Primeiras impressões

Juízes do Rio de Janeiro questionam celeridade prometida no novo CPC

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28 de janeiro de 2016, 16h12

O Código de Processo Civil que passa a vigorar a partir de março vai exigir da magistratura um esforço ainda maior no combate à morosidade. Foi o que concluiu um grupo formado por 28 juízes cíveis do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que expôs essas impressões em documento aprovado no final do ano passado.

Intitulado Primeiras Impressões dos Juízes Cíveis Acerca do Novo CPC, o documento traz 108 enunciados com a interpretação dos juízes sobre os dispositivos considerados polêmicos. À Conjur o juiz Mauro Nicolau, titular da 48ª Vara Cível da Capital e um dos coordenadores do grupo, relatou a preocupação dos magistrados com a expectativa de celeridade criada em torno do novo código, assim como a importância das orientações.

“Diante do consenso do grupo de que o novo código dificultará em demasia a jurisdição, exigindo da magistratura um esforço ainda maior para combater a morosidade que nos imputam, boa parte dos enunciados buscou interpretações favoráveis à duração razoável do processo, que, embora tenha motivado a nova lei, foi deixada de lado na estrutura de seus dispositivos”, afirmou.

A descrença dos juízes na celeridade do novo CPC tem explicação. Segundo Nicolau, nem todas as alterações do novo código são positivas e, nesse sentido, citou como exemplo a “sensível mitigação” do sistema de preclusão (perda da possibilidade de se praticar um ato processual), atualmente marcado pela recorribilidade das decisões interlocutórias.

“Ao acabar com o agravo retido e restringir as hipóteses do agravo de instrumento, a nova lei permite que todos os despachos sejam impugnados por ocasião da apelação, desde o ‘cite-se’ até o ‘venham conclusos para sentença’, propiciando o retorno a estágios processuais já ultrapassados”, criticou.

Nicolau ressaltou também a preocupação do grupo de trabalho com o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, pelo qual o juiz ou as partes poderão pedir ao tribunal que uniformize um tema recorrente e que conte com decisões controvertidas. Com a instauração do IRDR, os processos idênticos são suspensos até o julgamento, que tem que ocorrer no prazo de um ano. A determinação proferida deve ser seguida por todos os órgãos julgadores daquela corte.

“São preocupantes os possíveis desdobramentos do IRDR. Dado o efeito suspensivo que propicia, é fácil vislumbrar que servirá de subterfúgio para a paralisação dos processos contrários aos interesses do requerente. Pior, a abrangência de seus efeitos possibilita a legitimidade de cada parte afetada. A depender do alcance da questão envolvida, poderemos ter milhares de interessados peticionando e milhares de legitimados interpondo recurso especial que, nesta hipótese, também terá efeito suspensivo. Ou seja, uma demanda que, pelo moribundo rito sumário, atualmente pode ser julgada tranquilamente em 40 dias, poderá levar uns cinco anos para ser solucionada, ou mais”, destacou.

Enunciados
Com relação aos enunciados, Nicolau explicou que o objetivo do grupo de estudo não foi “ditar qualquer verdade ou interpretação definitiva”, mas apenas “buscar um mínimo de homogeneidade nas decisões que serão proferidas a partir de março”, de forma “a gerar previsibilidade que deságua na tão necessária segurança jurídica”.

Dos 108 enunciados editados, o juiz titular da 17ª Vara Cível da Capital, Leonardo de Castro Gomes, que também coordenou o trabalho, chama a atenção para dois deles: os de número 1 e 94.

O Enunciado 1 estabelece como “desnecessária a intimação prévia para que as partes se manifestem sobre os fundamentos jurídicos a serem adotados na decisão”. Trata-se de uma interpretação acerca do artigo 10 do novo CPC, que proíbe o juiz de decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que seja sobre uma matéria na qual ele poderia decidir de ofício.

“Havia um certo desconforto com a possibilidade de haver interpretação no sentido de que o conteúdo das decisões deveria ser previamente debatido com as partes, com influência negativa na própria isenção do magistrado. Concluiu-se que o artigo está voltado exclusivamente para a matéria fática envolvida na decisão a ser tomada, na medida em que a ninguém cabe alegar o desconhecimento da lei, mormente quando representado por profissional de direito”, explicou Gomes.

Já o Enunciado 94 reconhece a possibilidade de transferência imediata de valores bancários bloqueados para conta judicial, em razão da incompatibilidade do artigo 854 do novo CPC com o sistema Bacenjud.

“Caso prevalecesse a interpretação literal da lei, os valores bloqueados não poderiam ser transferidos sem contraditório prévio. Ocorre que, enquanto não são transferidos para conta judicial, os valores permanecem congelados, sem nenhuma remuneração, diversamente do que ocorre quando em depósito judicial. Somados os cinco dias úteis de prazo do executado para se manifestar aos cinco dias úteis da parte contrária para resposta, além do trâmite natural do processamento cartorário, a transferência, que hoje leva no máximo 72 horas, levaria um mês ou mais para ser feita”, esclareceu o juiz.

Um enunciado aprovado pelo grupo diz respeito aos honorários advocatícios, que deixam de ter caráter alimentar se o advogado solicitar o depósito em favor do escritório para o qual trabalha.

“Estranhou-se que o parágrafo 15 do artigo 85 pudesse estar conferindo a uma pessoa jurídica a titularidade de verba de caráter alimentar. Isso contraria preceitos básicos atinentes ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ontologicamente, nada diferencia o escritório de advocacia das demais pessoas jurídicas uniprofissionais prestadoras de serviço, a cujos créditos a lei não confere qualquer privilégio. O enunciado buscou dirimir questão em potencial, que poderia causar prejuízo à própria Fazenda Pública, à luz da isonomia”, ressaltou.

O grupo de juízes foi organizado pelo Centro de Estudos e Debates, órgão vinculado à Presidência do TJ-RJ.

Clique aqui para ver os enunciados. 

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