Opinião

Lei estadual que cobra ICMS de petróleo é inconstitucional

Autor

  • Adilson Rodrigues Pires

    é sócio do LCCF Advogados. Professor adjunto e visitante da Programa de Pós-Graduação stricto sensu de Direito da UERJ. Doutor em Direito Econômico e Sociedade. Presidente da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB.

10 de fevereiro de 2016, 5h57

O artigo 2º, da Lei 7.183/15, promulgada no final do ano passado pelo governador do Rio de Janeiro, dispõe que o fato gerador do ICMS incidente sobre as operações relativas ao petróleo extraído no território do Rio de Janeiro ocorre “imediatamente após a extração do petróleo e quando a mercadoria passar pelos Pontos de Medição da Produção.” A redação do artigo é idêntica à constante do artigo 3º, da Lei 4.117/03, expressamente revogada pela lei em questão, que dá nova redação a dispositivos da Lei 2.657/96.

Observe-se que, em ambos os casos, considera-se ocorrido o fato gerador no momento em que a propriedade do petróleo é transferida da União para o concessionário. Para esse efeito, as duas leis consideram que nos Pontos de Medição da Produção do óleo a concessionária “assume a propriedade do respectivo volume de produção fiscalizada”. Nesse ponto, diz a lei, surge a obrigação tributária, assim como a obrigação de pagamento das participações legais e contratuais.

Ocorre que o artigo 155, § 2º, inciso X, alínea b, estabelece que o imposto estadual não incide sobre operações que destinem a outros Estados petróleo e outros hidrocarbonetos, além de energia elétrica. Vale dizer, o Estado do Rio de Janeiro não dispõe de competência tributária para fazer incidir o imposto sobre o petróleo extraído em seu território e destinado a outros Estados para fins de refino ou de revenda, se essa for a opção. É, portanto, flagrante, sob esse ponto de vista, a inconstitucionalidade da lei atual e, por via de consequência, da lei anterior, hoje revogada.

Sem dúvida, a lei estadual criou uma verdadeira ficção, visto que também viola o artigo 20, inciso IX, da CF, segundo o qual são bens da União, entendidos estes como bens públicos, e os recursos minerais, inclusive os do subsolo.

É por demais sabido que o bem público não tem proprietário. Dito em outros termos, nem mesmo a União pode ser identificada como proprietária de praias, rios, florestas, terras devolutas, riquezas do subsolo etc. Com efeito, a União, como ente político, tem natureza abstrata e, desse modo, não cabe, sob o aspecto jurídico, ser considerada proprietária do petróleo existente no subsolo do território brasileiro.

A União possui, isto sim, o domínio sobre os recursos naturais existentes no subsolo, mas não a propriedade, no presente caso, do petróleo. Daí que a transferência da propriedade da União para o Estado é mera ficção da lei em vigor, que não resiste a um ligeiro exame de constitucionalidade.

Repise-se, o petróleo é um bem público especial e, assim, não se sujeita à comercialização, como quer o Estado do Rio de Janeiro para fins de exigência do ICMS. O petróleo é um bem público inalienável enquanto se mantiver sob o solo. Uma vez extraído, passa para a propriedade do concessionário. Assim dispõe a Constituição Federal.

Com efeito, o artigo 176, da CF, reza expressamente que o concessionário é o proprietário do petróleo extraído. Tal dispositivo é também encontrado no artigo 26, da lei 9.478/97. O tema já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, quando o ministro Eros Grau rejeitou a alegação de inconstitucionalidade do artigo 26 citado, em ADI impetrada pelo governo do Estado do Paraná.

Em síntese, a propriedade do petróleo extraído do fundo do mar não se transfere a outro proprietário ao passar pelos Pontos de Medição da Produção por não ocorrer operação de circulação de mercadoria entre dois contribuintes distintos, o que, isto sim, poderia ser considerado fato gerador do imposto.

Diferentemente desse entendimento, o Estado considera que no momento da medição a propriedade do petróleo é transferida da União para o concessionário. Como para o Estado o fato gerador ocorre nesse momento, o ICMS pertence ao Estado do destinatário, ou seja, ao Estado do Rio de Janeiro.

Contudo, na ADI 3.019, o nosso Estado defendeu a constitucionalidade da então vigente Lei 4.117/03, sustentando que o concessionário passa a ser proprietário do petróleo no momento da medição, não obtendo êxito em sua pretensão, em face da aquisição originária do hidrocarboneto pelo concessionário sem quebra do monopólio da União, em que pese a “propriedade do produto da lavra” pelo concessionário, conforme prevê a parte final do artigo 176, da CF.

Como tem redação idêntica no que concerne ao momento de ocorrência do fato gerador do ICMS nas operações com petróleo, é de se concluir que a Lei 7.183/15 nada mudou em relação à antiga Lei 4.117/03, sendo, por isso mesmo, inconstitucional. 

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    é sócio do LCCF Advogados. Professor adjunto e visitante da Programa de Pós-Graduação stricto sensu de Direito da UERJ. Doutor em Direito Econômico e Sociedade. Presidente da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB.

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