Opinião

Verdade material em processo administrativo tributário não é sólida

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28 de fevereiro de 2016, 10h15

Até onde pode ir o julgador administrativo tributário em nome da “verdade”? No processo administrativo paulista, em particular, nas decisões proferidas pelo Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP), não são raras as referências ao princípio da verdade material.

Em termos gerais, esse princípio comanda a busca pela mais ampla e detida instrução do processo, inclusive para além das alegações ali formuladas pelas partes. Seria um princípio implícito na Lei 13.457/09, que regula o processo administrativo tributário paulista.

Essa mesma lei, porém, traz um artigo que parece confrontar essa perseguição plena da verdade dos fatos tributários. Trata-se do seu artigo 19, que estabelece: “As provas deverão ser apresentadas juntamente com o auto de infração e com a defesa, salvo por motivo de força maior ou ocorrência de fato superveniente”. No parágrafo único desse artigo, consta ainda que as hipóteses de força maior ou fato superveniente “devem ser cabalmente demonstradas”.

Como se vê, a instrução probatória no processo administrativo tributário paulista tem marcos legais bem definidos, sendo, no caso do contribuinte, o momento da apresentação de sua defesa, salvo motivo de força maior ou fato superveniente, que deverão ser “cabalmente” demonstrados.

Isso quer dizer que o princípio da verdade material não tem lugar onde o artigo 19 tem aplicação (no campo da apresentação das provas)? Em outras palavras, pode o princípio da verdade material reverter o não conhecimento de provas apresentadas pelo contribuinte após a defesa e sem base num fato superveniente ou força maior?

Naturalmente, o objetivo deste artigo não é discutir todas as hipóteses e argumentos possíveis a respeito. Concentremo-nos na hipótese de apresentação tardia de provas cabais, i.e. prova(s) que revele(m) de plano a improcedência da autuação fiscal.

Nesse caso, é possível argumentar que o princípio da verdade material emergiria e se sobreporia ao artigo 19 da lei 13.457/09, para amparar a aceitação dessa(s) prova(s). Poucos discordariam de que um contribuinte cobrado por um tributo que pagou possa apresentar e ver examinado seu comprovante de pagamento, ainda que isso suceda a apresentação da sua defesa administrativa e não tenha base num fato superveniente ou força maior.

O julgador provavelmente identificará, naquele comprovante de pagamento, um elemento (potencialmente) decisivo à resolução do processo, à descoberta da “verdade” dos fatos tributários. E como esse é o alvo do princípio da verdade material, tal princípio deverá ser invocado para fundar o conhecimento da prova cabal (e tardia).

Mas, por prova cabal, devemos entender apenas documentos breves e autoexplicativos, como um comprovante de pagamento do imposto? Não poderia um julgador entender que determinada prova, apesar de mais extensa ou complexa, também revela de plano a improcedência de uma autuação? Ou não poderia ocorrer que, para um julgador, determinada prova é cabal, e para outro não o é?

O exame da jurisprudência do TIT/SP revela a diversidade de provas possíveis frente às várias operações sujeitas à tributação estadual: idoneidade documental, boa-fé, correção de procedimentos na transferência de bens, na apropriação de créditos, no cancelamento de notas, na remessa de mercadorias etc.

É possível, portanto, que julgadores divirjam seja quanto à clareza de determinada prova, seja quanto à sua força no contexto da aplicação do princípio da verdade material (ao invés do artigo 19 da lei 13.457/09). Os efeitos negativos dessa instabilidade, para os contribuintes e para a própria jurisprudência, são inegáveis.

Fiquemos, então, com a certeza, a previsibilidade da obra do legislador? O artigo 19 da lei 13.457/09, além de claro, é bastante razoável na disciplina que concede à apresentação das provas no processo.

Não obstante, abandonar inteiramente a aplicação do princípio da verdade material, em prol do artigo acima, também não parece a melhor ideia. A busca da “verdade” dos fatos tributários não é uma busca predestinada ao fracasso (ou à balbúrdia processual).

Por vezes, é a aplicação do princípio da verdade material que permite a promoção da justiça (fiscal) no caso concreto, além de ser um princípio remissível não só a direitos individuais dos contribuintes frente ao Estado, mas ao interesse do próprio Fisco (que desperdiça tempo e recursos movendo uma execução fadada ao fracasso).

Resulta daí a inconveniência de uma opção exclusiva pelo artigo 19 da lei 13.457/09 ou pelo princípio da verdade material, e que a palavra final será mesmo dos julgadores. Palavra que variará conforme o caso, conforme o julgador: da análise e convencimento de cada um deles, tal como expostos em suas razões de decidir, será o artigo 19 ou o princípio da verdade material a definir a aceitação da prova tardia.

Essa solução, satisfatória ou não, não deixa de ser irônica, ao mostrar que, na esfera administrativa tributária (paulista), a “verdade” pode decorrer de um convencimento pessoal questionável.

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