Segunda Leitura

Formação do profissional do Direito deve ir além do jurídico

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de julho de 2016, 8h01

Spacca
Profissionais de todas as áreas desejam o sucesso, este entendido como plena realização pessoal e não apenas acúmulo de dinheiro. Isto faz parte da condição humana. É possível que encontremos alguém que procure o fracasso, que goste de ser um coitado, porém aí estaremos dentro de um caso patológico a merecer estudo na psiquiatria ou na psicologia.

A busca do sucesso pode ser exercida de diferentes maneiras. O agente que pertence a uma organização criminosa pode desejar ardentemente ser o chefe, o que representa sucesso no seu universo. Mas este tipo de disputa não faz parte desta análise. Aqui só valem iniciativas feitas dentro da legalidade e da ética.

No mundo dos profissionais do Direito existem diversidades profundas. Porém, dentro das peculiaridades de cada profissão, é possível afirmar que uma boa formação cultural é a base, a estrutura, de uma carreira de sucesso e de plena realização pessoal.

Quando se fala de formação, alguns enxergam por uma ótica ultrapassada, como se estivessem com lentes desfocadas, pretendendo que o lastro cultural dos jovens profissionais em 2016 seja o mesmo dos formados nos anos 1950. Não dá.

Os bacharéis de outrora conheciam os filósofos gregos, o Direito Romano, os grandes da literatura internacional e brasileira. Muitos deles falavam francês e gostavam de exibir nas suas bibliotecas clássicos como os do jurista Leon Duguit. Ora, não é possível imaginar que um estudante de Direito atual, com dezenas de ofertas de entretenimento, vá permanecer em casa a ler livros.

Se assim é, isto não significa que os profissionais mais novos não precisem de cultura ou que devam dispensar as leituras de textos. Mas não dá para imaginar que um, apenas um deles, vá sentar-se por semanas a ler os cinco volumes de Nova Floresta, do Padre Manuel Bernardes.

Na verdade, a cultura é uma necessidade, só que  deve ser obtida de forma diferente. E sempre tendo em mente que as novas gerações estão habituadas à leitura através de aparelhos eletrônicos e não têm, pelas folhas, o amor que os antigos lhes dedicavam.

Pois bem, partindo da premissa de que a leitura é essencial, porque sem ela o jovem não conseguirá transmitir o que pensa nos seus trabalhos acadêmicos ou nas manifestações em juízo, há que se direcionar tempo para os estudos jurídicos e para a boa literatura, mesmo que ela seja feita no iPad, no Kindle ou em outro aparelho.

Porém, para que a evolução seja completa, é preciso ir além. É preciso saber mais de tudo, ainda que o mais seja pequeno. Refiro-me às múltiplas atividades que andam em paralelo com o Direito e que o complementam, que permitem entendê-lo e aplicá-lo melhor. Em outras palavras, utilizar melhor  o tempo gasto em baladas que vão de segunda a domingo ou vendo programas de TV que não acrescentam nada e que, às vezes, até colaboram para uma formação distorcida. O que se tem a fazer é usar este tempo para algo útil.

E aqui vou me permitir citar alguns exemplos pessoais e mostrar como me auxiliaram. No primeiro semestre de 1970 fui reprovado na prova oral de um concurso para o Ministério Público de São Paulo. Imediatamente fiz um curso de oratória concluído em 11 de junho daquele ano, que me ajudou não apenas no concurso seguinte, como em palestras, aulas e reuniões. Em novembro de 1983 recebi o diploma de um curso de Introdução à Informática, promovido pela Celepar, em Curitiba.

Não entendi quase nada, mas comprei um computador tela preta, letras verdes, sistema DOS e me adaptei ao novo. Em 10 de novembro de 1988 foi a vez de um curso de Administração de tempo. Foi utilíssimo não apenas na vara, mas nas muitas atividades que eu tinha e tenho.

Em julho de 1997, já desembargador no TRF-4,  foi a vez de um curso em Santos, sobre Biologia de Baleias e Golfinhos, em plenas férias. Se eu queria entender Direito Ambiental, tinha que ter noções do que vem antes dele. Em julho de 2002, de férias em São Paulo, fiz um curso de 10 dias na ESPM, chamado “Marketing para não marqueteiros”. Aprendi muito sobre psicologia social e como divulgar boas iniciativas.

Estes exemplos servem para deixar evidente como outros conhecimentos podem ser-nos úteis em determinados momentos. Quando vejo alguém fazendo uma palestra em voz baixa, curvado na mesa a transmitir sensação de vencido pela vida, e a transmitir pessimismo à plateia, penso pela milésima vez como foi bom ter feito um curso de oratória nos meus distantes 25 anos.

Mas estes são, evidentemente, apenas alguns exemplos. Outros tantos podem ser lembrados e feitos por aqueles que desejam sair do sofá e tirar os olhos da novela das 18, 19, 20 ou outra hora qualquer. Vejamos alguns exemplos.

Redação é o primeiro deles. São muitos os cursos e, parte deles, excelentes. Pessoais ou à distância, ensinam como transmitir ideias de forma clara, como escrever de forma direta, apagando todas as palavras inúteis. Por exemplo, na frase “o notável professor das Arcadas Fulano de tal ensina que…”, basta dizer que “Fulano de Tal ensina que…” Não se trata de bom português, mas de escrever de forma que se entenda e capturar a atenção do leitor.

Leitura dinâmica. O tempo cada vez mais curto exige que nossas leituras percorram as folhas rapidamente, que vençamos em tempo útil notícias em sites, artigos, jornais, revistas e livros. Profissionais capacitados ensinam-nos como mirar o que se tem dentro do texto percorrendo-o com rapidez.

Aulas. Por incrível que pareça, ainda existem professores de Direito que deitam falação (esta é dos tempos em que Rui Barbosa era calouro na Faculdade de Direito) sem a menor interação com os estudantes. Monólogo puro, às vezes com autoelogios inapropriados. As novas gerações têm prazo máximo de atenção fixado em 20 minutos. Sem o uso de tecnologia (como vídeos, por exemplo) e troca de opiniões com os alunos, certamente os ensinamentos não serão transmitidos.

Palestras. Nem todos têm o domínio natural da plateia, o carisma que mantém a assistência conectada até o fim. Mas todos, sem exceção podem melhorar sua exposição. E neste particular, além dos métodos tradicionais (cursos, etc.), muito poderá ser aprendido com a leitura do livro TED Talks (editora Intrínseca), de Chris Anderson. Nele estão todas as lições sobre como usar os slides, as piadas, roupas e até como concluir uma exposição. Perfeito.

Bem clara a relevância dos meios laterais que auxiliam no sucesso, cumpre deixar registrado que ele não depende apenas destas medidas. Óbvio que há muito além do que aqui foi dito. Por exemplo, como conseguir clientes. O reconhecimento deve vir do trabalho bem feito ao longo dos anos? Ou são válidos métodos menos ortodoxos, como simular riqueza, mostrar-se um vencedor, para inspirar confiança.

Não há resposta única para estas perguntas. Normalmente, o sucesso vem de um bom trabalho exercido por, pelo menos, cinco anos. Mas nada há de errado em mostrar-se como alguém vitorioso, exteriorizando isto através de bens materiais, desde que se saiba bem os limites. Se o mostrar-se for além do real, for falso, a atitude descamba para a fraude. Mais dia ou menos dia, será descoberta e o simulador exposto à execração pública.

Como se vê, o assunto é inesgotável e pouco conhecido, até desprezado pelos profissionais do Direito. Mas,  inegavelmente, ele acaba sendo decisivo para os que se lançam na área e por isso está na hora de ser mais discutido.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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