Opinião

Simplificação da linguagem jurídica tornou-se uma exigência

Autor

  • Adacir Reis

    é presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia sócio do escritório Adacir Reis Advocacia ex-membro da Comissão de Juristas do Senado Federal para a Reforma da Lei de Arbitragem e Mediação e autor do livro "Curso Básico de Previdência Complementar" (editora Revista dos Tribunais).

15 de fevereiro de 2016, 14h32

Ao fazer um balanço das principais atividades desenvolvidas em 2015 pelo Superior Tribunal de Justiça, o ministro Luís Felipe Salomão registrou, neste Consultor Jurídico, que “nos novos tempos, não há mais espaço para o discurso rebuscado, as palavras inúteis, empoladas”, enfatizando ainda que “o tempo novo é o da brevidade e objetividade”.

Tais palavras me fizeram lembrar uma polêmica em torno de um caso, de Santa Catarina, em que um juiz determinou que se emendasse a petição inicial, para que fosse reduzida a dez laudas, por considerá-la prolixa. O advogado recorreu, alegando ausência de base legal, mas o Tribunal de Justiça manteve a decisão de primeiro grau, considerando-a amparada nos princípios da celeridade processual, da razoabilidade e da eficiência (Agravo de Instrumento 2014.024576-2).

Na ocasião, o desembargador Luiz Fernando Boller advertiu: “Direito é bom senso”. E indagou: “Há bom senso em peças gigantescas, em um momento em que o Judiciário está assoberbado de processos e que tanto se reclama da demora dos julgamentos? Evidente que não!”

Em outro caso, ocorrido no Paraná, a petição inicial do Ministério Público foi recusada por conter 144 folhas, o que, no entendimento do juiz Roger Vinicius Pires de Camargo Oliveira, era um “livro” e não uma peça processual.

Se é por meio da linguagem que o advogado se expressa e se dirige ao magistrado, basta formular a seguinte questão: qual a petição que tem mais chance de ser apreciada? A de cinco páginas ou a de cinquenta? O memorial de uma lauda ou o de dez? Qual a sustentação oral que vai merecer mais a atenção do integrante do Tribunal? Aquela que vai direto ao cerne do problema ou a que se arrasta em citações e malabarismos verbais? A resposta é de uma lógica elementar.

Em sua clássica obra Eles, os juízes, vistos por um advogado, Piero Calamandrei ensinava: “O excesso de doutrina, a excepcional ostentação de citações de autores, o refinado virtuosismo dialético cansam o juiz. Se você escreve demais, ele não lê; se você fala demais, ele não ouve; se você é obscuro, ele não tem tempo para tentar compreendê-lo”. O famoso jurista italiano vai além: “Lembrem-se de que a brevidade e a clareza são os dois dons que o juiz mais aprecia no discurso do advogado”.   

Se tais ensinamentos já eram válidos há algumas décadas, o que dizer dos dias atuais, em que o Brasil atingiu a cifra alarmante de mais de 100 milhões de processos judiciais? 

Em nossa tradição jurídica, com raízes lusitanas, a linguagem formal caracterizou-se pelo verbalismo bacharelesco e pela expressão retórica. A busca da construção estética se sobrepunha à preocupação com o resultado prático. O mundo forense parecia se bastar. Quanto mais pomposas as expressões, maior a presunção de saber. Assim, o parecer jurídico de setenta páginas era visto, em si, como um “denso estudo”, pouco importando se seria lido integralmente, ao passo que o outro, com poucas laudas, poderia sugerir, até mesmo aos olhos do cliente, uma pobreza de argumentos.

Embora os avanços tecnológicos tenham trazido os aplicativos que exigem concisão e velocidade, trouxeram também o fenômeno do “copiar” e “colar”, o qual exacerbou o vício das longas manifestações e a tentação das citações ornamentais.

É claro que em cada área do conhecimento há termos técnicos inevitáveis, com significado próprio. O que merece reprovação é a linguagem pomposa que nada contribui para o esclarecimento da controvérsia.  

No mundo contemporâneo, marcado pela busca da produtividade e da eficiência, não se pode desperdiçar o bem mais precioso do mercado, e também da vida: o tempo. Parece fato incontroverso que todos que atuam no Poder Judiciário nunca trabalharam tanto e também nunca foram tão cobrados a prestar contas como nos dias atuais. Aliás, com a facilidade da tecnologia, os profissionais do Direito trabalham a qualquer hora e em qualquer lugar.    

Com a globalização e com a universalização do processo eletrônico e a prevalência da eficiência no Poder Judiciário, a simplificação da linguagem jurídica está deixando de ser uma questão de estilo para se tornar uma exigência operacional.

Além de um imperativo da atualidade, a objetividade e a brevidade decorrem diretamente dos princípios processuais da razoabilidade, eficiência, oralidade e celeridade.

Neste contexto, iniciativas como a do Tribunal de Justiça de São Paulo, com o projeto “Petição 10 e Sentença 10”, propondo a limitação de tais manifestações a dez páginas, são construtivas e permanecem válidas com as disposições do novo Código de Processo Civil.

O objetivo do advogado é esclarecer e persuadir. Ao redigir uma petição, ao elaborar um memorial ou fazer uma sustentação oral, não cabe preocupação com o brilho pessoal, pois o advogado não é o personagem principal do processo, papel que cabe às partes. Se o profissional do Direito atuar na área consultiva, seu propósito é orientar objetivamente os gestores. O magistrado, por sua vez, como agente do Estado, e fortalecido pelo artigo 139 do novo CPC, está voltado para o comando constitucional  segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (CF, artigo 5º, LXXVIII), além de pautado pelo princípio da eficiência que orienta o poder público (CF, artigo 37).

Não há como o Brasil se desenvolver sem a funcionalidade do Direito. Em uma sociedade caracterizada pela velocidade e pela cobrança de resultados, os profissionais da área jurídica (para não usar o termo “operadores do Direito”) têm o desafio de simplificar a linguagem jurídica e harmonizá-la com a realidade de um país ansioso por transformações.

Autores

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    é advogado, sócio do Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia. Autor do livro Curso Básico de Previdência Complementar, Editora Revista dos Tribunais.

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