Opinião

Súmula 56 não exime estado de criar vagas para cumprimento de penas

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

12 de julho de 2016, 7h14

A inexistência de vagas suficientes no sistema prisional é de conhecimento de todos e trouxe diversas questões no âmbito do Direito Penal, dentre elas a da impossibilidade de o condenado cumprir a pena em regime mais gravoso do que o determinado judicialmente.

A jurisprudência é conflituosa. Há câmaras criminais que reiteradamente decidem que na ausência de vaga no regime semiaberto o preso deve permanecer no regime mais gravoso (fechado) até que ela surja. Por outro lado, outras que entendem ser direito do preso aguardar o surgimento da vaga no regime menos gravoso (aberto domiciliar).

No primeiro caso, prepondera o interesse coletivo por não ser a sociedade obrigada a conviver com condenado que ainda não está em condições de ser progredido de regime, trazendo, com isso, perigo para todos, o que não deixa de ser verdade. Além do mais, deve ser observado o princípio da individualização da pena, que pressupõe o cumprimento da reprimenda em etapas e em regime cada vez menos rigoroso.[1]

No segundo caso, prepondera o interesse individual, uma vez que o condenado não pode ser obrigado a cumprir sua pena em regime mais gravoso do que o fixado em decisão judicial. Cabe ao Estado propiciar as condições necessárias para a correta execução da pena, não sendo lícito prejudicar o condenado pela incúria estatal, prevalecendo o direito à liberdade em detrimento do direito da sociedade à segurança pública. [2]

Por conta dessas decisões contraditórias, a questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que, no dia 11 de maio de 2016, ao julgar o Recurso Extraordinário 641.320, no qual foi reconhecida repercussão geral, tendo como relator o ministro Gilmar Mendes, por maioria de votos, ao apreciar o Tema 423, fixou tese nos seguintes termos:

“a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, alíneas “b” e “c”); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado”.

Com o propósito de colocar fim à discussão e obrigar ao cumprimento do decidido, foi publicada a Súmula Vinculante 56, que diz: “A falta de vagas em estabelecimento prisional não autoriza a manutenção do preso em regime mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese os parâmetros do Recurso Extraordinário 641.320”.

A Súmula Vinculante remete o intérprete ao Recurso Extraordinário 641.320, que fixou tese e traçou diretrizes para o juiz das execuções criminais. Como dito, cuida-se de parâmetros para o magistrado seguir de modo que o condenado não cumpra a pena em regime mais rigoroso do que o determinado em sentença condenatória ou decisão que deferiu a progressão de regime prisional.

Em resumo, de acordo com a Súmula Vinculante, não é possível manter o preso em regime prisional mais gravoso por falta de vaga no regime adequado. A situação mais corriqueira é a carência de vagas para o regime semiaberto. Nesse caso, poderá o magistrado ordenar o cumprimento da pena em regime aberto. Não havendo na comarca casa de albergado ou estabelecimento similar (art. 36, “caput”, do CP), que é a regra no país, poderá o sentenciado cumprir a pena em regime aberto domiciliar (PAD), devendo ser monitorado por meio de tornozeleira ou pulseira eletrônica (art. 146-B, da LEP).

No entanto, algumas observações merecerem ser feitas. Quando da ausência de vaga, o preso não será progredido de regime. Ele aguardará o surgimento de vaga em regime menos gravoso. Assim, por exemplo, progredido para o regime semiaberto e inexistindo naquele momento vaga em estabelecimento prisional adequado, deverá o magistrado impor que cumpra sua pena em regime menos gravoso, que pode ser o aberto domiciliar. Surgindo a vaga, o condenado será inserido no regime semiaberto. Não pode o magistrado, na ausência de vaga no regime intermediário (semiaberto), progredir o preso para o regime aberto (progressão por salto), que implica flagrante violação ao disposto no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal.[3] O princípio da individualização da pena pressupõe a progressão gradativa de regime até chegar à liberdade.

Pode ocorrer que o condenado cumpra toda sua pena no regime menos gravoso — por exemplo, no aberto. Nesse caso, caberá ao magistrado julgá-la extinta. Não ocorrendo todo o cumprimento da pena, mas preenchidos os requisitos legais para a progressão de regime (tempo e mérito), caberá ao magistrado deferir o benefício.

Com efeito, mesmo que o condenado se encontre em regime menos gravoso em razão da inexistência de vaga, advindo o termo final da pena ou preenchidos os requisitos para a concessão de benefício legalmente previsto, cabe ao magistrado observar a legislação e julgar extinta a pena ou deferir o benefício.

Esperamos que os estados cumpram seu papel e criem as vagas e mecanismos necessários para que haja o correto cumprimento das penas. É inaceitável que a sociedade seja obrigada a arcar com as consequências do descaso estatal e conviver com condenados que ainda não se encontram em condições de estar em meio aberto.


[1] Sobre o tema, transcrevemos trechos do voto proferido no HC nº 2128385-73.2016.8.26.0000, em 30.06.2016, da 14ª Câmara de Direito Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo como Relator, o DD. Desembargador Marco de Lorenzi: “Inicialmente, tenho que a questão da ausência de vagas não pode ser atribuída ao Poder Judiciário, devendo o paciente, destarte, permanecer no local em que se encontra, obedecendo a uma ordem cronológica, até que a vaga em local apropriado seja disponibilizada pela Secretaria da Administração Penitenciária, órgão do Poder Executivo. (…) Se o regime fechado para o condenado que obteve a progressão ao regime semiaberto é ilegal, não menos ilegal é a sua remoção ao regime aberto sem que tenha cumprido os requisitos para tanto”.
[2] Nesse sentido, trecho do voto proferido no HC nº 0019896-73.2016.8.26.0000, em 05.07.2016, da 16ª Câmara de Direito Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo como Relator, o DD. Desembargador Borges Pereira: “Em que pese tenha o diligente Magistrado adotado providências para remoção do paciente ao regime pertinente, como a execução da pena já foi iniciada, não deve ser mais tolerado seu recolhimento em regime diverso do qual faz jus, por conta das notórias e insuperáveis dificuldades do Estado em administrar seus presídios, até porque não contribuiu para situação de falência do sistema prisional”.
[3] A Súmula 491 do Superior Tribunal de Justiça proíbe a progressão de regime prisional por salto. Diz ela: “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”.

 

Autores

  • é promotor de Justiça em São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais e professor da PUC-SP, Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e da Academia da Polícia Militar do Barro Branco.

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