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Em despacho de 48 páginas, juiz nega seguimento a ação considerada simples

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15 de fevereiro de 2016, 11h53

O juízo comum pode e deve remeter ao Juizado Especial Cível todas as demandas simples e de valor inferior a 40 salários mínimos. Manter na vara cobrança de valor inferior a este patamar contraria o espírito da Constituição e encarece a operação. Com este entendimento, o juiz Adalberto Narciso Hommerding, da 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Rosa, no interior gaúcho, declinou da competência de uma ação declaratória, cumulada com repetição de indébito e indenização por dano moral, ajuizada contra uma operadora de telefonia.

Apesar da simplicidade da ação, o juiz fundamentou sua decisão em um despacho de 48 páginas. E avisou à parte autora que não iria revisar sua decisão em caso de reforma no segundo grau. Conforme o juiz, a parte não pode se valer dos dispositivos legais para manipular a jurisdição, desvirtuando os fins para os quais os JECs foram criados.

Assim, criticou a Lei 9.099/1995, segundo a qual a opção pelos Juizados leva à renúncia do valor além do limite de 40 salários mínimos — exceto em caso de conciliação.Também critica a lei estadual 10.675/1996 que diz que a opção pelos JECs é do autor da ação.

Para o julgador, os dispositivos devem ser considerados inconstitucionais se sua aplicação resultar em violação dos princípios da celeridade, da eficiência, da razoabilidade e proporcionalidade — estes dois últimos entendidos como equanimidade.

‘‘Antes de qualquer outra análise, é dever do juiz perquirir a compatibilidade legal do dispositivo legal com a Constituição. Assim, deve-se perguntar, sempre, se, à luz da Constituição, a regra jurídica é aplicável ao caso. Mais que isso, como ensina Lenio Luiz Streck: em que sentido aponta a pré-compreensão, condição para a compreensão do fenômeno?’’, analisa.

O julgador aproveitou para desabafar. Afirma que o país criou um sistema próprio para julgar pequenas causas. Mas que, em "respeito à vontade da parte", com uma interpretação equivocada da lei dos JECs e o benefício da assistência judiciária gratuita, tem se admitido essas ações nas varas comuns, levando ao esvaziamento das instâncias especiais. ‘‘Enquanto permitimos que assim se proceda, demandas mais importantes são relegadas a segundo plano, pois, como juízes, temos de construir ‘números’ em mapas para dar satisfação ao CNJ", escreveu.

Mais caro
Para ele, o ideal seria que quem demandasse no Juizado Especial Cível fosse isento do pagamento das despesas, não sendo necessário nem solicitar assistência judiciária gratuita. Porém, se apresentar a ação no juízo comum, deve perder o direito à assistência, já que a causa é de baixo valor. 

Para provar seu ponto de vista, o julgador ainda citou alguns números de sua cidade, Santa Rosa: em janeiro, as três varas da comarca somavam 27 mil processos, enquanto os juizados tinham pouco mais de mil processos. Em uma estimativa de que 40% desta demanda poderia ir para os juizados cíveis, só a diferença entre o custo de citação por Aviso de Recebimento nos juizados especiais (R$ 10,86) e no juízo comum (R$ 31,35) seria de R$ 216 mil — pagos pelo Judiciário.

‘‘Por tudo o que foi dito, não há qualquer interesse processual do autor em veicular demanda da espécie nos Juizados Especiais, e isso tanto do ponto de vista jurídico — portanto, constitucional — como do ponto de vista econômico. Então, não pode ser movimentado o juízo comum da máquina judiciária — que não é a financiadora, patrocinadora ou tutora econômica da ‘cidadania’ — do modo como está sendo movimentado’’, concluiu o juiz gaúcho.

Clique aqui para ler a íntegra do despacho.

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