Diário de Classe

Sem marco regulatório, educação jurídica segue como uma nau abandonada

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16 de janeiro de 2016, 7h00

Spacca
Esta coluna é sobre um tema de grande relevância ao qual já me dediquei em outras oportunidades: a crise da educação jurídica e a inércia das instituições.

Há quase três anos, mais precisamente em março de 2013, o Ministério da Educação firmou acordo de cooperação com a Ordem dos Advogados do Brasil, interrompendo o processo de abertura de novos cursos (exceto as solicitações que se encontravam pendentes de análise à época) e congelando 25 mil novas vagas até que fosse implementado o “novo marco regulatório do ensino jurídico”.

Naquela ocasião, o ministro Aloizio Mercadante prometeu uma modificação radical no sistema de avaliação. Da mesma forma, informou que os cursos mal avaliados no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) poderiam ser fechados, além daqueles que não preenchessem os requisitos exigidos. Tudo isso para combater aquilo que o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, chamou de “estelionato educacional”.

Então, iniciaram os trabalhos da Câmara Consultiva Temática de Política Regulatória do Ensino Jurídico, cuja finalidade era a construção de um “novo paradigma do ensino do Direito no Brasil”. A câmara é composta por representantes da Associação Brasileira de Ensino do Direito, da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular e do Ministério da Justiça, além de membros da Comissão Nacional de Educação Jurídica do Conselho Federal da OAB.

Paralelamente, foram realizadas dezenas de audiências públicas nas seccionais da OAB de quase todas as unidades da federação. Muito se discutiu acerca da péssima qualidade da educação jurídica, embora a preocupação central fosse a mesma de sempre: a baixa aprovação no Exame de Ordem.

No entanto, a Comissão encerrou o trabalho sem que o relatório — nem mesmo parcial — fosse divulgado. Na verdade, o único documento que veio a público foi a Carta Aberta a Propósito da Revisão do Marco Regulatório em Direito, firmada pela diretoria da Associação Brasileira de Ensino de Direito (ABEDi), contendo, objetivamente, 16 pontos centrais para o debate acerca do futuro ensino jurídico.

Saiu Mercadante. Voltou Mercadante. E nada do tal “novo marco regulatório do ensino jurídico”. Registre-se que, durante todo esse período em que o balcão permaneceu fechado, os cursos em funcionamento seguiram sendo avaliados, surgiu um novo instrumento de avaliação, que passou a ser aplicado sem que houvesse qualquer discussão com a comunidade acadêmica acerca de seus critérios.

Com a última virada do ano, vieram as novidades. Na semana passada, o Diário Oficial da União publicou a Portaria Normativa 1, de 4 de janeiro de 2016, do Ministério da Educação, que estabelece o calendário de “abertura do protocolo de ingresso de processos regulatórios no sistema e-MEC”.

Em seu artigo 9º, consta: “O sistema e-MEC será aberto, para protocolo de pedidos de autorização de cursos de Direito, quarenta e cinco dias após a homologação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso, permanecendo fechado nos demais períodos do ano”.

Ora, será que as “novas” diretrizes levarão em conta o relatório (cujo teor segue desconhecido) da comissão designada em 2013? Ou será que, nestes últimos dois anos, o trabalho escoou pelo ralo, de maneira que o atraso no calendário dos cursos jurídicos decorre da adoção de uma nova política (igualmente desconhecida)?  Fico imaginando como seria se a tal Portaria não se fundamentasse nos princípios constitucionais da “economicidade, razoabilidade, interesse público, celeridade processual e eficiência”… Tudo indica que voltamos à estaca zero!

O que definirá, afinal, um bom curso de Direito? Serão os conceitos atribuídos pelo MEC ou o selo OAB Recomenda? Aliás, como é possível um curso atingir as notas máximas do MEC e não receber o tal selo da OAB?

Em suma: que a educação jurídica está em crise faz muitos anos, isso todos já sabemos. Todavia, a atual situação é, lamentavelmente, ainda pior. O descaso e a inércia das instituições nos permitem pensá-la como uma embarcação, uma verdadeira nau, que não navega nem mesmo à deriva, pois não tem mais velas, leme e nem capitão.

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