Posse mansa

Imóvel ocupado em área de fronteira pode ser alvo de usucapião, diz TRF-4

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1 de janeiro de 2016, 9h49

A falta de transcrição no ofício imobiliário não presume que o imóvel esteja incluído no rol das terras devolutas, mesmo localizado em faixa de fronteira. Além disso, o imóvel só pertencerá à União se for provado que é indispensável à defesa da fronteira. Respaldada por esses fundamentos, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou apelação da União, inconformada porque o juízo de primeiro grau reconheceu o domínio da Igreja Católica sobre um imóvel de 1,6 hectare na Linha Sobradinho, no município de Águas de Chapecó (SC).

Na inicial, a parte autora garantiu exercer ‘‘posse mansa e pacífica’’, sem oposição nem interrupção, desde 1941, tanto que chegou a erguer uma capela e um salão comunitário no local. Em contestação, a União alegou que o pedido de usucapião para imóveis públicos é vedado pelo parágrafo único do artigo 191 da Constituição Federal. Disse que a prova pericial concluiu que o imóvel encontra-se, de fato, em faixa de fronteira, o que comprova a propriedade da União.

No primeiro grau, a juíza Priscilla Wickert Piva, da 1ª Vara Federal de Chapecó, afirmou que jurisprudência firmou-se no sentido de que tanto a qualidade de devolutas das terras como a sua indispensabilidade à defesa das fronteiras deve ser efetivamente comprovada no caso concreto, para demonstrar que se trata mesmo de um bem da União.

‘‘Se o imóvel que se pretende usucapir é cercado por outros bens particulares, presume-se que não é relevante à defesa das fronteiras, sendo que o simples fato de não haver uma cadeia dominial particular anterior ao teórico enquadramento da terra no conceito de terra devoluta ou ao registro imobiliário respectivo não é suficiente para que se caracterize o imóvel como devoluto’’, escreveu na sentença.

Conforme a juíza, não se pode ignorar que, dentro da faixa de 150 quilômetros, se encontram cidades inteiras, com famílias e até mesmo órgãos públicos estaduais e municipais. Muitos estão desde o início do século XX nesses terrenos, sem que a União lhes tenha apresentado impugnação — o que só ocorre quando os ocupantes querem legalizar sua posse via ações de usucapião. ‘‘Exigir do colono que, à época, soubesse que o estado de Santa Catarina não podia outorgar títulos, significa reconhecer que famílias inteiras foram vítimas de estelionato, tendo sido enganadas pelo poder público’’, concluiu.

O relator da apelação na corte federal, desembargador Fernando Quadros das Silva, frisou que a União não conseguiu provar a indispensabilidade da área para a defesa da fronteira, tarefa exclusiva da defesa, nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC). ‘‘A bem da verdade, a União limita-se a questionar a localização do imóvel e a (in)existência de registro no Cartório de Imóveis — circunstâncias insuficientes ao desacolhimento do pedido da parte autora [de reconhecimento de usucapião sobre a área], nos moldes pretendidos pelo ente político federal’’, observou.

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