Drible processual

Tribunal suíço reconhece que envio de documentos para o Brasil foi ilegal

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2 de fevereiro de 2016, 10h53

Por considerar uma atitude "selvagem", que infringe os direitos processuais dos envolvidos, o Tribunal Penal Federal da Suíça considerou ilegal a entrega de documentos pelo Ministério Público do país a procuradores do Ministério Público Federal brasileiro que atuam na operação "lava jato". 

Os documentos em questão foram considerados pelo juiz Sergio Fernando Moro, responsável pelos processos da operação em primeira instância, “provas materiais principais” do processo contra os executivos da construtora Odebrecht.

O tribunal suíço, no entanto, aponta que foram enviados dados bancários sigilosos de maneira ilegal, uma vez que houve produção de provas (no caso, documentos bancários) disfarçada de um pedido de cooperação jurídica internacional.

"Proceder dessa maneira torna os mecanismos  próprios de cooperação jurídica internacional ineficazes e, assim, infringe os direitos processuais outorgados ao Apelante no âmbito dos procedimentos de cooperação jurídica internacional”, diz o tribunal suíço em sua decisão.

Esta não é a primeira vez que as provas recebidas pelo MPF das autoridades suíças são questionadas. Um pendrive recebido pelo MPF em novembro de 2014 com dados de contas bancárias relacionadas relacionadas a “Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e outros” também é questionado. Os documentos teriam sido entregues sem seguir as exigências legais para cooperação.

Dados sigilosos
O questionamento do envio de dados na Suíça foi feito por umas das empresas offshore que foi apontada por investigadores da "lava jato" como uma das companhias utilizada para pagar propinas a ex-diretores e gerentes da Petrobras. Os dados bancários dessa empresa foram enviados pelo MP suíço e utilizados como prova na "lava jato".

A promotoria suíça, que também investiga esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a empreiteira naquele país, enviou ao Brasil um pedido de cooperação pedindo que diversas pessoas envolvidas na "lava jato" fossem interrogadas. 

Junto com as perguntas a serem feitas, porém, foram enviados diversos documentos bancários sigilosos, inclusive alguns que já haviam sido solicitados pelo Brasil como provas de que houve pagamento de propina feito pela Odebrecht.

Inconformada com a atitude, a offshore recorreu ao Tribunal Penal Federal da Suíça afirmando que o envio dos dados foi ilegal, uma vez que houve produção de provas disfarçada de cooperação. 

Ao analisar o caso, o tribunal concluiu que houve um caso de entraide sauvage ("auxílio judicial selvagem", em tradução livre do francês). Na decisão, a corte ressaltou que em alguns casos o envio de dados sigilosos é permitido no processo rogatório. "Porém, o fornecimento de provas caracteriza uma forma da 'entraide sauvage' repudiada", diz a sentença.

"Através de seu procedimento, o Apelado [Promotoria suíça] privou o Apelante [empresa] do direito de se pronunciar, quanto à transmissão de seus documentos bancários, ao decorrer do processo rogatório. Uma aprovação de tal procedimento impediria a possibilidade de uma avaliação judicial da transmissão efetuada dos documentos bancários e inviabilizaria a proteção jurídica individual, prevista, contudo, no direito rogatório", concluiu o tribunal.

Assim a corte suíça considerou ilegal a transmissão de documentos bancários enviados às autoridades brasileiras e determinou que a promotoria deverá iniciar novo processo rogatório relativo à transmissão dos documentos bancários da empresa.

Fora dos autos
Com base na decisão do tribunal suíço, a defesa do executivo da Odebrecht Marcio Faria da Silva pediu o desentranhamento das provas da ação penal que resultou em sua prisão. 

"Tendo a Justiça do país que coletou e entregou a prova ao Brasil declarado que a entrega foi ilegal, essa prova não pode ser admitida neste ou em qualquer outro processo", diz a petição protocolada nesta terça-feira (2/2) pelos advogados Dora Cavalcanti Cordani e Rafael Tucherman, do Cavalcanti & Arruda Botelho Advogados.

Os advogados lembram que o próprio juiz Sergio Moro afirmou que “as provas materiais principais” do processo são os documentos bancários anexados ao pedido de cooperação encaminhado pela Suíça ao Brasil em 16 de julho de 2015.

Além disso, em outra ocasião, ao prestar esclarecimentos sobre as prisões ao ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, Moro registrou que o segundo decreto de prisão de Márcio Faria deveu-se “principalmente” à chegada desses mesmos documentos bancários suíços.

A defesa de Marcio Faria critica ainda o silêncio do juiz sobre os inúmeros questionamentos feitos à respeito das provas que "casualmente" chegaram às mãos do Ministério Público. " Com esteio no mantra de que 'o processo é uma marcha para a frente', Vossa Excelência passou os últimos seis meses indeferindo seguidos pleitos da defesa para esclarecer o tema", diz trecho da petição.

Copo meio cheio
Para o Ministério Público Federal, a decisão do tribunal suíço não altera o processo no Brasil pois a corte suíça não determinou a devolução dos documentos. Assim, para o MPF, a decisão não tem qualquer efeito sobre a acusação criminal contra executivos da empresa, amparada em amplas provas de pagamentos de propinas no Brasil e no exterior e do desvio de bilhões de reais dos cofres públicos.

Cerca de uma hora depois de a ConJur publicar a notícia sobre o caso, a Procuradoria da República no Paraná enviou um texto a jornalistas sobre o caso, cujo título é "Odebrecht sofre derrota na Justiça suíça". Segundo o release do MPF, "o tribunal suíço concedeu à empresa apenas o direito a um recurso interno, tal qual ocorreria caso o pedido de cooperação tivesse partido do Brasil para a Suíça".

Clique aqui (português) e aqui (inglês) para ler a decisão do tribunal suíço.
Clique aqui para ler a petição de Márcio Faria.

*Texto atualizado às 14h18 do dia 2 de fevereiro de 2016.

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