Justiça Tributária

Terrorismo tributário causa prejuízos ao povo e ao país

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

15 de fevereiro de 2016, 7h00

Spacca
Segundo noticiou a imprensa, o ministro da Defesa comparou a epidemia de zika com o terrorismo, e a presidente adiou o anúncio de cortes de despesas previstas no orçamento. Enquanto isso, governos estaduais aumentam o ICMS, e municípios querem cobrar IPTU acima do valor real dos imóveis. Tudo isso leva-nos a concluir que estamos vivendo sob um regime de terrorismo tributário que causa prejuízos ao povo e ao país.

A cobrança excessiva de impostos e a insegurança jurídica na legislação aplicável não são novidades. Em 12 de novembro de 2010, durante o XXI Simpósio Nacional de Estudos Tributários, Ellen Gracie, então ministra do Supremo Tribunal Federal, afirmou:

“Neste país, nunca se sabe quanto tem que se pagar de impostos. E isso causa infelicidade nos cidadãos e atrapalha o crescimento”.

Terrorismo, como o dicionário define, é o “sistema governamental que impõe, por meio de terror, os processos administrativos sem respeito aos direitos e às regalias dos cidadãos”.

Em diversas oportunidades, já comentamos os atos que bem representam a definição, tais como o protesto das dívidas de tributos, a criação de cadastro de inadimplentes, a proibição de emissão de notas fiscais, a aplicação de regimes especiais abusivos etc.

Agora pretendem os governos aumentar a carga tributária ainda mais. A nível federal surge a proposta de ressuscitar a CPMF, aprova-se a possibilidade de quebra de sigilo bancário como instrumento de arrecadação, limitam-se deduções do Imposto de Renda sem considerar a variação real da moeda nacional etc.

Tais atos constituem uma série de tentativas de transferir para os contribuintes a responsabilidade de cobrir o rombo financeiro causado pela incompetência gerencial, pela irresponsabilidade das autoridades maiores e por inúmeros atos ilícitos.

Os estados, por sua vez, fizeram aprovar no famigerado Confaz um convênio que aterroriza as empresas que fazem operações interestaduais, obrigando-as ao pagamento de valores de duvidosa legalidade, por meio de um mecanismo burocrático impraticável, em especial para as empresas de pequeno porte e microempresas, que a Constituição Federal no artigo 179 garante que merecem proteção e incentivos. 

Além disso, o Fisco estadual cria toda espécie de atos de terror, criando processos administrativos sem respeito aos direitos e às regalias dos cidadãos. Isso acontece, por exemplo, quando são criadas dificuldades para a abertura de novas empresas, muitas vezes com o uso da presunção de que todos são sonegadores até que provem o contrário.

Autos de infração abusivos, com aplicação de multas confiscatórias e juros extorsivos (assim já julgados pelo Judiciário) servem para assassinar empresas, na medida em que inviabilizam suas atividades ou as obrigam a despesas volumosas com suas defesas. Estas, na esfera administrativa, na esmagadora maioria dos casos ali decididos, não servem para nada ante a inexistência de órgãos julgadores imparciais, posto que seus integrantes são nomeados de forma desequilibrada, sem qualquer possibilidade de paridade de julgamento.

Nos municípios, a forma de proceder face aos contribuintes é a mesma. Os processos administrativos são desenvolvidos sem respeito aos direitos dos contribuintes. Cobram-se tributos indevidos, multas confiscatórias e juros extorsivos, aprovados por leis que ignoram todas as regras constitucionais.

Por outro lado, todos os níveis de governo esmeram-se no desperdício do nosso dinheiro e na absoluta irresponsabilidade fiscal.

O governo federal aplica bilhões em obras que nunca terminam e que muitas vezes não servem para nada. Estradas sem conservação, prédios abandonados, planos mirabolantes que servem apenas para enganar incautos, enfim, um estelionato generalizado.

Nos estados não é diferente. Cabides de emprego proliferam para gáudio de apadrinhados incompetentes, verbas de propaganda são usadas para anunciar serviços que não possuem concorrência e são essenciais etc.

Enquanto isso, municípios usam impostos em festas inúteis, obras ridículas e superfaturadas e, para variar, arranjar empregos para os cúmplices do prefeito nos tais atos de terrorismo.

Os princípios de legalidade e moralidade do artigo 37 da Constituição jamais são aplicados. Até mesmo o inciso II do artigo 5º da Lei Maior deixa de ser aplicado neste país onde portarias, resoluções, instruções e outros atos administrativos que possam surgir na mente tresloucada de servidores megalomaníacos são colocados como atos divinos, acima de tudo e de todos!

O artigo 145 da Constituição parece que não vale nada quando determina que “§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Nossa carga tributária atual já ultrapassa 40% do PIB, embora as duvidosas estatísticas baseadas em índices oficiais assinalem que estaria por volta de 36%. A soma de tributos que incidem até mesmo nos produtos básicos onera toda a população e de forma mais prejudicial os que ganham menos e os assalariados, ou seja, aqueles que possuem poucas possibilidades de defesa diante dessa verdadeira roubalheira oficial, dessa sucessão de atos de terrorismo.

Diante desse quadro, recusam-se nossas autoridades em todos os níveis a adotar as medidas necessárias para reduzir seus gastos.

Aqueles que detenham alguma parcela de poder procuram ampliar seus privilégios: aposentadorias precoces e nababescas, carros e motoristas oficiais, auxílio moradia até para quem tem casa própria e outras tantas coisas que deveriam envergonhar seus beneficiários diante das dificuldades dos demais contribuintes.

Aquela norma constitucional de que todos são iguais perante a lei não serve na prática para muita coisa. Afinal, muitos são mais iguais que os outros.

Não parece que tal quadro mude a curto ou médio prazo. Num país em que analfabeto vota em troca de esmolas ou pequenos favores e onde criam-se partidos em cada esquina para que espertalhões possam mudar de sigla a qualquer momento para se beneficiar de alguma forma, mudanças não ocorrem com a presteza necessária.

Resta-nos invocar o que disse Margareth Tatcher em 1983, na Convenção do Partidor Conservador: “Nenhuma nação jamais se tornou próspera por tributar seus cidadãos além de sua capacidade de pagar”.

Abaixo o confisco, e Justiça Tributária ainda que tardia!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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