Opinião

O juiz de Santos do caso Neymar e os juízes de Berlim

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5 de fevereiro de 2016, 16h38

Foi extremamente bem-vinda a notícia que de que o juiz da 5ª Vara Federal de Santos, Mateus Castelo Branco, aplicando a lei, rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal contra o astro do Barcelona, Neymar Junior, seu pai, Neymar da Silva Santos, e dois dirigentes do Futbol Club Barcelona.

O MPF, por sua vez, havia oferecido a denúncia na última semana, pugnando pela condenação dos acusados ao argumento de que eles, supostamente, forjaram documentos entre 2006 e 2013 com o objetivando suprimir impostos devidos à Receita Federal do Brasil.

O julgador evocou a força da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual é vedada a tipificação de crime contra a ordem tributária, antes do lançamento definitivo do tributo. Significa dizer que enquanto a cobrança do tributo ainda estiver sendo discutida na esfera administrativa, não pode haver ação penal.

Desviando-se dos holofotes e da atenção demasiada que o simples nome do jogador atrai, do pré-julgamento e da exacerbação da própria autoridade, o magistrado agiu com segurança e simplicidade, deixando-nos com a sensação que vivemos, com efeito, a plenitude de um Estado Democrático.

Vale lembrar que a tutela jurisdicional visa a pacificação social e a busca da justiça por meio das normas do Direito. Os princípios da investidura e unicidade asseguram que a autoridade do juiz seja regular e legal e que a aplicação da jurisdição seja distribuída de forma equânime entre as partes, não havendo distinção entre elas, sejam pessoas anônimas, astros de futebol internacional ou outra 'constelação' popular ou o próprio Estado.

Contudo, aguarda-se mais um capítulo dessa história para depois do ocaso do tríduo momesco que se avizinha. A acusação fala em recorrer da decisão, numa tentativa de afastar a incidência da Súmula Vinculante 24 do STF, ao argumento de que o crime de falsidade ideológica teria ocorrido independente dos crimes de sonegação. Ora, quiçá, tal ponto de vista já tenha sido considerado pelo magistrado de forma que, na sua visão, o suposto crime de falsidade ideológica não merece ser processado independente dos crimes de sonegação, pois ao afirmar na decisão que é inviável a ação penal tendo em vista o processo administrativo ainda estar em curso, pode ter considerado também a prevalência do princípio da consunção, de sorte que o suposto crime “menor”, ou “crime meio” de falsidade ideológica, tenha sido absorvido pela prática delitiva “maior” ou “fim”, que seria a suposta sonegação fiscal propriamente dita.

Há regras, portanto. Há leis, princípios e entendimentos jurisprudenciais consolidadas que devem ser observados. Essa, em outras palavras, foi a mensagem que encontramos na decisão ora comentada.

A circunstância fez-nos lembrar o caso do moleiro de sans-souci.

Vale recontar essa história que, mesmo depois de tantos séculos, induz a uma importante reflexão. Consta que Frederico II, rei da Prússia, construiu um castelo na encosta de uma colina que foi batizado com o pitoresco nome de: Sans-Souci, expressão francesa que quer dizer “sem-preocupação”.

Quando Frederico II, amigo de Voltaire e conhecido como “O Déspota Esclarecido”, pretendeu ampliar o castelo, deparou-se com um problema na vizinhança: o dito moinho que impedia a sonhada ampliação e ainda estorvava a visão da bela paisagem.

O moleiro vivia ali desde a época de seus antepassados. Recusa todas as investidas do monarca visando comprar-lhe o moinho. Responde a cada oferta de maneira convicta que dinheiro algum o faria desfazer-se daquele pedaço de chão, onde seu pai morrera, berço e morada de seus filhos.

Diz a história que o rei indignado com a negativa de venda do moleiro resolve exercer a tirania: Frederico teria dito ao moleiro que, se de fato a quisesse,  teria a terra de qualquer maneira, pois mesmo que não possa compra-la, como rei, poderia tomá-la sem nada pagar.

Diante dessa ameaça responde o moleiro com a famosa frase: “O senhor! Tomar-me o moinho? Só se não houvesse juízes em Berlim.”

Ainda que Neymar não seja um modesto moleiro, vivemos cercados dos ditos conflitos intersubjetivos de interesses e das arbitrariedades cometidas pelo próprio Estado. É um lenitivo saber de decisões como simples e objetivas como a que foi proferida no caso em comento. Ainda temos bons juízes. Ou por outra: ainda há Justiça. Justiça com direito.

A país atravessa um momento muito delicado, a crise política e a crise econômica grassam no seio de nossa sociedade. O noticiário transformou-se em um diário da corrupção. Esse é um campo muito fértil para a autopromoção por parte dos responsáveis por aplicar a lei e para o pré-julgamento. Em muitos casos, a melhor solução passa pela simplicidade da navalha de Occam e pela coragem de aplicar a lei.

Se queremos uma sociedade justa o direito deve ser um bem sagrado. É o que dá segurança a todos. Nossa Constituição Federal garante que não haverá juízo ou tribunal de exceção.

Fazer justiça com a observância de todos os princípios de Direito que as normas impõem. Ainda há juízes em Santos.

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