Despedida da presidência

Excesso de conselhos enfraquece o Judiciário, diz desembargador Fábio Prieto

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24 de fevereiro de 2016, 17h22

A existência de vários conselhos classistas é um dos fatores que enfraquecem o Judiciário, assim resumiu o desembargador Fábio Prieto em seu discurso de despedida da presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS). Segundo o julgador, a criação paralela dessas entidades é um erro.

“Nós não apenas criamos o Conselho Nacional de Justiça, como deixamos o Conselho Federal, que já existia em Brasília e do qual eu faço parte até hoje, deixamos o Conselho da Justiça do Trabalho, e ainda criamos o Conselho Nacional do Ministério Público. Temos quatro conselhos. Essa fragmentação das composições, essa fragmentação institucional, deu nisso que nós estamos vendo: o país não consegue estruturar um Judiciário uniforme, único no Brasil”, disse Prieto.

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Ao fazer balanço sobre sua gestão, Fábio Prieto criticou as escolas para magistrados, a existência de vários conselhos dentro do Judiciário e a "democracia direta" dentro da magistratura.

Para o desembargador, essa fragmentação faz com que os tribunais formem associações com o objetivo de proteger seus interesses em Brasília. Segundo ele, isso ocorre porque falta estabilidade aos conselhos, devido aos mandatos temporários e a ausência de ministros do Supremo Tribunal Federal na gestão dessas entidades.

“Isto fragilizou, enormemente, o Conselho Nacional de Justiça. Essa é uma das razões pelas quais ele não consegue implementar o regime jurídico único, não tem força para isso. Não é porque os seus ilustres membros não o desejem ou porque não tenham capacidade pessoal, é que o modelo institucional é completamente ineficiente para isso", afirmou Prieto.

Para resolver a situação, o ex-presidente do TRF-3 afirmou ser necessário que o Supremo Tribunal Federal assuma o Conselho Nacional de Justiça e que todos os outros conselhos sejam extintos. "Nenhum país do mundo tem quatro conselhos. É preciso ter apenas um conselho e que os ministros do Supremo Tribunal Federal, com mandato permanente, responsabilidade permanente, exerçam essa alta magistratura administrativa.”

Sindicalização da magistratura
Prieto destaca que essa situação gerou “um acirramento da vida associativa na magistratura”, transformando as associações em sindicatos de juízes, o que “é um grande mal ao país”. "Nos países em que há sindicatos de juízes, o Judiciário é fraco. Para que o Judiciário seja forte, não pode existir juiz sindicalizado — o juiz tem que ficar fora disso. Os juízes e os militares são órgãos de garantia das democracias. Nas maiores democracias do mundo, não há democracia interna, nem no Judiciário nem nas Forças Armadas, porque eles são garantidores de última instância.”

De acordo com o ex-presidente do TRF-3, essa “sindicalização” impede os juízes de exercerem sua real função: julgar. Isso ocorre, segundo ele, porque cria vícios em uma parcela importante de juízes e os afasta para outras tarefas. “O Brasil tem afastados da jurisdição um número de juízes que 80 ou 9% dos países do mundo não têm em exercício em seus quadros. Isso é pago pelo contribuinte, e o prejuízo para a nação é terrível. Mas o maior prejuízo não é o econômico, o maior prejuízo é na formação do magistrado.”

O desembargador argumenta que esse afastamento leva “bons juízes a fazer o serviço que não é deles, a abrir as portas nos tribunais, a elogiar os presidentes, vice-presidentes e corregedores dos tribunais e a participar de uma imensa burocracia que foi criada a partir desses conselhos”. Além dessas atividades, Prieto também criticou a existência das escolas para magistrados.

“Nós tivemos a realização, também através da reforma, de um sonho do bacharel positivista e um tanto quanto ingênuo, às vezes autoritário, de achar que nós podemos fazer escolas de juízes. Nós não temos essa experiência nas grandes democracias do mundo, porque o juiz é agente político”, afirmou o julgador.

Prieto criticou fortemente o fato de juízes, que já estudaram Direito durante cinco anos e prestaram concurso para exercerem o cargo, serem obrigados, depois de aprovados na seleção pública, a participar por quatro meses de cursos que ministram matérias do 2º e do 3º ano da faculdade. “Essas escolas precisam ser extintas. Vamos devolver esses prédios suntuosos e a verba orçamentária gigantesca gasta nessas escolas para secretarias de Educação, para as crianças do país que precisam, sim, de escolas. Vamos devolver esse dinheiro para a educação básica ou secundária.”

"Assembleísmo corporativo"
Outro ponto muito criticado por Prieto foi o debate sobre a democracia direta na magistratura, que ele classificou de "assembleísmo corporativo". Usando como exemplo a situação das universidades públicas, que adotam o sistema de eleição direta para a escolha de reitores, o desembargador afirmou que essa é “uma onda extremamente perigosa”, pois diminui o poder eleitoral do povo brasileiro.

“Quando eu elejo um governador ou um presidente da República, eu quero que ele eleja o reitor da universidade e seja responsável por isso. Eu não quero que ele ouça as facções dos garotos do 1º ano da faculdade ou do sindicato dos professores ou do sindicato dos servidores. Eu quero votar em um político brasileiro e saber que ele vai ser responsável pela escolha dos reitores das universidades brasileiras”, explicou o ex-presidente.

O desembargador disse esperar que governantes brasileiros recuperem a legitimidade dada pelo voto popular e voltem a fazer essas escolhas. “Mas eu ponho a mão na consciência e falo, sobretudo, para os juízes de primeiro grau: foi um mal quando fizemos o assembleísmo corporativo nas Forças Armadas, nos anos 1960, em que o Clube de Sargentos se reunia para xingar o oficial general de qualquer das Forças Armadas. Nós sabemos, na década de 60, no que isso deu.”

Prieto destacou que certos cargos (oficiais generais, diretores do Banco Central e reitores da educação brasileira, entre outros) devem ser nomeados pelo chefe do Executivo responsável pela esfera. “E nós estamos agora importando isso, essa onda, para os tribunais, chamando isso de “democracia direta” […] E será um mal no Judiciário, se nós pusermos esse assembleísmo corporativo sob o disfarce da eleição direta. E onde há eleição direta, de fato, no Judiciário, os exemplos foram desastrosos”, disse.

Como exemplo desse problema, Prieto citou a escolha direta para magistrados na extinta União Soviética e em alguns estados dos Estados Unidos. “Nestes estados americanos, em alguns deles, depois de alguns anos, a pedido da sociedade, criou-se a necessidade de aplicar o precedente Al Capone, para punir juízes estaduais, deslocando a competência para a Justiça Federal, porque esses tribunais estaduais, com o alarido eleitoral, começaram a se distrair por muitos motivos.”

Resumo da gestão
O ex-presidente também aproveitou seu discurso para fazer um balanço de sua gestão à frente do TRF-3. Atualmente, o tribunal tem um orçamento de R$ 1,7 bilhão e conta com 11 mil servidores distribuídos entre São Paulo e Mato Grosso do Sul. O desembargador destacou a implantação do processo eletrônico em toda a corte, a criação de turmas exclusivas de Direito Penal e a prestação de serviços na área previdenciária.

"Entrego o tribunal com 20% a menos do estoque de processos que nós tínhamos há dois anos. Entrego o tribunal com o sistema de controle interno mais forte do que encontrei. Já era muito bom. Em fevereiro de 2014, tomei posse. Quinze dias depois, o Controle Interno do Tribunal — repito, que já era muito bom — me fez uma proposta para aprofundar ainda mais a fiscalização, inclusive e sobretudo, no meu caso, sobre a presidência. Em março, eu implementei esse sistema", disse Prieto.

"Eu mantive o sistema de fiscalização este ano e saio do tribunal com as contas aprovadas, de novo, sem passar no Plenário. As contas desses dois últimos anos simplesmente foram aprovadas sem passar no Plenário do TCU. Aprovadas no rito expresso", complementou o desembargador federal.

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