Diário de Classe

Taxistas vão a Moro contra a Uber
(e o Direito fica cada vez menor)

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9 de julho de 2016, 8h01

Spacca
Na última quinta-feira (7/7), em Brasília, acompanhado do professor Victor Drummond, saí da Faculdade de Direito da UnB, onde ocorria o XXV Encontro Nacional do Conpedi, e peguei um táxi rumo ao hotel. Ao ouvir no rádio o final de uma notícia sobre a Uber, cujo teor não ficou muito claro, indagamos o motorista sobre o andamento do projeto de lei local que pretende regulamentar o aplicativo. Ele respondeu: “hoje mesmo, nós fomos até o juiz Sergio Moro, lá em Curitiba, pedir para ele resolver nosso problema”.

Fui checar a informação. De fato, os representantes da categoria de diversos estados da federação reuniram-se para protestar em Curitiba. Eles foram recebidos por Sérgio Moro, na sede da Justiça Federal, ocasião em que lhe entregaram um dossiê contra o aplicativo.

Imaginei a cena: centenas de taxistas chegando à frente do prédio, com carro de som e a faixa “República de Curitiba: aqui se cumpre a lei”, contendo a foto do juiz. Faz todo sentido. Os taxistas querem justiça. Como não pensaram nisso antes? O raciocínio é bastante singelo e certeiro: se o Sérgio Moro aderir de algum modo à nossa reivindicação, a coisa vai ficar feia para o lado da Uber.

Mesmo advertindo que qualquer interferência sua seria “inadequada” — como se isso tivesse sido um problema até agora —, os taxistas saíram emocionados e satisfeitos com o encontro. O vereador Adilson Amadeu (PTB), por exemplo, anunciou que agora as investigações irão começar: “Vamos ver a diretoria do Uber presa lá na PF de Curitiba junto com o pessoal da ‘lava jato’”.

Isso tudo revela o imaginário que construímos no país. Quem pariu Mateus, que o embale. O Brasil foi ao moinho e corre o risco de perder o focinho. Adágios populares que podem ser aplicados ao que hoje vivemos no país.  Não é por nada que um dos procuradores da “lava jato” publicou uma foto no Facebook de uma camiseta com os dizeres Liga da Justiça (e a foto de dois procuradores junto ao juiz Sergio Moro). Superman não tem fronteiras. As historinhas em quadrinhos têm detalhes que poucos se dão conta. Os super-heróis não passam pela alfândega. Eles voam. Por isso são super-heróis.

Hoje em dia, se você abastecer em um posto Petrobras e lá ocorrer algo, corre o risco de o processo ser avocado pela República de Curitiba. Tudo é competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. O Brasil inventou uma coisa nova chamada pancompetência. Tudo sempre está interligado com Curitiba.

Melhor (ou pior): ninguém desencoraja isso. Os taxistas acreditam que Moro pode resolver o problema da Uber. Provavelmente o advogado do sindicato/associação tenha lhes dito: mas ele não tem competência para isso. E o líder dos taxistas tenha respondido: Está chamando o doutor 'Sergio Moura' de incompetente? E o advogado não deve ter tido tempo para explicar aos taxistas que competência, no caso, é uma coisa “tipo técnica”, algo como o médico que diz “fulano fez uma fratura”.

Penso que devemos refletir sobre tudo isso. Essa ida dos taxistas até Moro quer dizer muito mais do que aparenta. Representa o fracasso do Direito. É o triunfo da moral, como denuncia a todo tempo o professor Lenio Streck em seus textos e colunas. Moral, no caso, pode ser qualquer coisa que não seja exatamente o que diz o direito. Quando o Direito fracassa, qualquer coisa é posta no seu lugar.

Não demora muito e os índios irão até Curitiba para reivindicar a demarcação de suas terras. E assim por diante. O que quero dizer é que a comunidade jurídica não se deu conta de que, a cada dia que cresce a República de Curitiba, descresse o Direito. Parece paradoxal dizer que o sucesso de Curitiba representa ou pode representar o seu contrário. As teorias sistêmicas podem ajudar a explicar isso. Quando o bom é mau e quando o mau é bom. Ou, se eu ganho, eu perco; e, se eu perco, posso ganhar. Ou algo do gênero.

E assim terminou a corrida do taxista em Brasília. Ele, o motorista, cheio de esperança; Victor e eu, extremamente preocupados com aquilo que ainda podemos chamar de “Direito” ou o que restou dele. Mais grave: estávamos justamente participando de um evento do Conpedi (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito), onde muitos trabalhos discutiam precisamente o que restou de Direito no meio da “lava jato”. 

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