Opinião

Supremo julgou matéria requentada sob nuvem de mediocridade

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19 de fevereiro de 2016, 10h44

Nesta quarta-feira (17/2), uma nuvem de mediocridade pairou sobre o Supremo Tribunal Federal, quando por uma maioria de seus membros foi decidido que as sentenças criminais condenatórias poderiam ser executadas após sua confirmação por uma única instância recursal.

Nesse episódio, uma constatação chamou a atenção dos advogados que atuam na área criminal: as razões infelizes expostas pelo ministro Luiz Fux, divulgadas pela mídia, no sentido equivocado de que essa decisão iria contribuir para a redução do manejo de recursos para os tribunais superiores.

Essa matéria é requentada. Já foi tratada pelo então ministro Cezar Peluso, quando presidente do Supremo Tribunal Federal, ao defender perante o Congresso Nacional, à época, sem sucesso, uma reforma da Constituição em tal aspecto, quando não obteve sequer o apoio de qualquer um dos seus pares naquela corte, deixando de merecer o apoio, também, não só da associação dos magistrados como da representação dos membros do Ministério Público, tendo enfrentado à época fortes críticas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e de diversos outros setores da comunidade jurídica.

Agora, a discussão volta à pauta, em decorrência de idêntica iniciativa frustrada feita de novo junto ao Congresso Nacional visando alteração da norma constitucional, sob o patrocínio do senhor Sérgio Moro, que a defendeu, também sem sucesso, perante aquela casa legislativa.

Após fracassada de novo a pretensão perante o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal — não por unanimidade — resolveu, sem permissão constitucional e contrariando seu próprio posicionamento sedimentado durante anos, com inegável ofensa ao principio da inocência dos acusados, executar as sentenças condenatórias  antes do seu trânsito em julgado, em flagrante desrespeito ao texto constitucional vigente insculpido no artigo 5º, inciso LVII, que expressa “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, com dose de autoritarismo sem precedentes.

Em matéria criminal, essa iniciativa se constitui em mais um atentado aos direitos humanos, na medida em que nossos presídios — verdadeiros depósitos — estarão abarrotados de presos “temporários”, ali encarcerados “provisoriamente”, até que instância recursal superior os declare, definitivamente, inocentes.

Que se construa, então, em todo o país, dezenas de novos presídios para atender os possíveis e prováveis encarcerados provisórios inocentes que surgirão. Em vez dos conhecidos Bangu I, II e III, etc., teremos agora os “P.P.I. — Presídios Provisórios dos Inocentes”, I, II, III, etc…

Serão milhares de presos em resposta à primeira confirmação de uma sentença criminal condenatória e serão outros milhares de presos soltos quando as instâncias superiores os declararem, finalmente, inocentes; ineptas as denúncias; nulas as sentenças; prescritas as pretensões punitivas e reduzidas as penas a patamares não condizentes com o encarceramento.

E quem atua na área criminal, juízes, promotores, advogados e defensores públicos sabem muito bem que o número de casos de absolvição, redução drástica da penas, decretos de nulidade de sentenças, trancamento de ações penais diversas por habeas corpus nas instâncias superiores (STJ e STF) é enorme. E como ficarão, então, os presos, aos montes, quando reconhecidamente inocentes após o encarceramento? Terão o rótulo de uma nova classe social? Serão os ex-presidiários inocentes do Supremo Tribunal  Federal? EPISTF?

E fiquem certo de que os inocentes ficarão presos e encarcerados por muito tempo, pois pode até parecer masoquismo, mas o certo é que os recursos para as instâncias superiores poderão continuar a ser manejados, ou seja, poderão continuar abarrotando os tribunais superiores, contudo, com uma grande e essencial diferença, ou seja, a presunção não será mais a da inocência até o trânsito em julgado e sim a da culpa com encarceramento antecipado antes do último julgado, que poderá ser o de reconhecimento da inocência e consequente absolvição. Assim, essa decisão da suprema corte traz apenas uma inversão de valores, humanos.

O Supremo Tribunal Federal — não por unanimidade — ao assim decidir, o fez na presunção equivocada de que os juízes de primeira instância são infalíveis em suas sentenças criminais e que tais veredictos de primeiro grau serão examinados, relatados e julgados sempre em ambientes tranquilos em esfera recursal, por desembargadores com tempo bastante, minucioso exame do processo e não muitas vezes em sistema de mutirão, apenas por juízes também de primeiro grau, convocados, ou até por assessores, mal ou bem preparados, conhecedores ou não de processos criminais e do direito penal.

Essa decisão da suprema corte não se presta para atingir o objetivo anunciado. O problema não concentra-se nos recursos e sim na má gestão do Judiciário. Trata-se de uma decisão oportunista e midiática.

Não temos juízes em milhares de comarcas; em milhares de casos temos um só magistrado atendendo, sozinho, em mais de uma comarca; incontáveis juízes que só trabalham “tqq”, terça, quarta e quinta; juízes que não produzem e não são punidos; juízes por aí mal remunerados; comarcas sem estrutura suficientes; burocracia por vezes estúpida e desnecessária; gastos excessivos em supérfluos; prédios palacianos; carros de luxo; corredores pouco movimentados que mais parecem pistas de skate e patins; plenários suntuosos; ares imperiais; uma Justiça atrasada e distante do seu povo e de seus anseios. Disso é que deveria estar tratando essa maioria de membros da Suprema Corte e não propor a correção da má gestão do Judiciário levando ao cárcere, precocemente, muitas pessoas inocentes antes de assim declaradas finalmente em nome de uma agilidade processual que sabe-se, de antemão, que não será alcançada com iniciativas midiáticas do tipo.

Felicitamos os eminentes ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Marco Aurélio e Rosa Weber, que se posicionaram contra essa decisão inconstitucional, arbitrária e abusiva da nossa suprema corte.

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