escravidão.

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Para Janot, não cabe ao Judiciário definir direito ao esquecimento na falta de lei.

O procurador-geral diz que não nega a existência desse direito nem aponta qualquer incompatibilidade com a Constituição.

Embora o STF já tenha reconhecido a repercussão geral do caso, ele entende que não cabe ao Judiciário definir o direito ao esquecimento, pois “dificilmente lograria êxito em solucionar integral e satisfatoriamente a matéria, em meio a todas as dificuldades que a envolvem”.

Para Janot, a tarefa mostra-se ainda mais complexa "na sistemática de repercussão geral, com base em apenas poucos casos concretos e sem disciplina legislativa”. Ele avalia que cabe ao Poder Legislativo regular a questão e entende que os elementos de cada caso específico exigem análise individual, “com pouco espaço para transcendência dos efeitos da coisa julgada, mesmo em processo de repercussão geral”.

Argumento dispensável
O parecer diz ainda que meios de comunicação não podem adivinhar quais pessoas gostariam de receber atenção pública por fatos pretéritos e quais discordariam da divulgação. Como essas pessoas retratadas ou seus familiares só podem cobrar indenização posteriormente, depois da veiculação da notícia, usar a tese do direito ao esquecimento é dispensável, pois a imprensa já responde por eventuais afrontas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.

Janot aponta que o próprio STF não considera possível proibir a divulgação previamente, como concluiu no julgamento em que definiu ser desnecessária a autorização para editoras publicarem biografias (ADI 4.815). Sobre o caso Aida Curi, o parecer conclui que é inviável acolher a cobrança de indenização quando o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já analisou fatos e provas e não viu  violação a direitos fundamentais.

Primeiros passos
Em 2013, o STJ reconheceu pela primeira vez a aplicação do direito, em favor de um homem que foi inocentado de participação na chacina da Candelária, ocorrida em 1993, mas acabou retratado como um dos envolvidos também no programa Linha Direta. Já o processo sobre Aida Curi foi negado. A corte entendeu que, se o tempo se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.

O direito ao esquecimento não é recente na doutrina do Direito, mas entrou na pauta jurisdicional com mais contundência desde a edição do Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF). O texto, uma orientação doutrinária baseada na interpretação do Código Civil, elenca o direito de ser esquecido entre um dos direitos da personalidade.

Clique aqui para ler o parecer.
ARE 833.248

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