Opinião

Crise é oportunidade para regulamentação do jogo no Brasil

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22 de janeiro de 2016, 6h26

Toda crise impõe reflexão. Nossa (tão) presente crise econômica não é diferente. Diante deste cenário, o governo parece finalmente ter se atentado para uma oportunidade que tem sido desprezada no país nas últimas décadas: o desenvolvimento da indústria do jogo.

Enquanto alguns torcem o nariz quando se fala no assunto, por relacionar o jogo com a ilegalidade e com os filmes de mafiosos, o resto do mundo já entendeu que o jogo é uma parte importante da indústria de entretenimento. E com a internet, o que já era muito difícil ficou impossível: não há como proibir o jogo.

Há quem compare essa proibição com a “lei seca” norte-americana, que nunca foi eficaz e causou mais dor de cabeça do que benefícios. Com a diferença que hoje o consumidor não precisa nem sair de casa para jogar, basta ligar seu computador, tablet ou celular.

Fato é que após ter vetado as apostas esportivas que constavam no texto da Lei 13.155/2015, em 14 de setembro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff realizou uma reunião com líderes do Congresso, na qual confirmou que, do ponto de vista político, a regulamentação do jogo seria viável. Essa sinalização positiva desencadeou um rápido movimento legislativo, e em 30 de setembro, o presidente do Senado incluiu o Projeto de Lei 186/2014 na Comissão Especial para o Desenvolvimento Nacional – CEDN (a chamada "Agenda Brasil"). Em paralelo, no mês seguinte, foi constituída na Câmara dos Deputados uma Comissão Especial para tratar da regulamentação do jogo.

O Senado aprovou em 9 de dezembro o substitutivo do Projeto de Lei 186/2014, que agora segue para a Câmara dos Deputados para aprovação. O texto aprovado é um enorme passo em direção à regulamentação da atividade e possui muitas qualidades. Há ainda, contudo, alguns pontos críticos que precisarão ser superados e corrigidos na Câmara, onde haverá maior oportunidade para debates: (a) A definição de "jogo" ainda é antiga e desatualizada, o que cria insegurança jurídica em alguns casos. Deveria permitir a regulamentação de jogos de habilidade como o pôquer, e-sports e fantasy sports, que envolvem valores e riscos semelhantes aos demais jogos; (b) As apostas esportivas, que representam um mercado relevante, não estão sendo reguladas. O foco está no regulamento do bingo, jogo do bicho e cassinos-resort — o que representa uma abordagem, no mínimo, antiquada do tema; (c) Premiações mínimas são arbitrariamente definidas entre 50% e 70%, o que não faz sentido em uma indústria que chega a praticar prêmios de 95%; (d) O projeto de lei cria uma nova contribuição sobre o jogo de 10% sobre o montante total apostado (volume de negócios) em jogos offline e de 20% para operadores on-line — isso inviabiliza a operação, uma vez que os prêmios chegam, como dito, a mais de 90%; (e) Além disso, a lei não corrige distorções de outros tributos, como PIS, Cofins e ISS, que também incidem sobre o volume de apostas, e do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre prêmios, hoje de 30% de cada prêmio, mesmo que ao final do período o apostador tenha prejuízo.

O governo, até o momento, tem apenas estudado o tema e acompanhado as discussões. É possível que, como ocorreu no caso do Proforte, em algum momento o executivo tome as rédeas do processo por meio de uma Medida Provisória, o que pode ser, no final das contas, uma decisão acertada se os temas críticos forem corretamente tratados, com a criação de uma agência reguladora. Não faz sentido a lei tratar de detalhes operacionais, tal como previsto hoje. A tecnologia e a oferta de jogos mudam com muita velocidade, e o Brasil não pode querer adotar soluções do século XX para uma questão atual.

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