Opinião

Titularidade de honorários de sucumbência volta à pauta do STF

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15 de fevereiro de 2016, 6h11

 A questão dos honorários de sucumbência está novamente em pauta. Uma nova Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5055-DF) foi ajuizada contra a transferência de titularidade dos honorários de sucumbência do vencedor do processo (artigo 20 do CPC) para o advogado do vencedor (artigos 22 e 23 do EOAB). A importância e repercussão da nova ADI sobre milhões de processos e no patrimônio dos jurisdicionados pedem ampla publicidade do caso e respeitoso debate sobre o tema.

A associação nacional autora, além dos argumentos fundados na doutrina clássica e manifestações dos Ministros do Supremo, destaca na petição inicial que:

É lamentável que no Congresso Nacional, onde estão os
representantes eleitos para exercerem o poder em nome do povo (CF, § único do artigo 1º), e onde se votam leis que deveriam ter caráter abstrato, mas que no mais das vezes são leis corporativas em detrimento da regra de conduta estabelecida pelo Código de Processo Civil, que é um “instrumento que o Estado põe à disposição dos contendores para atuação do direito e realização da justiça” (Exposição de Motivos, III, a), 17), através do qual o Estado exerce o monopólio da jurisdição, função decorrente de sua soberania, e esse espírito corporativista é exatamente o que contraria o princípio o sucumbimento.

Partindo dessa premissa legal, devem os honorários sucumbenciais se destinar ao reembolso da parte vencedora da demanda, porque se assim não for, além da evidente negação de vigência do referido dispositivo, estar-se-á enriquecendo ilicitamente advogados inescrupulosos, que se aproveitam do corporativismo que levou o Congresso Nacional e a Presidência da República a dar vigência ao artigo 23 da Lei 8906/94, o que, com efeito, foi uma IMORALIDADE do Legislador.[1]

Na ADI anterior (ADI 1.194-4/DF) sobre a mesma questão dos honorários de sucumbência, extinta sem julgamento do mérito quanto aos artigos 22 e 23 da EOAB, mas com claro indicativo de inconstitucionalidade nos pronunciamentos dos ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluzo, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, o Ministério Público, em parecer da Subprocuradora-Geral da República Anadyr de Mendonça Rodrigues, opinou pela parcial procedência da referida ação, defendendo que “o titular do direito a tais honorários faça deles uso, como lhe aprouver, mediante ajuste contratual”.[2]

A ementa apresentada pelo Ministério Público na anterior ADI 1.194-4/DF resume parecer pela procedência parcial da ADI 1.194-4/DF, assim:

2. Honorários advocatícios: estando no campo dos bens DISPONÍVEIS, não há razoabilidade jurídica em se pretender impedir que o titular de direito a tais honorários faça deles uso, como lhe aprouver, mediante ajuste contratual.

3. Cerceamento, pela LEI, ao titular do direito sobre os honorários advocatícios, da LIBERDADE DE DISPOR de tais bens: inconstitucionalidade, frente à garantia constitucional do direito de propriedade.

4. Ação direta de inconstitucionalidade suscetível de ser julgada procedente apenas em parte.[3]

Na nova ADI 5.055-DF, a Procuradoria Geral da República, em parecer assinado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, representando o Ministério Público, seguindo outro caminho, apresentou manifestação pela improcedência da nova ADI, sem mesmo exigir ajuste contratual para transferência dos honorários de sucumbência, mínima garantia para o jurisdicionado, conforme ementa abaixo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 22 E 23 DA LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994 (ESTATUTO DA OAB). ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 1º, II E III, E 5ª CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: INOCORRÊNCIA.

3 – Honorários de sucumbência. Titularidade. Conflito aparente de normas. Adequação do disposto nos arts. 22 e 23 do Estatuto da OAB com o § 3º do art. 20 do CPC. Caráter remuneratório da verba honorária fixada na sentença. Princípios da causalidade e da sucumbência que não afastam a natureza alimentar dos honorários. Liberdade de pactuação entre cliente e advogado quanto a destinação dos honorários de sucumbência que possibilita eventuais compensações com os honorários contratuais, de modo a preservar o direito da parte vencedora à recomposição do conteúdo econômico-patrimonial.

4 – Parecer pelo não conhecimento da ação ou, caso conhecida, pela improcedência do pedido.[4]

A Constituição Federal incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da CF). O devido processo legal substantivo e o acesso ao Judiciário institucionalmente justo é ferramenta indispensável para realização da ordem jurídica, do regime democrático e direitos sociais.

Causa surpresa, então, ver o Ministério Público apoiar transferência de verba indenizatória do jurisdicionado (artigo 20 caput do CPC) para o advogado (artigo 22 e 23 do Estatuto da OAB), desfigurando o devido processo legal substantivo, desqualificando o acesso ao Judiciário e inviabilizando o cumprimento do princípio da recomposição integral do patrimônio ilegalmente ofendido.

O Ministério Público não deu atenção à posição dos ministros do Supremo sobre o assunto (anterior ADI 1.194-4/DF) e, especialmente, à recente decisão do Plenário do STF, RE 384.866 Goiás, reconhecendo o direito da parte vencedora do processo aos honorários de sucumbência como garantia constitucional de acesso ao Judiciário — inciso XXXV do artigo 5º da Carta de 1988, resumida na seguinte ementa:

-HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ACESSO AO JUDICIÁRIO. A garantia constitucional relativa ao acesso ao Judiciário – inciso XXXV do artigo 5º da Carta de 1988 – é conducente a assentar-se, vencedora a parte, o direito aos honorários advocatícios.

-HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – JUIZADO ESPECIAL – LEI Nº 10.259/01. Uma vez interposto recurso para turma recursal, credenciado advogado, cabe o reconhecimento do direito aos honorários advocatícios.

-HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ARTIGO 29-C DA LEI Nº 8.036/90 –EXCLUSÃO – INCONSTITUCIONALIDADE. A exclusão dos honorários advocatícios prevista no artigo 29-C da Lei nº 8.036/90 surge conflitante com a Constituição Federal, com o princípio segundo o qual o cidadão compelido a ingressar em juízo, se vencedor, não deve sofrer diminuição patrimonial.

O voto condutor do acórdão, acompanhado por todos ministros, destacou que: “Aquele compelido a ingressar em juízo não pode ter contra si, além da passagem do tempo sem que possa usufruir de imediato direito, a perda patrimonial, que estará configurada caso tenha de arcar com as despesas processuais, com ônus decorrente da necessária contratação de advogado para lograr a prestação jurisdicional, a eficácia do direito integrado ao patrimônio.”[5]

O parecer da PGR toma como fundamento a natureza alimentar dos honorários, deixando de fazer a necessária distinção entre honorários contratuais, onde a natureza remuneratória e alimentar é certa, e os honorários de sucumbência que, apesar do nome honorários, têm natureza nitidamente indenizatória, como determina o caput do artigo 20 do CPC, devidamente explicitado e justificado na respectiva Exposição de Motivos.

O processo judicial, sem a automática indenização das despesas ao vencedor, passa a ser defeituoso e insuficiente, mascarando o acesso ao Judiciário, como já assentou a Corte Suprema. O jurisdicionado que, para receber 100 no Judiciário, gasta 20% de honorários contratuais com seu advogado, por exemplo, sem a verba de sucumbência indenizatória, recebe somente 80% de seu direito, ofendendo todos os princípios de justiça.

Por outro lado, a manutenção da verba indenizatória automática para o jurisdicionado, cumprindo sua função lógica e constitucional, não causa qualquer prejuízo ao advogado, que, experto em direito e relações sociais, tem competência e poder para contratar honorários dignos, incluindo eventualmente a própria verba indenizatória, quando devidamente informado o jurisdicionado e considerado o importante princípio da reparação integral do vencedor do processo.

O parecer afirma adequação do disposto nos artigos 22 e 23 do EOAB com o § 3º do artigo 20 do CPC, que define os critérios para fixação da verba com base na complexidade da causa e trabalho do advogado. O argumento é equivocado. O CPC fixou diretrizes para fixação dos honorários de sucumbência permitindo que o juiz não fique atrelado ao valor combinado entre a parte vencedora e seu advogado, evitando valores de indenizações inidôneos.

Parece não haver dúvida que o § 3º mencionado deve ser considerado em consonância com a regra principal do caput (A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios) e não isoladamente. A mudança de titularidade para o advogado prevista no novo CPC (artigo 85, com acelerada elevação no patamar da verba) em nada modifica, pois a inconstitucionalidade da transferência continua.

Ao final, o parecer, tentando remediar o irremediável e deixar uma saída honrosa para a insólita solução apresentada, sustenta que a liberdade de pactuação entre cliente e advogado, quanto à destinação dos honorários de sucumbência, possibilita eventuais compensações com os honorários contratuais, de modo a preservar o direito da parte vencedora à recomposição do conteúdo econômico-patrimonial.

O Ministério Público, que tem incumbência constitucional de atuar para realização do processo judicial justo e para o completo acesso ao Judiciário, deixa para o jurisdicionado, parte mais frágil, consumidor de serviço público, aquele que adere ao contrato, que deve ser protegido, o embaraçoso ônus de negociar com seu advogado a remotíssima possibilidade de mudar a regra da lei e conseguir compensação para poder receber integralmente seu direito.

A Procuradoria Geral da República, em vez de fazer defesa intransigente da necessidade e constitucionalidade de todas as insuspeitas verbas indenizatórias do processo judicial (reembolso de custas, gastos com honorários de advogado, perito e assistente, despesas com viagem e diárias), optou por apoiar incrementos financeiros corporativos, taxa de duvidosa constitucionalidade.

O parecer da PGR, abandonando o cidadão que é obrigado a procurar o Judiciário para realizar seus direitos, com repercussão em milhões de processos judiciais e na própria imagem do Judiciário, pode entrar para a história, por destoar da costumeira e honrosa atuação do Ministério Público, sempre em defesa dos menos favorecidos, equalizando forças, buscando em primeiro lugar interesses sociais e justiça.

A situação não está nada boa para o jurisdicionado, o pacato cidadão que procura o Judiciário. O Estatuto da OAB apoderou-se da verba indenizatória do jurisdicionado. O novo CPC confirmou o avanço e incrementou a verba. A taxa corporativa também está sendo criada na CLT. A Advocacia da União, seguindo o argumento genérico de "verba alimentar", parece que vai apoderar-se da verba indenizatória da União para seus procuradores, além da remuneração normal. Empresas públicas seguem o mesmo caminho.

O quadro é preocupante e permite alguns questionamentos: O serviço público judicial está sendo capturado por interesses privados? Por que o Ministério Público mudou de posição? Será que também tem pretensões futuras sobre a verba honorária, nos processos em que advoga como parte autora?

A nova ADI 5.055 DF é a segunda oportunidade histórica para o STF efetivar o completo acesso ao Judiciário. Espera-se que a Suprema Corte, dando continuidade ao indicativo já delineado na ADI 1.194-4 DF, nos famosos votos dos ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluzo, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, seguindo o sentido da corajosa decisão plenária assentada no RE 384.866 Goiás, acima resumida, afaste os vários obstáculos processuais interpostos contra a nova ADI 5.055 DF e espanque de vez a cegueira deliberada sobre a natureza indenizatória da disputada verba de sucumbência, garanta o correto acesso ao Judiciário, restabeleça a dignidade do jurisdicionado, assim realizando a sempre almejada justiça.


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