Passado a Limpo

Parecer de 1931 discutia a reorganização do Supremo Tribunal Federal

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

21 de janeiro de 2016, 8h07

Spacca
Arnaldo Godoy [Spacca]Em 1931, no Governo Provisório de Getúlio Vargas, o então consultor-geral da República, Levi Carneiro, atendeu solicitação do procurador-geral da República (então com posição de ministro no Supremo Tribunal Federal) e do ministro da Justiça, a propósito de reorganização e mudanças que se faria em nossa Corte Maior. As medidas atingiam penalidades para advogados que manejavam recursos protelatórios, serviços de taquigrafia, divisões em turmas, entre tantos outros vários temas.

O parecer, extenso para os padrões da época, é importante documento que historia o funcionamento, os problemas e as soluções que interessavam a este tribunal. Os dados estatísticos que traz e os problemas cotidianos que revela são de uma singularidade histórica preocupante. Segue o parecer, com exclusão de alguns excertos, desnecessários, a meu ver, para que se tenha um panorama desse impressionante momento da história de nossos arranjos institucionais:

“Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

Atendendo à solicitação de V. Excia. transmitida pelo Exmo. Sr. Ministro Procurador- Geral da República, adotou o Supremo Tribunal Federal várias indicações modificativas do decreto n. 19.656, de 3 de fevereiro do corrente ano. Constam essas sugestões do ofício do Exmo. Sr. Ministro Presidente do mesmo Egrégio Tribunal, n.º 12.242, de 16 de abril último, que V. Excia. submeteu à minha apreciação. São as seguintes as sugestões oferecidas:

"1 — As turmas julgadoras, até a reorganização definitiva do Tribunal, serão de três ministros, compreendendo sempre o Relator e os Revisores, quando tenha havido revisão. Para julgamento de feitos que envolvam questão constitucional, será precisa a presença de 6 ministros, pelo menos. 2 — Quando as turmas funcionarem separadamente, serão presididas pelo ministro mais antigo. Quando funcionarem em sessão plena, presidirá o Presidente do Tribunal. 3 — A antiguidade das causas, para julgamento, será regulada pelo número respectivo; em relação a feitos de classe diversa, pela entrada no Tribunal. Ao relator cabe, todavia, pedir preferência para julgamento de causas criminais cuja procedência lhe pareça-manifesta. 4 — Compete ao Relator o julgamento de todos os incidentes do processo e o das deserções, se, porventura, do respectivo estudo, verificar que o recurso está deserto. 5 — Nos recursos extraordinários e revisões criminais, verificando que o pedido é inadmissível, ou quando se tratar das mesmas revisões ou habeas-corpus originários, sem a devida instrução, ou que repitam pedidos já denegados pelo Tribunal, deverá o Relator, desde logo indeferi-los por despacho exarado nos autos. Parágrafo único — Quando o Relator verificar que a revisão ou o habeas-corpus deixou de ser instruído por motivos relevantes, alheio ao requerente, poderá ordenar as diligências que julgar necessárias ao conhecimento do pedido e seu julgamento. 6 — Nos conflitos de jurisdição, quando se verifique que haja sido levantado com manifesta improcedência ou por mero expediente protelatório, poderá o Tribunal suspender o advogado, que o tenha suscitado, por dois a seis meses. 7 — Os recursos, salvo os de instrumento, subirão sempre nos próprios autos, ficando traslado quando hajam sido recebidos somente no efeito devolutivo".

Passo a examinar essas sugestões, que, como conceitua o venerando Ministro Presidente do Tribunal, tendem "a assegurar o mais rápido julgamento do elevado número de feitos já com dia para esse fim" (…).

I

A solicitude com que o Egrégio Tribunal atendeu ao pedido de V. Excia. realça, ainda uma vez, o zelo com que sempre procurou exercitar suas altíssimas funções.

Ao mesmo tempo, confirma o êxito da reorganização provisória, que o Governo realizou pelo citado decreto n. 19.656.

Levado pelo desejo de abreviar o julgamento de grande número de causas já com dia, ou em revisão adiantada, esse decreto — aplicado apenas há um mês, e apesar da aposentadoria compulsória de seis juízes determinada pelo decreto n. 19.11, de 18 de fevereiro de 1931, e do falecimento de um outro ilustre juiz — tem produzido, sem dúvida alguma, resultados muito satisfatórios.

Dos quinze juízes do Tribunal, sete foram afastados, não se podendo aproveitar, como o decreto n. 19.656 facilitava, a soma enorme de trabalho por eles realizado (ou, ao menos, por 5 deles, excluídos o Presidente e o Procurador-Geral), no exame e revisão de processos, prontos, ou quase prontos, para julgamento.

Mesmo assim, — graças à reforma — e, também, graças à operosidade e dedicação, dos nobres julgadores — a pauta das causas teve, no mês findo, uma redução superior a tudo o que se conseguira até então, durante- toda a vida do Tribunal, em igual lapso de tempo.

Segundo os dados já publicados, em abril findo, o Tribunal julgou 203 processos — sendo 40 apelações eiveis (10 das quais em embargos), 20 recursos extraordinários, 42 agravos e cartas testemunháveis (sendo 5 em embargos), 39 feitos criminais, 45 habeas corpus.

Em um ano, a produção será, pelo menos, dez vezes maior. Será seguramente mais do décuplo, porque no mês próximo findo, o Tribunal funcionou desfalcado de três juízes, o que não permitiu os julgamentos por duas turmas simultaneamente; e, além disso, não se contam, nesse mês, causas decididas pelos relatores individualmente, que, no regime anterior, teriam de ser levadas ao Tribunal pleno.

Ora, recordem-se os resultados de anos anteriores. Consideremos apenas os dois últimos.

Em 1929, os julgamentos foram 1.001, sendo, porém, 709 habeas corpus, 120 agravos, e, além de outros, apenas 43 recursos extraordinários e 66 apelações cíveis, incluídos os embargos.

Em 1930, houve 1.095 julgamentos, sendo 405 habeas corpus, 108 agravos e, afora outras espécies, quanto a recursos extraordinários, 82, e apelações cíveis, 98.

Em um mês, o Tribunal decidiu, agora, quase 50 % dos recursos extraordinários julgados em todo ano de 1929, e quase 25 % dos do ano inteiro de 1929; e, quanto a apelações cíveis, o número dos julgados do mês de abril último corresponde a mais de 60 % do ano de 1929 e a mais de 40 % de 1930.

Parece que esse resultado permite encarar, com algum otimismo, a situação. Tanto mais quanto, do número, ainda muito avultado, de causas pendentes do julgamento do Tribunal, se hão de excluir muitas que não têm mais interesse prático, como adiante assinalaremos. Nessas condições, completado o Tribunal, e adotadas as novas providências complementares, que adiante detalharemos, não será impossível conseguir, em um ano, ou pouco mais, que a sua tarefa fique posta em dia.

Por isso mesmo, as sugestões apresentadas pelo Supremo Tribunal Federal tendem a confirmar, a acentuar, a adotar novas aplicações do mesmo critério, inspirador da reforma de 3 de fevereiro — isto é, o julgamento por turmas independentes, de composição variável, conservando a unidade do Tribunal, e evitado a sua divisão em Câmaras, como bem reconheceu o eminente Ministro Sr. ARTUR RIBEIRO; maior autonomia dos relatores sob o controle do Tribunal; o aproveitamento do trabalho de revisão feito pelos juízes.

São esses os traços característicos da reorganização efetuada pelo Governo Provisório. O Egrégio Tribunal deseja, agora, acentuá-los ainda mais, dar-lhes novas aplicações. Tanto prova o acerto do decreto n. 19.656.

O apanhamento taquigráfico dos debates, nos termos constantes do art. 6º, do decreto nº 19.656, que me coube a responsabilidade de sugerir, da tribuna do Instituto dos Advogados, não constituiu traço essencial da reforma.


 

 

 

 

 

Foi, por certo, uma de suas inovações capitais, e nela depositei – depositariam, também, quantos a acolheram com benevolência, nenhuma impugnação se lhe tendo feito – fortes esperanças. Foi porem, principalmente, uma experiência, que a circunstância meramente ocasional, da disponibilidade dos taquígrafos do Congresso Nacional permitia realizar.

 

Essa experiência não aproveitaria somente ao Supremo Tribunal. Interessaria, de modo geral, à futura organização definitiva de todo o processo judiciário no Brasil.

Confiadamente esperava dela apreciável aproveitamento de tempo, em benefício dos julgamentos, aliviando os juízes de certa soma de trabalho material, sempre pesado e fastidioso e, até, muitas vezes, quase insuportável para os que se consagram a lucubrações intelectuais.

Pelo sistema consagrado no decreto n. 19.656, os juízes ficariam aliviados do trabalho material de redigir longamente (ou de copiar dos cadernos), e subscrever, acórdãos; e de fundamentar votos vencidos.

Todos os que tem frequentado o Supremo Tribunal ouviram algumas vezes, queixas de juízes sobre a tarefa penosa de redação dos acórdãos; e, mais que isso, hão de saber quanto demorava muitas vezes, a apresentação dos acórdãos, até a de votos vencidos, e, ainda, a assinatura dos acórdãos pejos julgadores. A publicação dos acórdãos retardava-se, assim, em muitíssimos casos, por longe tempo.

Não é esse, contudo, o aspecto mais interessante do apanhamento taquigráfico dos debates.  Ele modificaria, se não errassem minhas previsões sinceras, certa feição dos debates no Tribunal dando-lhes maior plasticidade, e assegurando, assim, melhores julgamentos.

Realmente, o próprio fato do atraso de trabalhos, com que luta, há tantos anos, o Supremo Tribunal, terá criado ali uma situação que impede, talvez, a plena eficiência, desde já, do serviço taquigráfico.

(…)

Em tais condições, o apanhamento taquigráfico dos debates tem a sua importância, a sua utilidade, diminuídas. Mas, é bem de ver que, abreviados os julgamentos, diminuído o intervalo de tempo que separa, ainda, quase sempre, o estudo dos autos pelos juízes da decisão pelo Tribunal, o apanhamento taquigráfico terá maior eficiência, e, por outro lado, o seu aperfeiçoamento, a sua eficiência permitirá aos juízes libertarem-se das anotações dos cadernos apreciando melhor as ponderações de seus próprios colegas e dos advogados, na sessão de julgamento. Isso dependerá de certa adaptação.

Não admira, portanto, que, o novo serviço não tenha, ainda produzido todos os benefícios esperados. Continuo a acreditar que os determine, em maior ou em menor lapso de tempo, e suponho conveniente insistir na experiência iniciada.

Reconheço, porém, que, como se tem feito, o serviço não está dando resultado satisfatório.

Pequenas causas, facilmente removíveis, podem estar impedindo a eficiência do serviço de taquigrafia. Uma delas há de ser a falta de entrosarem desse serviço com os da secretaria do Tribunal. Parece-me conveniente que se permita ao próprio Tribunal realizá-la, consignando, em seu regimento interno, os dispositivos que entender idôneos para atingir a plena eficácia do serviço.

Assim parece reconhecer o próprio Egrégio Tribunal, que, apesar da opinião manifestada em sessão por um de seus conspícuos juízes não propôs qualquer modificação do art. 6.° do decreto nº 19.656.

De qualquer modo, porém, se a eficiência desejada se não conseguir, por qualquer motivo, até mesmo porque o apanhamento- taquigráfico contrarie hábitos de trabalho dos venerandos julgadores, parece-me que será preferível suprimir o serviço.

O Tribunal deve ficar, queira, essa deliberação.

Não seria acertado insistir numa prática que, em qualquer caso, somente poderia ter êxito mediante a cooperação dedicada dos dignos Ministros do Tribunal.

III

A primeira sugestão apresentada pelo Egrégio Tribunal envolve a redução do número de julgadores.

O decreto n. 19.656 estabeleceu que cada turma se comporia de 5 juízes, nos casos comuns (art. 2.°), e de 7, em se tratando de questão constitucional (art. 3.°), sendo o quórum de 3 e 5 juízes, respectivamente (art. 4.°) . O Egrégio Tribunal vai mais longe — e propõe que as turmas sejam de 3 ministros, elevando-se o quórum, para as questões constitucionais, a 6.

Na segunda parte, o alvitre parece-me perfeitamente aceitável, pois exige a presença da maioria absoluta dos membros do Tribunal.

Quanto à primeira parte, porém, parece que se deve evitar a restrição excessiva do número de juízes. Cada julgamento se faria com menos da metade dos juízes do Tribunal. Dois juízes, apenas, em onze, formariam maioria para decidir, em primeiro julgamento, os casos correntes.

Dir-se-á que o julgamento dos embargos pelo Tribunal pleno — tal como dispõe o art. 5.° do decreto n. 19.656 — corrigiria qual quer decisão menos acertada.

Mas, exatamente, neste ponto — que as sugestões do Supremo Tribunal não visaram — suponho merecer emenda o decreto de 3 de fevereiro.

Por mim, preferiria não enfraquecer a autoridade do primeiro julgamento, mantendo, assim, a turma com cinco juízes; e restringiria os casos de embargos.

IV

Em verdade, sobre o julgamento dos embargos, apresentou o exímio jurisconsulto, Sr. Dr. Alfredo Bernardes da Silva, a mais séria e procedente crítica formulada contra a reforma de 3 de fevereiro abreviava-se o primeiro julgamento das causas, mas toda a abre viação conseguida desaparecia diante da demora do julgamento dos embargos respectivos.

(…)

Quanto a mim, alvitrei-a já. Suponho que se poderia, sem restrição dos direitos e dos interesses legítimos dos litigantes limitar os embargos de nulidade e infringentes do julgado aos casos em que a decisão não fosse unânime e em que não houvesse mudança de jurisprudência anterior.

Sei bem que essa é a tendência de nosso processo, que eu mesmo, há longos anos, pleiteei, em relação aliás ao Supremo Tribunal Federal. Na própria justiça local do Distrito Federal, o decreto 16.273, de 20 de dezembro de 1923, (art. 100), há excluído os embargos à decisão unânime, proferida em apelação, e confirmatória de decisão de primeira instância, admitindo, ao mesmo tempo o recurso, não suspensivo, de revista (art. 108, n. III). Contrariada essa orientação pelo decreto n. 5.053, de 6 de novembro de 1926 (artigo 5.°), restabeleceu-a o Governo Provisório no decreto número 19.408, de 18 de novembro de 1930 (art. 5.°).

O Código de Processo do Rio Grande do Sul, de 1908, já não cogitava de embargos. O recente e adiantado Código de São Paulo também só admite embargos em casos excepcionais, salvo da parte vencedora na primeira instância e vencida na segunda (art. 1.112).

Não esqueço que, na crônica de nossa mais alta Corte, há casos de recebimento de embargos até sobre decisões tomadas por unanimidade. É certo que, em muitos desses casos, teria havido, pela demora dos julgamentos, grande mudança dos julgadores — e essa possibilidade tende a desaparecer, ou atenuar-se.


 

 

 

 

 

A própria estatística do Tribunal mostra, no entanto, a desvalia dos embargos, especialmente nas apelações eiveis: em 1929, houve 30 julgamentos, sendo recebidos em parte em um caso e in totum em 2 outros; em 1930, em 38 casos houve recebimento integral em 3 casos e parcial em 1. A média dos embargos recebidos é apenas de 10 %. Dentre esses, os casos de decisões unânimes serão a menor parte.

 

Mesmo assim para atender à consideração referida, não vacilaria em admitir os embargos de nulidade, e infringentes do julgado, além dos casos já indicados, sempre que o Tribunal, consultado pelo relator, os considerasse relevantes.

Admitiria mesmo os embargos, conforme certa orientação já revelada — que, aliás, pessoalmente, não aplaudo — sempre que se trate de decisão contrária ao parecer do Procurador Geral.

Ainda para atender a ponderações que me foram apresentadas, determinaria, até, a designação de outro juiz que não tivesse tomado parte no primeiro julgamento, para relatar os embargos quando se tratasse de feito em que não houvesse revisor. Assim conciliaria o interesse de manter os recursos de embargos em, como os executivos fiscais e as liquidações de sentença, com o de assegurar a boa apreciação de cada caso.

Assim, ficariam ressalvados os interesses dos litigantes.

(…)

V

A segunda sugestão parece-me inteiramente aceitável. No decreto n. 19.656, se tivera em vista o funcionamento separado de cada turma, não se tendo em conta o funcionamento simultâneo de mais de uma turma, na mesma sessão — que o Tribunal tem praticado, com vantagens evidentes.

Nesses casos, é certo que a presidência deve caber ao presidente do Tribunal.

VI

A terceira sugestão desenvolve e modifica o disposto no art.9º do decreto n. 19.656, estabelecendo normas precisas para a ordem dos julgamentos. Nada me ocorre dizer sobre esse ponto.

VII

A quarta indicação confirma a competência, que o art. 11 do decreto n. 19.656 conferiu ao relator – foi essa uma de suas inovações acertadas — para julgamento dos incidentes do processo ampliando-a expressamente ao das deserções.

Acredito que a consagração desse preceito não deve excluir a competência, conferida ao Presidente, nos termos do parágrafo único do art. 10 do decreto n. 19.656, para decretar a deserção de qualquer recurso.

Este último dispositivo refere-se aos casos em que logo à entrada dos autos, no Tribunal, o Secretário deste verificado excesso de prazo na interposição do recurso, ou na apresentação à instância superior. Nesses casos, a competência não deve ser do relator, até porque não há ainda relator, nem há necessidade de nomeá-lo para que decrete a deserção. Indo os autos ao Presidente, é preferível que este, em vez de designar um relator, a quem vão, de novo, os mesmos autos para proferir o despacho de deserção, decrete, desde logo, ele próprio, a deserção verificada. Assim é que se procede na justiça local do Distrito Federal. O decreto n. 19.656 fez bem, adotando a mesma norma.

(…)

Quanto, porém, ao habeas-corpus, a jurisprudência é muito mais liberal; a regra assente é que sua denegação não faz coisa julgada; admite-se a reiteração do pedido.

Não me animo a anuir na subversão dessa regra, que envolve preciosa garantia da liberdade individual, e nos termos em que a emenda sugerida a estabeleceu.

Não me parece que, em todos os casos de repetição de pedido de habeas-corpus, "deva" o relator indeferi-lo desde logo: parece-me que quando muito se lhe poderá permitir que o indefira quando considere justo — mantido, aliás, para esse caso, o recurso estabelecido no art. 12, do decreto n. 19.656, que se aplicará, também, aos novos casos de decisão pelo relator, que ficarão compreendidos nos artigos 10 e 11 desse decreto.

IX

A sexta sugestão procura refrear o abuso dos conflitos de jurisdição, e corresponde a uma necessidade vivamente sentida em certos casos. Já o próprio Tribunal inseriu em seu regimento um dispositivo tendente a coibir os abusos de que se trata e assim formulado: "Se, porém, o relator verificar que o conflito de jurisdição é a reprodução de outro já julgado pelo Tribunal, e deve, por isso, ser declarado prejudicado, pedirá dia para julgamento, que se realizará na sessão imediata ao despacho do presidente".

Todavia, esse dispositivo não se pode aplicar a todos os casos mas só aos em que o abuso assume, desde logo, feição evidente.

Por isso mesmo, o Tribunal se empenhava em obter providência mais eficaz. Contra a sua sugestão já surgiu, porém, o protesto de advogados, no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros e no Clube dos Advogados, tendo este dirigido a V. Excia. um ofício que V Excia. me comunicou. Em verdade, a imposição da pena disciplinar de suspensão do advogado, nesses casos, pelo Tribunal pode considerar-se contrária à orientação do Governo, criando a Ordem dos Advogados. A esta – ou melhor; ao Conselho desta – deve caber a aplicação da pena disciplinar.

Assim, parece que se lograria o objetivo visado pelo Tribunal – permitindo ao relator denegar a suspensão dos processos, ou só de um deles, ou autorizar quaisquer medidas acautelatórias- e facultando a qualquer Interessado requerer a revogação da ordem de suspensão dos processos, ou de um deles.

Quanto à penalidade a impor aos advogados no caso de abuso de recurso ou meio processual protelatório – e não só no conflito de jurisdição — parece que a matéria deve ser regulada, de modo geral, nos estatutos da Ordem. De resto, as disposições alvitradas quanto aos conflitos devem bastar para coibir, nesses casos, os abusos verificados.

A última sugestão proposta é a única que envolve, verdadeiramente, modificação radical de dispositivo do decreto n. 19.656. Este, no art. 22, reproduziu, com alguma alteração, o art. 17 do decreto n. 4.381, de 5 de dezembro de 1921, nos termos seguintes: "Os recursos interpostos para o Supremo Tribunal Federal, nos casos em que agora se exige traslado, subirão à instância superior, instruídos apenas com certidão de decisão recorrida, das alegações finais das partes, e, mediante requerimento de interessado, dos documentos invocados nas razões ou na sentença, e do depoimento de testemunhas, e laudo pericial se a decisão for impugnada por contraria à prova dos autos. § 1.° — Essas peças poderão ser impressas ou datilografadas, autenticadas em cada folha, com a rubrica do juiz a quo. § 2.° — O relator, ou a turma julgadora, poderá requisitar os autos originais, sempre que o julgue necessário."

Está se vendo que o dispositivo tendia a facilitar o estudo dos autos pelos juízes do Supremo Tribunal, apresentando-lhes apenas as peças essenciais dos processos, datilografadas ou impressas, em vez dos autos inteiros, manuscritos em grande parte, e, quase sempre, dificilmente legíveis; e, ao mesmo tempo, atenuar as despesas dos traslados caríssimos com que se oneram as partes.

Parece, no entanto, que o Tribunal tem má impressão da aplicação do dispositivo, quando vigorou, aliás no curto espaço de tempo decorrido da data do decreto 4.381, acima citado, até à lei 4.632, de 6 de janeiro de 1923 — ao todo, pouco mais de um ano.

Tenho informações de que se tornava difícil a apreciação exata dos recursos em julgamento.

(…)

XI

Findo o exame das sugestões apresentadas pelo Egrégio Tribunal, passo a apreciar outras, que me comunicaram pessoas competentes, e a expor as que a mim mesmo ocorreram. Uma vez veio de eminente juiz do próprio Tribunal, e visa, ainda, outra ampliação de preceito do decreto nº 19.656. Trata-se o art. 13, que, muito acertadamente, manteve, como relator ou revisor, o Ministro eleito Presidente do tribunal, ou nomeado Procurador Geral da República. O artigo citado só se referiu, porém, às causas; mas é evidente que, pelo mesmo critério de aproveitamento do trabalho feito, a regra se deve ampliar a todos os processos que já tenham sido estudados. O segundo alvitre foi-me apresentado pelo ilustre jurista, Sr. Dr. Philadelpho Azevedo, e pode ser de grande utilidade prática.

Inspira-se numa circunstância de fato, muito relevante: grande número das causas, pendentes de julgamento do tribunal, e que tanto avultam em estatísticas aterradoras, não envolvem mais nenhum interesse real. A demora da decisão tornou-as sem interesse para os próprios litigantes. Ou estes mesmos as abandonaram, há muitos anos. É inútil estar impondo aos juízes o sacrifício de estudarem e decidirem tais processos. Para evita-los, basta estabelecer que – a partir de 30 dias da promulgação do decreto mais nenhum processo terá andamento no Tribunal sem petição expressa de algum interessado. No seio do Tribunal, colhi a sugestão de aplicar essa providencia somente às causas entradas há mais de cinco anos.

Parece-me, ainda, conveniente completar o alvitre com outra determinação: abolido em nosso Direito o princípio da perpetuação das ações, tem-se, contudo, entendido que o prazo de prescrição não corre quando o feito esteja concluso ao Juiz.

Assim sendo, e como não conviria fixar prazo peremptório para apresentar a petição de andamento do processo, continuariam, por tempo indefinido, atravancando a pauta de trabalhos do Tribunal esses feitos abandonados e virtualmente findos.

Parece-me, pois, acertado estipular, também, que, a partir de certa data, comece a correr o prazo de prescrição das ações em tais condições.

(…)

XII

Além de todos esses alvitres, acima de todos eles, com o mesmo propósito de intensificar a atividade judiciária, prestigiando-a e tornando-a fecunda, parece-me oportuno reintegrar os membros da magistratura judiciária — ao menos os do Supremo Tribunal Federal e das justiças federal e local do Distrito Federal — nas garantias e imunidades, que o art. 8. ° do decreto 19.398 tornou revogáveis, individual ou coletivamente, por ato do Governo.

Seria inoportuno, e impertinente, discutir aqui as razões em que se inspirou o Governo para as derrogações, que decretou, em relação a vários magistrados. Tendo-me animado, graças ao largo e culto espírito de tolerância de V. Excia., a divergir dessas razões — sei, no entanto, que nenhuma preocupação pessoal as ditou, nem o propósito de diminuir, ou desprestigiar, o Poder Judiciário.

(…)

 

(…)

Reitero a V. Excia. os protestos de minha elevada estima e distinta consideração.

Rio de Janeiro, 13 de maio de 1931.

(a.)        Levi Carneiro”

Autores

  • Brave

    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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