Opinião

Contratos têm apresentado formas inovadoras de elaboração

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3 de julho de 2016, 10h10

Contratos extensos, com dezenas de páginas, fazem parte da realidade de todas as grandes empresas, provavelmente das médias, e eventualmente das pequenas também. Longas considerações sobre responsabilidades e obrigações das partes, assim como multas e procedimentos em eventos específicos fazem parte desses caudalosos instrumentos.

Quanto maior a empresa, maiores os contratos. Empresas com origem no exterior costumam ter contratos ainda maiores, especialmente as norte-americanas, o que, ao que tudo indica, é influência da commom law, onde os precedentes judiciais sobre determinado tema passam a regulá-lo, passando tal contexto a ser incorporado nos contratos. Além disso, naturalmente, questões oriundas das contratações anteriores passam a ser integradas às novas versões dos contratos o que, por si só, faz com que aumentem a cada dia mais as numerosas folhas já existentes.

Um contrato longo e detalhado costuma ser motivo de orgulho para as empresas e seus advogados, pois há a concepção de que a maior parte dos problemas passíveis de ocorrer estarão ali contemplados, e nem sempre isso se mostra realidade, e o contrato, mesmo bem detalhado, não tem o poder de obrigar a outra parte ao seu cumprimento e, muitas vezes, nem por via judicial.

Exemplo claro disso é quando o fornecedor deliberadamente decide não cumprir o documento, mesmo ciente e consciente de pesadas multas, por não ser vantajoso comercialmente ou outra justificativa a seu critério relevante. Esse descumprimento pode se dar pela falta de condições de arcar com as penalidades, que podem superar, em muito, sua capacidade financeira. Sendo uma empresa somente de serviços então, onde há pouco ou nenhum ativo, a situação é ainda mais grave, pois não haverá o que receber desse fornecedor. Muitas não têm nem mesmo preocupação com um possível pedido de falência, pois, não tendo patrimônio, podem abrir uma nova empresa rapidamente em nome de outrem e voltar a prestar exatamente os mesmos serviços. Obviamente, há a possibilidade de se identificar tais artimanhas, mas a que custo e em troca do que se o fornecedor não tem estofo financeiro?

Para a empresa contratante, que normalmente impõe a utilização desses contratos, pouco terá adiantado gastar recursos com escritórios de advocacia para a elaboração e discussão desses contratos (muitos podem levar meses sendo debatidos pelas partes) e ainda para a propositura de ação judicial. Tão ruim quanto isso é não ter determinado bem ou serviço prestado, o que, a depender da situação, é crucial do ponto de vista da credibilidade e até mesmo financeiro, se tal empresa fizer parte de uma cadeia de fornecimento, por exemplo.

Na contramão dessa visão, os advogados internos de uma empresa escocesa chamada Scottish & Newcastle, após análises e entendimentos na empresa, orientaram a companhia para um rumo diferente, qual seja, resumir os contratos ao mínimo possível, como preço, especificações do produto ou serviço e outros itens essenciais, e deixar as demais questões para serem resolvidas comercialmente pelas partes, sem a necessidade de detalhar procedimentos. Tal sistemática, chamada de pathclearer approach, na visão de seus criadores, aceleraria a resolução de problemas que naturalmente ocorrem e evitaria o desgaste comercial entre as partes. A ideia é que, se uma parte não deseja continuar no contrato com a outra, ela não deve permanecer nesse contrato apenas por obrigação, o que certamente piorará a qualidade da entrega a que está vinculada, assim como há sempre a possibilidade de se encontrarem caminhos ou subterfúgios que justifiquem sua saída e então o conflito poderá ir ao Judiciário para que se decida quem está correto e quanto irá receber por isso. Ou seja, mais alguns anos de disputa e despesas legais (advogados, custas, perícias etc.). Pelo menos no Brasil.

Vale esclarecer que essa sistemática não é adequada a todos os tipos de contratação. Ela tem mais sentido no fornecimento de produtos e serviços constantes ou de longo prazo, onde há um relacionamento mais profundo entre as partes. Mesmo nesses casos, a rescisão normalmente é precedida de um período de aviso prévio razoável, para que a outra parte possa tomar as providências necessárias. Exceção ainda para os casos onde haja investimento relevante de uma das partes para performar o contrato, pois nesse caso há que se estabelecer um período mínimo para justificar tal investimento. Contratos pontuais também precisariam de mais especificações, tendo em vista que as partes podem não voltar a fazer negócios juntas.

Creio que, para a implementação de uma estratégia desse tipo, há que se levar em consideração alguns fatores. O primeiro é a confiança. O expert em negociação William Ury, da Universidade Harvard, tem o lema “vá devagar para conseguir andar rápido”, ou seja, após ter construído relacionamentos de confiança e fortes, o que costuma levar tempo, é possível fazer negócios de forma mais rápida, uma vez que as partes estão costumam agir de forma ética e correta uma com a outra, respeitando o relacionamento comercial existente. O professor George J. Seidel, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, também ele autor de diversas obras sobre negociação, relata que o megainvestidor Warren Buffet, ao negociar a compra de uma empresa com o fundador do Grupo Walmart, algo em torno de US$ 20 milhões, decidiu por não fazer due-dilligence (processo de auditoria contábil e legal que precede a aquisição de uma empresa) na empresa, o que certamente o faria gastar milhares de dólares e tomar como corretas as informações que lhe haviam sido fornecidas, tendo em vista que são parceiros de negócios de longo prazo, não havendo motivos para duvidar dos dados recebidos. Ou seja, a confiança reduz o custo de transação e torna mais rápida a negociação.

Outro fator importante a ser considerado é a capacidade das partes para resolver as questões decorrentes dos contratos. A pessoa responsável pelo contrato deve ser capaz de conduzir a negociação de forma produtiva, a fim de resolver rapidamente os problemas, evitando o desgaste comercial, e não agir de forma intolerante, analisando apenas seu próprio ponto de vista, pois, senão, de nada adiantará simplificar a contratação, já que, no final, em razão do conflito criado, o assunto pode parar no Judiciário.

Além dessa simplificação dos contratos, está em desenvolvimento um movimento chamado visualization, que pretende introduzir nos contratos ferramentas visuais para melhor entendimento. É uma outra forma de facilitar as contratações. Um exemplo é em relação a prazos, onde é possível fazer uma linha do tempo, que pode ser escrita, mas também demonstrada de forma gráfica, facilitando assim o entendimento que quem lê o contrato. Certamente esse tipo de estratégia facilitaria em muito o entendimento das cláusulas e condições dos contratos de forma rápida e objetiva, agilizando assim a tomada de decisões. O artigo Seeing Contracts for What They Are, and What They Could Become, em tradução livre Vendo contratos pelo que eles são e pelo que eles poderiam se tornar, aborda essa técnica que pode vir a se tornar importante na elaboração de contratos no futuro (http://scholarlycommons.law.cwsl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1008&context=fs).

Essas inovadoras formas de elaboração de contratos apresentadas acima são apenas algumas que vem sendo estudadas por advogados de outras partes do mundo visando tornar mais úteis os contratos por eles realizados, assim como também de melhorar o relacionamento das partes, evitando o desgaste comercial tanto na discussão do contrato, quanto na sua execução. Não as encontramos em aplicação no Brasil ainda, mas talvez já sejam utilizadas, contudo, acreditamos que são exemplos positivos a serem seguidos e adaptados à realidade local.

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