Opinião

Inconsistências normativas dificultam combate a trabalho infantil no futebol

Autores

  • Leonardo Neri Candido de Azevedo

    é coordenador da área de Direito do Consumidor e Desportivo do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados pós-graduado em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia possui certificado em Administração de Empresas no programa de MBA pela University of Birmingham (UK) e mestrado em Negócios do Esporte pela Loughborough University London (UK).

  • Rafael de Mello e Silva de Oliveira

    é especialista em Direito Trabalhista do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.

20 de fevereiro de 2016, 13h24

Como instrumento de direito fundamental, as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelecem os critérios mínimos para que o Estado e a sociedade se organizem para que as garantias e direitos sejam uma realidade no ordenamento jurídico interno e na vida social.

O início da admissão ao trabalho ou ao emprego deve ser entendido não como um critério imposto à criança ou ao adolescente, mas sim ao Estado e à sociedade para que garantam o direito de proteção ao pleno desenvolvimento de seus jovens. O dispositivo da Convenção 138 da OIT faz o reconhecimento tácito de que a pessoa menor de 18 anos é sujeita de direito e não apenas um indivíduo objeto da tutela dos pais, da sociedade e do Estado.

Nesse sentido, a idade mínima para vínculo de emprego no Brasil é de 16 anos, vedado trabalho que envolva risco ou situações inadequadas ao adolescente antes de 18 anos. A exceção é o aprendiz, que pode trabalhar a partir dos 14 anos (vinculação do trabalho à formação escolar e profissional).

Não obstante, a Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXXIII, proíbe “qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”, restrição reproduzida no artigo 403 da CLT. Esta também é a diretriz contida no artigo 29, parágrafo 4º, da Lei Pelé, o qual restringe a idade do atleta não profissional e formação ao mínimo de 14 anos.

O grande dilema a ser enfrentado no caso do trabalho infantil dos jovens jogadores ao redor do Brasil está na eventual constatação da hipercompetividade e a seletividade dos treinamentos ofertados por grandes clubes de futebol a crianças e adolescentes, oportunidade em que a prática desportiva se enquadraria na modalidade de desporto de rendimento, ainda que não profissional, a teor do que dispõe o artigo 3º, inciso III, da Lei Pelé. Sendo assim, verifica-se a existência da relação de trabalho lato sensu, o que, no caso dos jovens menores de 14 anos, é vedado pelos artigos 7º, XXXIII, e 227, parágrafo 3º, inciso I da CF de 1988.

Assim, a norma apenas permite formação dos jovens talentos por meio de atividade lúdica, não restando caracterizada a atividade laboral aos menores de quatorze anos, sendo proibida a criação de qualquer vínculo até o alcance da idade mencionada.

Nesse cenário, os responsáveis pela formação dos atletas têm que lidar com a dificuldade de segurar os jogadores mais destacados, os quais são constantemente sondados por empresários do meio, principalmente para jogarem no exterior.

A tenuidade da polêmica da atuação do Ministério Público do Trabalho vai além dos aspectos meramente esportivos, pois o fato de os jovens seguirem regras, como rotina de treinamentos, ficarem ou não por períodos em alojamentos quando em competição, realizarem um trabalho disciplinar e, assim, estarem sendo preparados para que no futuro possam ser jogadores profissionais, pode ser compreendido como um sistema de reprodução do trabalho infantil.

Diante de tal fato, o Ministério Público do Trabalho possui a incumbência de atuar para resguardar o cumprimento das leis trabalhistas. Caso o MPT identifique potencial descumprimento, seja por notícia de algum órgão de fiscalização ou por denúncia, em regra abre um procedimento preparatório para obter maiores informações. A partir desse ponto o MPT pode instaurar um inquérito civil visando a produção de provas que confirmem a suspeita de descumprimento da lei trabalhista ou que a afaste. Sendo confirmada a suspeita, o MPT tem ainda duas possibilidades, sendo a primeira a proposta de acordo extrajudicial denominado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou o ajuizamento de Ação Civil Pública.

Por fim, é necessária uma discussão mais aprofundada sobre o tema, com pormenorização das inconsistências da norma esportiva vigente, pois em relação às competições de alta performance, se o país deseja competir em âmbito mundial, o início das preparações deve ocorrer de forma precoce, não deixando de lado os limitadores que possibilitam o desenvolvimento do indivíduo, acima de tudo, como cidadão de direito.

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