Opinião

Planejamento tributário no caso Neymar é bastante justificável

Autores

  • Vanessa Rahal Canado

    é coordenadora do Núcleo de Tributação do Insper.

  • André Carvalho Sica

    é sócio-fundador do escritório CSMV Advogados sendo responsável pela área de Direito Desportivo atua nos tribunais arbitrais da Fifa e do CAS é postgraduated certified em Direito Desportivo pela Kings College London (Inglaterra) e leciona Direito Desportivo nos cursos de especialização de CBF Academy ESA e Federação Paulista de Futebol.

17 de fevereiro de 2016, 6h21

Em 2 de fevereiro, logo após ter sido publicado texto no site oficial do jogador Neymar Jr. intitulado Quatro Perguntas ao Procurador Thiago Lacerda, o Ministério Público Federal divulgou em seu site uma longa notícia sobre a investigação que vem sendo feita.

Aparte a utilização de termos bastante fortes (“forjaram uma série de documentos”, “os esquemas arquitetados”, “as fraudes foram praticadas”) e acusações bastante contundentes, como a de falsidade ideológica, os detalhes narrados pelo Ministério Público indicam que a estrutura de remuneração utilizada pelo jogador não diferia de tantas outras utilizadas, ainda atualmente, por artistas e desportistas menos ou mais conhecidos na mídia.

Essa estrutura caracteriza-se pela utilização de uma ou mais pessoas jurídicas para recebimento da parte dos valores devidos aos artistas e desportistas que não correspondem à parcela remuneratória pelo seu trabalho. Essa parcela recebida via pessoa(s) jurídica(s) geralmente refere-se à contraprestação pela exploração de direitos de imagem. E por que isso é feito? Simplesmente por uma economia fiscal a qual, aliás, está expressamente permitida por lei desde 2005.

A constituição de pessoas jurídicas para economia de tributos decorre, na verdade, de uma distorção da carga tributária existente entre pessoas físicas e jurídicas. Simplificadamente, enquanto as pessoas físicas pagam cerca de 25% de impostos ao receberem seus rendimentos, as pessoas jurídicas pagam em torno de 15%.

A contestação desse procedimento (muito conhecido como “planejamento tributário”) não é nova e ganhou os holofotes com autuações de famosos artistas e desportistas no início dos anos de 2000. Embora a cobrança dos impostos tenha sido mantida em última instância de julgamento administrativo, denúncias por fraude ou sonegação fiscal ou sequer se iniciaram, ou, quando feitas, foram derrubadas posteriormente por órgão de julgamento do próprio Ministério da Fazenda.

Esses episódios indicavam que a constituição de pessoas jurídicas para o pagamento de impostos menores, embora realizada de acordo com os procedimentos previstos em lei (as pessoas jurídicas eram regularmente constituídas, registradas em órgão público, e, ainda, cumpriam todas as obrigações próprias impostas pelo Fisco), não seria aceita pela Receita Federal.

Toda a celeuma poderia ter se encerrado por aqui, ou seja, com esse “recado” do Fisco, o que provavelmente induziria comportamentos diferentes. Mas não. Seguiu-se, em 2005, a publicação de uma lei que autoriza expressamente esse tipo de planejamento tributário, contrariamente ao entendimento que havia sido fixado pela Receita Federal. Em outros termos, considerando que o procedimento estava sendo questionado pelo Fisco, o Congresso então aprovou uma lei para prever expressamente a possibilidade de sua utilização.

Essa lei (artigo 129, da Lei 11.196) é taxativa ao afirmar que, para fins fiscais, podem ser constituídas pessoas jurídicas para prestação de serviços de natureza artística ou cultural, inclusive em caráter personalíssimo, e ainda que a sociedade não designe nenhuma função aos sócios ou empregados. A única exceção trazida por essa regra refere-se à eventual caracterização de abuso da personalidade jurídica, mas que haverá de ser reconhecida judicialmente, ou seja, por um juiz, nunca por parte da Receita Federal ou do Ministério Público.

Essa regra pode causar diversas interpretações e ser questionada judicialmente? Com certeza. Pode-se debater, por exemplo, o que seriam serviços de natureza artística ou cultural. Poder-se-ia discutir, ainda, a possibilidade de licenciamento do direto de uso de imagem a uma empresa que, ato contínuo, sublicenciaria a um clube. Contudo, esses são debates tipicamente jurídicos, ou seja, é aquilo que ocorre rotineiramente com toda e qualquer norma legal, já que sempre pode haver dúvidas sobre o sentido das regras.

Portanto, no caso específico do atleta Neymar, é, no mínimo, bastante justificável a utilização desse procedimento previsto em lei, o que, sem dúvida, pode gerar discussões jurídicas, mas jamais justificaria acusações tão contundentes de crime de sonegação fiscal, falsidade ideológica ou fraude.

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