Opinião

Decisão do TCU sobre uso da Lei Rouanet deve ser reformada

Autor

  • Fábio de Sá Cesnik

    é sócio do Cesnik Quintino e Salinas Advogados autor dos livros Projetos Culturais: elaboração administração aspectos legais e busca de patrocínio Guia de Incentivo à Cultura e Globalização da Cultura dentre outros. Presidente da Comissão de Direitos Autorais Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ. Presidente da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP.

11 de fevereiro de 2016, 6h26

Acabo de aterrar para uns dias de férias e, qual foi minha surpresa, ao ler a notícia veiculada pelos jornais de hoje alardeando a proibição do uso da Lei Rouanet para projetos com fins lucrativos ou autossustentáveis. A notícia causou pânico no mercado cultural, mas muita calma nessa hora: nada mudou que justifique o temor imediato do setor. Vamos por partes e passo a passo.

O Tribunal de Contas da União (TCU) é órgão assessor do Poder Legislativo e tem competência, atribuída pela Constituição, de fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos públicos, sejam oriundos de incentivo ou de apoio direto. Além disso, deve assinar prazos para que órgãos do Poder Executivo (o Ministério da Cultura, no caso) adote as providencias necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade. Naturalmente que sobre a decisão, como em todo processo, cabe recurso nos limites legais.

No caso em questão o TCU emitiu uma primeira opinião, que ainda não foi divulgada na íntegra, que a Lei Rouanet, essa que já está em vigor há 25 anos, não poderia permitir o apoio a projetos lucrativos ou autossustentáveis. E aqui começa um equívoco na interpretação do tribunal que não deve prosperar, se não vejamos.

A criação pela Lei Rouanet do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) institui três mecanismos de captação e canalização de recursos ao setor: o fundo de cultura, o Ficart e o mecenato.

O fundo, que repassa recurso público direto para ações culturais, tem claramente fundamentos bem sociais na sua gênese. Isto significa dizer que sua distribuição deve se preocupar em ser regionalmente equitativa e destinada aos projetos e produtores que emulem ações aos menos favorecidos.

O Ficart é uma estrutura permitida pela lei para que empresas possam constituir e operar fundos no mercado de valores mobiliários. Ao contrário do que diz a decisão do tribunal, de que o Ficart nunca foi criado, não há aqui nenhuma falta do Poder Executivo. A constituição dos fundos se encontra regulamentado por decreto, pela CVM e aberto para instituições financeiras que queiram estrutura-los. Aqui estariam contempladas atividades comerciais e industriais exclusivamente. Não há nada por fazer, a não ser propor uma mudança de lei criando incentivos fiscais, como nos Fundos de Cinema (Funcines), para que as instituições financeiras se interessem por constituir fundos desse tipo.

Por fim, o mecenato contempla ações sociais e também comerciais, tanto que autoriza empresas com finalidade lucrativa de propor projetos. Afinal, qual seria o objetivo de uma empresa comercial se não a de obter lucro? A canalização de recurso como forma de desenvolvimento de mercado acontece em outras áreas onde já se criou incentivo: linha branca, automóveis, audiovisual etc.. Imagine como seria no caso do audiovisual: fazemos um filme sem saber quanto ele trará de público; se levar muita gente ao cinema, não poderia ter havido incentivo. Mas me explique: como descobrir isso previamente?

O fato é que a decisão parece se fundar numa perspectiva muito mais moralista do que com base na lei e seus preceitos. O Poder Legislativo, órgão ao qual o TCU está vinculado, editou a Lei Rouanet para que se fomentasse o mercado, a indústria e estimular geração de emprego, renda e, por que não dizer, lucro aos agentes do setor. O Poder Executivo tem agido, de forma cuidadosa ao longo dos últimos anos, para criar mecanismos de democratização, acessibilidade, sempre de maneira responsável e respeitando os ditames legais.

A decisão do tribunal, com o devido respeito, deve ser reformada sob pena de subverter o comando da lei e criar um conceito, na minha visão, insustentável do ponto de vista técnico: como prever de antemão, sem juízo de valor, que um produto cultural vai ser lucrativo? A Lei Rouanet traz comandos vinculantes e pouco discricionários que estão permitindo o meio cultural se desenvolver e muito nos últimos 25 anos. Não podemos abrir mão de apoiar o Ministério nesse recurso ao tribunal e pacificar essa pontual preocupação do mercado; Tudo isso, é claro, sem prejuízo das melhorias que o Legislativo possa fazer na própria Lei Rouanet e que estão em discussão nesse momento no Congresso Nacional.

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    é sócio do Cesnik, Quintino e Salinas Advogados, autor dos livros Projetos Culturais: elaboração, administração, aspectos legais e busca de patrocínio, Guia de Incentivo à Cultura e Globalização da Cultura, dentre outros. Presidente da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ. Presidente da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP.

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