Opinião

Decisão do STF de antecipar cumprimento de pena é desastre humanitário

Autor

  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é ex-presidente da OAB-SP (por três gestões 2004/2012) membro honorário vitalício da OAB-SP presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP.

18 de fevereiro de 2016, 8h38

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ocorrida neste 17 de fevereiro, mudando a jurisprudência da Côrte, passando a permitir que, depois de decisões de segundo grau  confirmatórias de condenações criminais, a pena de prisão já seja executada, representa um retrocesso e um desastre humanitário. 

A corte suprema tem o dever de garantir a observância da Constituição Federal e com esta decisão, o que vemos é a negação do princípio da presunção de inocência, esculpido no inciso LVII do artigo 5º, que estabelece que  “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Nosso sistema penal está sedimentado em garantias individuais que visam equilibrar a relação entre o Estado todo poderoso e o cidadão, na busca de Justiça. Esse sistema garantidor está construído em nossa Constituição Federal, que precisa ser observada e respeitada, antes de tudo e de todos.

Exatamente nos momentos de crise é que mais precisamos da nossa Constituição Federal, a garantir nosso sistema e nossas instituições, sem se admitir flexibilizações de seus conceitos duramente conquistados, a que pretexto for.

Portanto essa decisão do STF, além de ser equivocada, revela-se, repito, um desastre humanitário, pois se está suprimindo garantias constitucionais do cidadão, no tocante a sua defesa, agravada pelo fato de nosso sistema prisional brasileiro encontrar-se falido. 

Enquanto o mundo busca caminhos para punir sem encarcerar, essa decisão privilegia o encarceramento antecipado, na contra mão da evolução do direito penal mundial.

Por mais que se sustente que a "voz das ruas" irá aplaudir essa decisão, lembremo-nos sempre que foi a "voz das ruas" que condenou à morte Jesus Cristo. Nossa justiça é realizada por homens e os homens são falíveis, assim, também nossa justiça é falível, cabendo-nos a todos, lutar para que tenhamos um sistema de garantias, a diminuir a falibilidade dessa justiça humana.

Todas as vezes que o mundo lançou mão de mecanismos que suprimiram garantias constitucionais do cidadão e que aumentaram o encarceramento, na busca de soluções para seus problemas ou para diminuir a criminalidade, o resultado foi frustrante e as consequências desastrosas para todos.

Negar o princípio da presunção de inocência, não é fechar uma janela da impunidade, mas é sim, abrir a porta para o erro judiciário, é mutilar nossa Constituição Federal e patrocinar injustiças, no palco desse grande desastre humanitário. 

Esperamos que esse entendimento que deu suporte a essa triste decisão, não se cristalize e o STF, guardião maior de nossa Carta Magna, cumpra seu dever, guardando nossa Constituição Federal, se necessário, contra tudo e contra todos.

Autores

  • é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, Conselheiro Federal da OAB, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), presidente de honra da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM). Foi presidente da OAB-SP por três gestões (2004/2012).

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