Opinião

A necessidade de adaptação de contratos no arrendamento portuário

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13 de fevereiro de 2016, 5h56

O Brasil, com uma costa com mais de oito mil quilômetros navegáveis, movimenta em seu sistema portuário aproximadamente um bilhão de toneladas de cargas por ano. Mais de 90% das trocas internacionais são feitas pelos diversos equipamentos portuários. E, ainda que carregue o estigma de vilão no “custo Brasil”, o transporte aquaviário possui um dos menores custos para o transporte de carga, perdendo somente para o transporte dutoviário e aéreo. O país possui 34 portos públicos, entre marítimos e fluviais, e ainda 42 terminais de uso privativo, além de três complexos portuários.

Hodiernamente, vigora o Decreto 8.033/2013, que regulamenta a Lei 12.815/2013, cujas disposições legais regulam a exploração de nossos portos organizados e instalações portuárias. E, com base nessa regulamentação legislativa (que anteriormente se dava pelo Decreto-Lei 5/1966, regulamentado pelo Decreto 59.832/1966; e após pela Lei 8.630/1993, regulamentada pelo Decreto 4.391/2002 e, posteriormente, pelo Decreto 6.620/2008), assistimos à escalada da operação portuária por empresas privadas, que cada vez mais investem no setor, operando com crescente produtividade, servindo de espeque ao crescimento do país, viabilizando sua atuação no mercado internacional.

Pois bem, o Decreto-Lei 5/1966 dizia que o arrendamento dependeria de “contrato” (sem qualquer alusão a um procedimento licitatório, à época); sendo que tais contratos poderiam ser firmados “a prazo”, sem estipular que prazo poderia ser esse nem aludir à possibilidade ou não de prorrogação (essas particularidades foram relegadas expressamente ao “regulamento” vindouro = Decreto 59.832/1966).

Em razão da contrapartida que se esperava dos arrendatários, o que obviamente levaria tempo para se concretizar (pois a expansão e o aparelhamento de portos são obras complexas e caras), e considerando a inexistência de um prazo contratual razoável no Decreto-Lei 5/1966, o Decreto 59.832/1966 fixou cada período contratual em até dez anos. Tal prazo, sabidamente insuficiente para satisfazer a finalidade dos arrendamentos portuários, foi acompanhado de dispositivo que possibilitava prorrogações dos contratos, de modo ilimitado, ressalte-se, sempre precedidas de novas avaliações, visado à atualização dos valores do arrendamento. Nenhuma menção houve a qualquer procedimento licitatório.

Tal concepção legislativa, de somar vários períodos de médio prazo (dez anos), foi substituída pelo novo conceito trazido pela Lei 8.630/1993. Esse regramento, intitulado “Lei dos Portos”, nada mais fez que regular de modo mais organizado e individualizado o setor portuário, partindo da recém-instaurada premissa constitucional da observância de procedimentos licitatórios para a celebração de novos arrendamentos de instalações e serviços portuários por parte da União. Assim é que que estabeleceu o prazo considerável de 50 anos como o período máximo de vigência de uma única concessão, neste lapso, já incluída a possibilidade de apenas uma prorrogação (25 + 25 anos).

Porque as alterações foram profundas, e preocupado com a adaptação dos contratos vigentes até então; viabilizando sua prorrogação e a preservação de direitos adquiridos; evitando a descontinuidade dos serviços portuários, bem como discussão judicial quanto aos investimentos já feitos pelas arrendatárias (possíveis indenizações), é que o legislador trouxe uma regra de transição, concedendo prazo de 180 dias para que a União promovesse a imperiosa e necessária adaptação dos contratos ao novo regramento jurídico, seja quanto ao arrendamento de instalações em portos organizados seja quanto à autorização nos terminais portuários privados.

Assim, impôs-se a harmonização de seus dispositivos legais, para estabelecer aos antigos contratos de arrendamento as exigências contidas na nova legislação portuária, mediante a elaboração de termo aditivo ao contrato, contendo, dentre outras exigências: cláusulas dispondo sobre o objeto do contrato, o prazo de sua vigência, a forma de exploração, o valor do contrato, os direito e deveres, a cláusula de reversão (exercida ao final do termo contratual), a cláusula de ampliação, as penalidades e, principalmente, a cláusula de prorrogação — observando-se o novo período máximo de 50 anos.

Então, no âmago daquele novo cenário jurídico, o setor portuário passou a compreender dois tipos de arrendatários: (a) os que haviam celebrado contratos com a União antes da Lei 8.630/1993 e (b) os que o fizeram depois da Lei 8.630/1993.

Sucede que, por inércia do agente concedente (União), os contratos de arrendamento então vigentes deixaram de ser adaptados, gerando enorme insegurança jurídica e colocando em xeque os investimentos programados pelas operadoras portuárias, que se sentiram inseguras, sem saber qual seria o derradeiro prazo de seus contratos.

Quer dizer, mesmo que a Lei 8.630/1993 tenha sido regulamentada pelo Decreto 4.391/2002 e, posteriormente pelo Decreto 6.620/2008, ainda assim nenhum deles trouxe a fórmula, meio, ou o prazo, para se operar a adaptação contratual exigida na lei.

Sobre esse tema, importante ressaltar que todos os terminais privados foram “adaptados” e tiveram seus contratos prorrogados em 1993 (conforme o artigo 48 da Lei 8.630/1993). Esses mesmos terminais privados estão sendo novamente “adaptados” e seus prazos prorrogados por novos 25 anos — agora com base no artigo 58 da Lei 12.815/2013 (lei vigente), por meio de novos instrumentos contratuais, sem que tenha havido a necessidade de novos anúncios públicos (licitações), inclusive para os terminais dentro dos portos públicos.

Sucede que a União não poderia discriminar entre as agentes concedidas para operar os terminais privados (autorização) e as agentes concedidas para operar os portos organizados (arrendamento), mormente porque havia obrigação de adaptação para ambos os casos, conforme artigo 48 e artigo 53 da Lei 8.630/1993. Mas não foi isso o que se viu na prática, pois, como dito, não houve adaptação dos contratos das arrendatárias.

Hodiernamente, apesar de o direito de “adaptação” previsto no artigo 53 da Lei 8.630/1993, destinado aos contratos de arrendamento firmados antes da Lei 8.630/1993 (prorrogação essa nunca efetivada de fato pela União), em muito se assemelhar à “adaptação” destinada aos terminais privados, firmados antes da Lei 12.815/2013 (artigo 48 da Lei 8.630/1993 — atualmente em curso pela Antaq): novamente, a Lei 12.815/2013 pecou no mesmo ponto da Lei 8.630/1993 ao deixar de prever a forma de prorrogação dos arrendamentos, bem como o eventual prazo máximo desta prorrogação.

Aliás, mesmo que a intenção do artigo 19 do Decreto 8.033/2013 tenha sido regulamentar melhor a Lei 12.815/2013, quanto aos arrendamentos, nem todas as situações foram abarcadas, afinal, o dispositivo em comento não alude àquelas operadoras portuárias que não se enquadram na regra do artigo 57 da Lei 12.815/2013 (“contratos de arrendamento em vigor firmados sob a Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993”).

Assim, carece o mencionado decreto de uma complementação, de modo a regrar, expressamente e de forma definitiva, o caso dos operadores portuários que detêm contratos de arrendamento firmados ainda sob a égide do Decreto-Lei 5/1966, regulamentado pelo Decreto 59.832/1966 (não adaptados, por inércia da União, à Lei 8.630/1993); devolvendo-lhes a necessária segurança jurídica.

Ora, a lei deve tratar igualmente os iguais. E qual seria a diferença ontológica entre os arrendatários que firmaram contratos com a União antes da vigência da Lei 8.630/1993 e depois dela? Obviamente, nenhuma, na medida em que os contratos daqueles deveriam ter sido adaptados à nova sistemática, para que ficassem à imagem e semelhança destes últimos. Mas isso não foi efetivado pela União, mesmo com imperativo legal neste sentido (artigo 53 da Lei 8.630/1993).

Quer dizer, com o advento da Lei 12.815/2013 e de sua regulamentação (Decreto 8.033/2013), a mesma situação nebulosa se instaurou para os arrendatários, que precisam ter seus contratos adaptados, em prol da segurança jurídica. Mas tão somente adveio norma regulamentar para aqueles contratos firmados após a Lei 8.630/1993.

Então, como os contratos firmados com base no Decreto-Lei 5/1966, regulamentado pelo Decreto 59.832/1966, deveriam observar o prazo máximo de dez anos, prorrogáveis indefinidamente, essa seria a oportunidade de adaptá-los à legislação vigente (uma vez que não adaptados, por culpa da União, à Lei 8.630/1993, como visto). Haveria uma última prorrogação, por igual período — de dez anos, portanto. E aqui se justificaria (com base na regra original do contrato), a fixação de renovação por lapso temporal menor que aqueles que firmaram contratos durante a vigência da Lei 8.630/1993 (que previu o prazo contratual de 25 anos).

Forçoso assim, que o Decreto 8.033/2013 seja complementado, adicionando-se um parágrafo único ao seu artigo 19, de modo que fique expressamente determinado que os contratos de arrendamento em operação na data da publicação da Lei 12.815/2013, celebrados anteriormente à Lei 8.630/1993, também terão seus prazos renovados por mais um único período. E, no caso, como a União não adaptou tais contratos à Lei 8.630/1993, suas prorrogações já observariam a nova legislação, quer dizer, seriam feitas mais uma única vez, por igual período (daquele originalmente contratado).

Assim, seja com caráter regulamentar (inciso IV do artigo 84 da CF/88) seja como um verdadeiro decreto autônomo, nos moldes acima explicitados (inciso VI do artigo 84 da CF/88), a inclusão do mencionado parágrafo único no artigo 19 do Decreto 8.033/2013 é medida que se impõe. E isso não acarreta qualquer ilegalidade e/ou inconstitucionalidade, coadunando-se perfeitamente à hipótese de auto-organização e autodeterminação do Poder Executivo Federal, responsável pela operação dos portos organizados no país, permitindo inclusive a extinção dos contratos hoje em transição, tudo conforme a nova sistemática trazida pela Lei 12.815/2013. E como se trataria de uma mera prorrogação contratual (adaptando tudo à nova legislação), não implicaria em nova despesa.

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