Mãos atadas

Secretário pode ser preso por não ter
como fornecer "cápsula contra câncer"

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20 de janeiro de 2016, 14h40

Uma decisão colocou em uma encruzilhada o secretário da Saúde de Goiás. Leonardo Moura Vilela pode ser preso por desobediência se não cumprir a determinação de fornecer fosfoetanolamina sintética, conhecida como "cápsula contra o câncer", a uma paciente. O problema é que a Universidade de São Paulo, que produz a substância, sequer é parte da ação.

Segundo conta a procuradora Adriane Nogueira, o departamento jurídico da USP afirmou que só pode fornecer a substância se estiver no polo passivo da ação. Na decisão do juiz Wilson Safatle Faiad, o estado de Goiás tem 48 horas para  providenciar a fosfoetanolamina e estipulou a pena de prisão do secretário em caso de descumprimento.

Não sabemos o que fazer. É uma decisão esdrúxula, absurda. O secretário não tem acesso a essa substância, que não é comercializada, apenas é produzida em um laboratório da USP para fins de pesquisa. O estado está impossibilitado de cumprir a decisão judicial, e o secretário sob ameaça de ser preso por uma situação absolutamente fora de seu domínio ou responsabilidade", disse Adriane em entrevista à ConJur.

A procuradora explica que a decisão descumpre as normas processuais, pois os efeitos de uma decisão judicial deve atingir as partes que compõem o litígio, sem prejudicar nem beneficiar terceiros. "A USP está sendo prejudicada sem que lhe seja dada oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa”, afirma.

Adriane conta que durante o recesso do Judiciário uma série de ações iguais a essa foram julgadas procedentes pelo juiz de plantão. Após a procuradoria entrar com agravo regimentais em todos os casos, eles voltaram aos desembargadores. Em alguns casos, o entendimento foi revertido, mas em outros foi mantido.

“Estou tentando conscientizar os desembargadores para o fato de que, sem a USP como ré nos autos judiciais, essas decisões não poderão ser cumpridas. O advogado deveria saber disso ao entrar com a ação”, afirma Adriane. Dependendo de como esta situação se desenvolver, a estratégia da procuradoria será entrar com uma suspensão de liminar no Supremo Tribunal Federal.

Outro ponto que a procuradora aborda é o precedente perigoso que a situação pode gerar. “É certo que existe uma pressão na área de saúde por meio de judicialização. Já que mesmo sem estudos aprofundados e os devidos testes que comprovem a sua segurança e eficácia, substâncias químicas com supostos efeitos terapêuticos têm sido deferidas pelo Judiciário, não é ocioso supor que precedentes como esse possam gerar fraudes futuras”.

Estado isento
Em outro processo, o juiz substituto em segundo grau Marcus da Costa Ferreira, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, indeferiu pedido de uma mulher que pleiteava o fornecimento da substância.

“É questionável a legitimidade do estado de Goiás para figurar no polo passivo da demanda, em razão de ser a Universidade de São Paulo uma autarquia em pleno funcionamento, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, titular de direitos e obrigações, razão pela qual não se vislumbra relação de direito material existente entre a agravante e o estado de Goiás”, decidiu Ferreira.

Efeitos controversos
A droga era distribuída a algumas pessoas no município de São Carlos (SP), onde um professor aposentado pesquisa seus efeitos no Instituto de Química da USP. Depois de uma liminar do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinando o fornecimento, uma enxurrada de processos passou a cobrar medida semelhante.

Em São Paulo, o Órgão Especial do TJ cassou todas as liminares que obrigavam a USP a fornecer a substância. O entendimento foi que sua eficácia no combate ao câncer não está comprovada. Paralelamente, também foram concedidas liminares em outros estados, como Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

Clique aqui para ler a decisão do juiz Faiad. 
Clique aqui para ler a decisão do juiz Ferreira.

*Notícia alterada às 20:29h para acréscimo de informações

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