Aquele 1%

Estudo gera polêmica ao usar estatística para prever resultado de processo

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3 de fevereiro de 2016, 16h11

Uma recente pesquisa da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro fez uma previsão polêmica: as chances de o Supremo Tribunal Federal reverter uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região desfavorável aos réus da operação “lava jato” é de 1%. O problema apontado no mundo jurídico não é o resultado em si, mas o fato de a pesquisa tratar um processo criminal como se fosse uma questão quantitativa, cujo resultado pudesse seguir uma curva estatística.

A pesquisa analisa a taxa de derrota do Ministério Público Federal quando está na posição de recorrido no Supremo. “No início dos anos 2000, a taxa de derrota de todas as procuradorias regionais federais sofreu uma redução significativa, mantendo-se, em geral, em 30%. É importante ressaltar que, a partir de 2007, essa taxa manteve-se na faixa dos 10% e quase sempre abaixo da média do tribunal. Em 2013, a média do Supremo era de 5,7%, enquanto que aquelas das Procuradorias da 2ª e 5ª Regiões eram, respectivamente, 2% e 3%. Isso vale inclusive para o TRF-4”, aponta o estudo.

Logo após desenhar o cenário, o IV Relatório Supremo em Números, assinado pelos professores Joaquim Falcão, Alexandre de Moraes e Ivar A. Hartmann, afirma: “Esse índice permite inferir, por exemplo, as chances de reversão de uma derrota do réu em apelação a esse tribunal. Ou seja, nos processos da operação ‘lava jato’, que tanta atenção têm recebido recentemente, o Supremo dificilmente reverteria uma decisão desfavorável aos réus emitida pelo TRF-4. Em 2013, as chances de isso acontecer eram de 1%”.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
"Cada cabeça, uma sentença", lembra ministro Marco Aurélio, do STF.
Fellipe Sampaio /SCO/STF

A ideia impressionou por descartar princípios como o direito do réu a que seu caso seja analisado com todas as suas especificidades. O ministro Marco Aurélio, do STF, lembra a frase clássica “cada cabeça, uma sentença”, ao criticar a previsão. “Não julgamos um processo pensando pela capa, não levamos em conta quem é parte. Nunca estivemos preocupados se a balança pende mais para a defesa ou se deixa mais pesado o prato da acusação”, vaticina.

Pesquisas quantitativas e estatísticas no Direito são sempre perigosas, alerta o jurista Lenio Streck. Ele aponta que os outros casos do Ministério Público Federal nada têm a ver com o caso específico da “lava jato” e que, sobre este processo, não há ainda dados suficientes sobre a atuação do STF, pois, até agora, a corte só tratou de Habeas Corpus.

“Pesquisas assim são como profecias sobre o passado. Seu perigo é influenciarem o futuro. Só que sem nexo com a realidade”, critica Streck. Ele lembra que em Israel fizeram uma pesquisa estatística sobre como julgam os juízes logo depois do café da manhã e perto do meio-dia. Com barriga cheia, eram mais benevolentes. “Isso prova o quê? Que tem de dar auxílio-lanche às 10h para os juízes. Só isso.”

O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano é outro que classifica como uma temeridade o uso de métodos estatísticos para prever decisões jurídicas. “Estatísticas fazem a padronização de casos, mas, no Estado Democrático de Direito, tudo precisa ter sua conduta individualizada e cada caso é único, pois trata-se da relação entre norma e fato — e cada fato é específico e único.”

Serrano, que dá aulas de Teoria Geral do Direito, afirma que em nenhuma linhagem de teoria da decisão judicial os dados estatísticos são levados em conta, “do positivismo ao marxismo”. Se a estatística prevê o desfecho do processo, diz o advogado, a decisão não está levando em conta o processo. “Transforma todo o processo numa pantomima, uma farsa, um meio para alcançar um fim já previsto.”

O professor da FGV Direito Rio Ivar Hartmann, um dos autores do estudo, explica: “O prognostico foi feito com base em milhares de processos. Se [a chance de 1%] era assim em 2013, não acredito que vai haver uma variação significativa em 2014. Os ministros e os procedimentos são os mesmos”.

Ele contesta a afirmação de que cada processo precisa ser avaliado especificamente para que se tenha uma ideia de seu resultado, pois padrões são replicados e podem ser analisados. “Estamos falando de dezenas de processos, com características similares. É inegável que existem padrões. Não acredito que haja motivo para se esperar uma mudança de padrão aqui.”

O professor explica que o estudo levou em conta que os ministros, tipos de processos e crimes discutidos são os mesmos. “O estudo não afirmou que os recursos dos réus da ‘lava jato’ não terão sucesso. A afirmação é sobre probabilidade. E as chances são essas. Se eles recorrerem ao Supremo, estatisticamente, a chance é de 1%”, afirma Hartmann.

Luis André de Moura Azevedo, especialista em Direito Societário e professor da Pós Graduação na GV Law, afirma que a análise estatística é uma ferramenta importante para o advogado, mas complementar. "E a tendência é que ela passe a ser mais utilizada do que é hoje”.

Clique aqui para ler o estudo.

*Texto alterado às 19h25 do dia 3 de fevereiro de 2016 para acréscimos.

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