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Carf libera ágio em troca de ações e em compra com empresa-veículo

21 de janeiro de 2016, 9h49

Por Pedro Canário

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Na primeira sessão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) do ano, os contribuintes conseguiram vitórias importantes relacionadas a ágio na 1ª Turma, responsável por julgar casos relacionados a Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. Em duas decisões de dezembro, o colegiado tomou decisões no sentido de autorizar o contribuinte a estruturar operações da forma que achar mais conveniente.

A primeira delas, julgada no dia 9 de dezembro pela 2ª Câmara, foi a que autorizou a BRFoods a abater da base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido o ágio resultante da compra da Eleva Alimentos pela Perdigão — que depois se fundiu com a Sadia, formando a BRFoods.

“O instituto da incorporação de ações não proíbe o critério para determinar a relação de substituição de ações leve em consideração a expectativa de rentabilidade futura [ágio]”, diz o acórdão da 1ª Seção do Carf. A decisão foi unânime.

A operação custou, ao todo, R$ 1,6 bilhão. Só R$ 767,6 milhões, ou 46% do total, foram pagos em dinheiro aos acionistas controladores e R$ 911,5 milhões foram pagos aos acionistas não controladores sob a forma de ações da Perdigão. A compra resultou num ágio de R$ 1,3 bilhão, conforme informado pela Perdigão à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais.

Na última etapa da operação, a Perdigão emitiu 20 mil títulos para “trocar” pelos papéis da Eleva Alimentos. Pelos cálculos da Perdigão, cada uma de suas ações custava R$ 25 e equivalia a 1,7 ações da empresa comprada.  O Fisco queria, então, impedir o uso do ágio relacionado à “troca de ações” para abatimento da base de cálculo de tributos sob a alegação de que não houve “propósito negocial” na operação, cujo “grande motivo” foi apenas a amortização do ágio.

Mas, para a 1ª Seção do Carf, o grande motivo para a operação foi a aquisição da Eleva pela Perdigão. “Se esse caminho passou pela formação de ágio e, a seguir, permitiu sua amortização para fins fiscais, tenho que se trata de benefício adicional ao fim pretendido e conseguido, não se podendo exigir que o contribuinte adotasse um caminho que lhe fosse mais oneroso para conseguir seus objetivos societários precípuos”, escreveu o relator, conselheiro Waldir Veiga Rocha.

Empresa-veículo
A segunda decisão, da 3ª Câmara, foi a que autorizou o uso do ágio decorrente da compra de uma empresa por outra pelo método da empresa-veículo. No caso, o banco Société Generale, criou uma empresa com capital dele, a Trancoso, para adquirir a Cacipar, para depois incorporar a Trancoso de volta. A operação custou R$ 888,3 milhões e resultou num ágio de R$ 570,5 milhões

A Fazenda pretendia que o Carf desconsiderasse o ágio gerado na operação, para impedir o abatimento do valor da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A interpretação é a de que a criação da Trancoso não foi necessária que se concluísse a operação, mas isso foi feito para que o banco pudesse usufruir do benefício fiscal do abatimento da base de cálculo de tributos.

Mas a 1ª Seção discordou. Entendeu que “não é possível sustentar-se uma autuação fiscal lastreada na simples acusação de empresa de empresa-veículo, até porque o simples emprego de empresa-veículo não é tipificado como infração à legislação tributária”, conforme escreveu o relator, conselheiro Marcelo Cuba Netto.

Netto aproveitou para advertir a Fazenda quanto ao uso da expressão “empresa-veículo”. Para ele, a Fazenda faz isso “de maneira pejorativa, no sentido de um mal em si mesmo”. “Caberia, então, à fiscalização apontar a relação entre o emprego da ‘empresa-veículo’ e a prática de alguma infração à legislação tributária.”

Zelotes
Para a advogada Thaís de Barros Meira, tributarista do BMA, os casos justificam certo otimismo, pelo menos em relação a casos de ágio. “Os contribuintes estavam muito apreensivos com o que aconteceria com o Carf depois da zelotes”, comenta. “Imaginávamos que todas as decisões seriam favoráveis à Fazenda, mas esses dois casos, que tratam de questões polêmicas e recorrentes, foram julgados favoravelmente. Foi um bom sinal.”

Ela se refere à operação zelotes, deflagrada pelo Ministério Público Federal e pela Receita Federal em março de 2015. No início, a intenção era investigar corrupção e tráfico de influência para comprar decisões favoráveis ao contribuinte no Carf. Hoje, no entanto, a única denúncia resultante dessa operação diz respeito ao pagamento de propina para inclusão de emendas em uma medida provisória pelo Congresso, durante sua conversão em lei.

Mas o fato é que, logo depois da deflagração da zelotes, o Carf suspendeu suas atividades. Desde o início da operação, a impressão de todos é que ela foi montada para fragilizar as decisões do Carf que anularam multas e autuações fiscais, como forma de pressionar o órgão a decidir sempre a favor do Fisco.Essa análise foi feita com base nos casos que foram levados ao MPF e que foram investigados, quase todos eles relacionados a ágio. 

Clique aqui para ler o acórdão da decisão no caso da BRFoods.
Clique aqui para ler o acórdão do caso do uso de empresa-veículo.