Consultor Jurídico

Carvalho Filho: Erros judiciais devem ser tratados com tolerância zero

30 de janeiro de 2016, 11h46

Por Luís Francisco Carvalho Filho

imprimir

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste sábado (30/1)

A Constituição diz que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário". É como se a falibilidade do sistema fizesse parte das regras do jogo.

O erro clássico, conforme o Código de Processo Penal, é o constatado a partir da revisão criminal — recurso previsto para reverter a condenação definitiva contrária à prova dos autos, baseada na falsidade documental ou de testemunhos e pelo aparecimento de prova nova.

As controvérsias em torno da série documental Making a Murderer ("Fabricando um Assassino"), lançada em dezembro pela Netflix (as diretoras Laura Ricciardi e Moira Demos são criticadas pela parcialidade, como mostram a resenha de Luciana Coelho, Ilustrada, 24/1, e a edição da revista The New Yorker, de 25/1), não impedem a verificação de que a primeira condenação do estranho Steven Avery, em Wisconsin, foi anulada depois de grotesca manipulação processual e de anos de encarceramento, quando o exame de DNA se instalou no ambiente forense norte-americano.

No Brasil, prisões indevidas pipocam no noticiário. É o caso de cidadão de Santa Catarina, solto depois de cumprir cinco anos por latrocínio e indenizado com mais de R$ 1 milhão por danos morais e materiais.

Mas quantos erros judiciários permanecem ocultos porque o direito de defesa, sobretudo em favor de pobres, é mera formalidade? E quantas vítimas ficam sem reparação por falta de meios ou de coragem de pedir, ou porque o erro, conforme o entendimento dos tribunais, só é indenizável quando decorre de dolo, fraude ou negligência de agentes do poder público?

Prisões por engano fazem parte do cotidiano, às vezes revertidas no curso do processo. Por vários motivos. O ator Vinícius Romano permaneceu 16 dias em presídio do Rio porque a vítima se equivocou na hora do reconhecimento. O servente Reginaldo da Silva foi para a Penitenciária de Araraquara porque tem o mesmo nome do verdadeiro assassino, apesar de ser negro e o criminoso, branco. José Delcídio dos Santos foi ao Poupatempo de Osasco e saiu preso porque o verdadeiro culpado de crime praticado no Acre teria usado sua identidade para produzir um RG falso.

A Justiça falha porque a polícia é incompetente, tecnologicamente defasada e corrupta. Falha porque policiais não fazem o reconhecimento de pessoas com as cautelas da lei. Falha porque despreza linhas de investigação e, assim, as pistas desaparecem. Falha porque juízes são compreensivos com abusos e com a ineficiência oficial.

Falha porque prende sem necessidade ou exagera no tamanho da pena. Falha por se considerar infalível, por não se manter equidistante e por se deixar levar pelo embalo simpático da opinião pública. Falha porque é preconceituosa, insensível, às vezes tosca, e não escuta o que o suspeito tem a dizer.

Por outro lado, falha também quando não pune quem merece ser punido. Falha quando os processos se arrastam até a prescrição, o que encerra o caso sem veredito.

Se a perspectiva do erro judiciário é de fato inevitável — quanto mais sofisticados os instrumentos de investigação, mais surpreendente será o risco de julgamentos equivocados —, a tolerância zero com os desvios e omissões de autoridades é caminho eficaz para a Justiça melhorar.