Opinião

Grávida não tem estabilidade em contrato com prazo determinado

Autor

  • Renato Melquíades de Araújo

    é advogado mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco mestre em Relações Industriais e Empregatícias pela Università di Torino e especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Mackenzie-SP.

21 de fevereiro de 2016, 6h56

Decisão recente da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) rejeitou o pedido de reconhecimento da garantia de emprego devido a gravidez durante contrato de aprendizagem, dada a ciência prévia das partes a respeito da natureza precária do pacto.

Segundo o site do tribunal, a ex-funcionária de uma empresa do ramo de telemarketing ingressou com reclamação trabalhista, alegando ter estabilidade no emprego por estar grávida, ainda que seu contrato celebrado tenha sido de aprendizagem, com prazo de término previamente fixado.

Em sentença, o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Niterói rejeitou o pedido. Interposto recurso ordinário pela reclamante ao TRT-1, a desembargadora Cláudia de Souza Gomes Freire, relatora do recurso, avaliou que a decisão não merecia reforma.

Segundo ela, no contrato a termo, as partes têm ciência prévia da natureza precária do pacto, o que inviabiliza, por inconciliável, a garantia de emprego ou a estabilidade provisória. A relatora observou, ainda, que o contrato a termo a que se refere o inciso III da Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho é aquele que poderá vir a ser transmudado para indeterminado, o que não se coaduna com a hipótese da aprendizagem, estabelecida pelo artigo 428 da CLT. Os desembargadores da 9ª Turma acompanharam o voto por unanimidade.

A decisão foi brilhante, visto que, sem qualquer sombra de dúvidas, os termos do artigo 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não conferem garantia de emprego ou estabilidade provisória a gestante em contratos a prazo determinado. A ressalva feita quanto à aplicabilidade da absurda Súmula do TST foi um equívoco periférico, mas, data vênia, grave.

Ora, a garantia provisória de emprego da gestante encontra-se prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, que assevera:

Artigo 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o artigo 7º, I, da Constituição:

I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no artigo 6º, caput e parágrafo 1º, da Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966;

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
a) omissis;
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Desse modo, a garantia de emprego da gestante se opõe a toda e qualquer dispensa arbitrária ou imotivada, que ocorre por meio de ato unilateral do empregador. Todavia, a contratação de determinada empregada por meio de alguma das poucas modalidades de contrato a prazo determinado admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro (ex vi artigo 443 da CLT) não pode dar ensejo à estabilidade em decorrência de gravidez, pois não há demissão.

Artigo 443 da CLT. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.

Parágrafo 1º. Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

Parágrafo 2º. O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório; 
c) de contrato de experiência.

A tese ora advogada conta com forte sustentação na doutrina de Maurício Godinho Delgado[1], para quem a pactuação regular de contrato de trabalho a prazo determinado afasta a incidência das garantias de emprego, pois significaria a alteração do ajuste eficaz e legalmente válido, transformando em contrato a prazo indeterminado:

“Os contratos a termo propiciam parcelas rescisórias mais restritas em favor do empregado, se comparadas àquelas características aos contratos indeterminados no tempo (…)

Ciente de que os contratos a termo não atendem aos objetivos básicos do Direito do Trabalho, a legislação busca restringir ao máximo suas hipóteses de pactuação e de reiteração no contexto da dinâmica justrabalhista. Contudo, caso licitamente pactuados, não retira o ramo justrabalhista as consequências próprias e específicas a esse modelo de contratação empregatícia.

Entre tais consequências está aquela que informa que, nos contratos a prazo, os institutos da interrupção e suspensão contratuais não produzem os mesmos efeitos típicos aos contratos indeterminados (…)

Os mesmos fundamentos inviabilizam, efetivamente, conferir-se incidência às garantias de emprego no âmbito dos contratos a prazo. A prefixação de um termo final ao contrato, em hipóteses legalmente já restringidas, torna incompatível o posterior acoplamento de uma consequência legal típica de contratos de duração incerta – e que teria o condão de indeterminar o contrato, alargando o lapso contratual por período licitamente pactuado”.

Assim, uma vez encerrada a relação de trabalho no prazo previamente ajustado entre as partes para tanto, não há dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas extinção do contrato pelo decurso do tempo.

A jurisprudência do colendo TST sempre foi no sentido de, firmado validamente de trabalho a prazo determinado e rescindido no prazo previamente fixado, não há que se falar em garantia de emprego para a gestante, visto que a extinção contratual não decorre de ato arbitrário.

Todavia, com hipotético suporte em decisão do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho, em sua sessão plenária de 14/9/2012, fez mais uma infeliz mudança radical em sua jurisprudência sumulada, alterando a redação do item III de sua Súmula 244:

Súmula 244 do TST. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. (Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27/09/2012)

I O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).

II A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Ora, por que a empregada gestante contratada a prazo determinado tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, II, b, do ADCT, se esse mesmo dispositivo constitucional condiciona a garantia à ocorrência de dispensa arbitrária ou sem justa causa? Ou será que o TST considera a extinção de contrato pelo decurso do prazo uma dispensa imotivada ou discricionária? E quanto ao ato jurídico perfeito, à imutabilidade das cláusulas contratuais, ao primado da legalidade, à hierarquia das normas constitucionais?

Não há qualquer lei que ampare a extensão do contrato de experiência por superveniência de gravidez. Pelo contrário, o entendimento ofende o disposto no artigo 468 da CLT, pois “só é lícita a alteração das respectivas condições (do contrato de trabalho) por mútuo consentimento”.

Além disso, conforme se extrai da Resolução 185/2012, do Tribunal Pleno do TST, divulgada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho em 25, 26 e 27/9/2012, a alteração do aludido item III se encontra fundamentada em jurisprudência do STF totalmente inespecífica e inaplicável à hipótese de garantias de emprego em contratos a prazo determinado, consoante se extrai das razões de decidir abaixo transcritas:

(…) Estabelece o artigo 10, II, b, do ADCT/88 que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo qualquer restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho, mesmo porque a garantia visa à tutela do nascituro.

A matéria já se encontra pacificada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que tem se posicionado no sentido de que as empregadas gestantes, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme o artigo 7º, XVIII, da Constituição e o artigo 10, II, "b", do ADCT.

Neste sentido cito os seguintes precedentes:

CONSTITUCIONAL. LICENÇA-MATERNIDADE. CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO. SUCESSIVAS CONTRATAÇÕES. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ART. 7º, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO. ART. 10, II, b, DO ADCT. RECURSO DESPROVIDO. A empregada sob regime de contratação temporária tem direito à licença-maternidade, nos termos do art. 7º, XVIII, da Constituição e do art. 10, II, b, do ADCT, especialmente quando celebra sucessivos contratos temporários com o mesmo empregador. Recurso a que se nega provimento. (RE 287.905/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJ 30/06/2006) (…)[2].

O precedente do STF reiteradamente utilizado pelo TST como razão da alteração sumular é inespecífico, pois julga caso de servidora que celebrou sucessivos contratos temporários, enquanto que a súmula trata de contrato a prazo determinado extinto pelo decurso do prazo previamente ajustado.

Além disso, chama a atenção o fato de as decisões que subsidiaram a reformulação do item III da Súmula 244 do TST, conforme divulgado na referida Resolução 185/2012, terem sido, em sua grande parte, proferidas sem unanimidade entre os ministros julgadores quanto ao mérito da garantia de emprego em contratos a prazo determinado, sendo a maior parcela das unânimes relacionadas ao não conhecimento dos apelos.

A nova redação do item III ofende direta e literalmente diversos dispositivos constitucionais, a começar pelo próprio comando do artigo 10, II, b, do ADCT. Assim, a imutabilidade das cláusulas do contrato é direito também da empresa, previsto na CLT, devendo ser protegido ante o disposto no artigo 5º, incisos II e XXXVI, da Constituição Federal.

Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (…) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (…)

Destaque-se ainda que, de acordo com o princípio do silêncio eloquente, o legislador não escreve palavras inúteis na lei e não silencia em vão. Portanto, verifica-se que, quando o legislador pretendeu alterar o ordenamento, editou norma para tanto, como se extrai da Lei 12.812/2013, que acresceu à CLT o artigo 391-A, norma de duvidosa constitucionalidade, mas que não conferiu garantia de emprego à gestante nos contratos firmados a prazo determinado:

Artigo 391-A da CLT. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Assim, a alteração do verbete jurisprudencial (Súmula 244, III), promovida por meio da Resolução TST 185/2012, ofende direta e literalmente o disposto no artigo 5º, incisos II e XXXVI, da Constituição Federal, artigo 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e artigos 443, caput e parágrafo 1º e 2º, e 445, parágrafo único, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Destaque-se, por fim, que muito recentemente, em 5 de abril de 2005, o mesmo egrégio Plenário do Tribunal Superior do Trabalho editou a Resolução 129, que incorporou à Súmula 244 o há muito consolidado entendimento da antiga Orientação Jurisprudencial 196, de 8/11/2000:

(Antiga redação) Súmula 244. Gestante. Estabilidade provisória. (…) III – Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa (ex-OJ 196 — Inserida em 8/11/2000).

Entendimento perfeito, convergente com a doutrina trabalhista clássica e com os dispositivos constitucionais e legais aplicáveis ao tema. É preciso, pois, combater com vigor a equivocada alteração sumular feita pelo TST, sempre com máxima vênia. Súmulas de jurisprudência são importantes, mas acima de tudo estão os comandos da Carta Magna, a subsidiar o livre convencimento do magistrado em decisões contrárias ao novo item III da referida Súmula 244.

Portanto, à luz da lei, da doutrina e da melhor jurisprudência pertinentes ao tema, inexistindo dispensa arbitrária ou sem justa causa com o término da relação empregatícia firmada a prazo determinado, já que a extinção do contrato se dá com o decurso do termo previamente estipulado, não há que se falar em aplicação da regra do artigo 10, II, “b”, do ADCT e, portanto, em garantia de emprego à gestante vinculada por meio de contrato a prazo determinado.


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, 4ª ed., pág. 535.
[2] TST-RR-167300-09.2008.5.24.0003 – Sexta Turma; julgado em 14/12/2011, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho.

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    é advogado, sócio do escritório Martorelli Advogados. É formado pela Universidade Federal de Pernambuco, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie e LLM em Direito Corporativo pelo IBMEC.

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