Retrospectiva 2016

Institutos da conciliação e da mediação nunca foram tão valorizados

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30 de dezembro de 2016, 8h09

A mediação e a conciliação tiveram em 2016 seu melhor ano desde a criação, em 2006, do Movimento pela Conciliação no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Da implantação de uma plataforma pública on-line gratuita ao aumento de casos grandes sendo encaminhados à mediação, o ano de 2016 mostrou que parte substancial dos operadores do Direito e jurisdicionados tem interesse em resolver seus conflitos de forma não adversarial.

Como indicado anteriormente[1], esperava-se que 2016 fosse o ano das definições iniciais acerca da implantação das formas consensuais de solução de disputas. Ocorre que essas definições iniciais tiveram um alcance muito maior do que o esperado. No final do ano, o mercado se aproxima de um momento em que um advogado cível que se manifestar contrário às formas consensuais de solução de litígios corre o risco de ser percebido como desatualizado ou pouco atuante. Ademais, nesse mesmo momento que muito se aproxima — e que está longe de “definições iniciais” —, passa a fazer parte das atribuições de advogados eficientes saber escolher bons mediadores.

Com a entrada em vigor da Lei de Mediação (Lei 13.140/15), ocorrida em dezembro de 2015, o ano de 2016 iniciou-se já com a indicação de que, mesmo antes da entrada em vigor do novo CPC, em 18 de março, a mediação seria um tema de grande relevância — e foi, a despeito dos diversos outros temas que ganharam destaques nos meios de comunicação.  

Um dos primeiros momentos marcantes do ano foi a atualização da Resolução 125/10 do CNJ, adequando-a às novas normas que consolidam a autocomposição no país — a Lei de Mediação, o novo Código de Processo Civil e o novo Código de Ética da OAB. Este último dispositivo tornou-se especialmente importante na medida em que refletiu a importância de se valorizar a atuação do advogado na mediação. Isto porque, segundo a nova diretriz ética da advocacia, em seu artigo 48, parágrafo 5º:

“É vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial”.

De igual forma, ante esse dispositivo, a Resolução 125/10 foi emendada para que conciliadores e mediadores valorizem a atuação consensual dos advogados. Para tanto, acrescentou-se um parágrafo único ao artigo 4º do código de ética do conciliador e mediador para que conste que:

“O mediador/conciliador deve, preferencialmente no início da sessão inicial de mediação/conciliação, proporcionar ambiente adequado para que advogados atendam o disposto no art. 48 § 5º do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil”.

Em outras palavras, cabe ao conciliador ou mediador consultar as partes se estas já definiram honorários conciliatórios com seus advogados e, se não tiverem feito, suspender brevemente para que discutam esse tema de fundamental importância.

Não há dúvidas de que a maior parte dos conciliadores e mediadores em atuação no Poder Judiciário ainda não procede dessa forma. Essas são alterações que ainda demorarão alguns anos para ganhar a amplitude necessária. De fato, não foi só essa alteração normativa que em 2016 deixou de ser aplicada. Houve (e lamentavelmente ainda há) grupo suficientemente expressivo de magistrados que insistiram em aplicar para a conciliação o CPC de 1973 e desconsiderar a fase sistemática preconizada no artigo 334 do novo CPC. A despeito da doutrina amplamente majoritária[2], alguns magistrados sustentam ainda que desconsiderar o artigo 334 economiza tempo e que não há conciliadores e mediadores em número suficiente para atender ao volume de feitos. Vale registrar que os poucos reveses para a Justiça consensual neste ano, como a resistência de alguns magistrados a encaminhar, nos termos do artigo 334 do novo Código de Processo Civil, feitos à mediação, podem ser interpretados mais como uma resistência à nova sistemática processual do que à autocomposição propriamente dita.

De fato, como indicado anteriormente[3], o argumento de celeridade processual para evitar a audiência autocompositiva não encontra suporte legislativo ou mesmo fático. Considere-se que o tempo médio de duração de demandas cíveis no Brasil, da inicial até o trânsito em julgado após o prazo recursal extraordinário (tribunais superiores) seja de 10 anos. Para cada demanda que se encerra por conciliação ou mediação, economiza-se cerca de 9,5 anos de tramitação. Se cada autocomposição onera o andamento processual em seis meses, pode-se afirmar que cada mediação ou conciliação bem-sucedida justifica cerca de 20 demandas sem acordo. Isto é, para que se justifique o encaminhamento de demandas para a conciliação ou mediação, em razão da duração do processo apenas no primeiro e segundo graus de jurisdição, basta que haja 5% de sucesso. Em algumas oportunidades, como o prêmio de qualidade em conciliação do Conselho Nacional de Justiça em 2013, verificou-se que o índice de acordo nas conciliações foi acima de 70%. Da mesma forma, o magistrado pode também determinar que a conciliação ou a mediação deverá ser conduzida entre a data de despacho da inicial e a data estabelecida para a audiência de instrução.

Outro argumento que foi utilizado para afastar a aplicação do artigo 334 do novo CPC, em 2016, consistiu na alegação de que inexistem conciliadores e mediadores suficientes para atender ao número de feitos em juízo. Ocorre, contudo, que, junto com a entrada em vigor do novo CPC, entrou em funcionamento o Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores. Esse registro contém dados de conciliadores e mediadores judiciais que encontram-se disponíveis para atuar em feitos judicializados. Assim, a despeito de ser uma resistência natural a uma norma procedimental nova, espera-se que estas resistências sejam ultrapassadas em um futuro próximo na medida em que a cultura de soluções mais eficientes seja progressivamente incorporada à nossa prática jurídica cotidiana.

Vale destacar que a criação do Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores foi um importante momento em 2016, na medida em que introduziu a possibilidade de as partes (com seus advogados) escolherem mediadores com base no histórico de casos do mediador, bem como no seu patamar de remuneração. Ao introduzir um controle reputacional de mediadores, o cadastro indica à sociedade em geral, mas em especial aos advogados e jurisdicionados, a preocupação de uma atuação consensual no Poder Judiciário eficiente e transparente.

Outro indicador que o ano de 2016 trouxe mudanças que reverberarão por muitos anos consiste no sistema de mediação digital introduzido pelo Conselho Nacional de Justiça em maio. A plataforma permite a celebração de acordos, de forma virtual, de partes do processo que estejam distantes fisicamente. O sistema de mediação digital permite a troca de mensagens e informações entre as partes, adequando-se à realidade de cada setor, e pode sugerir o uso de uma linguagem mais produtiva à mediação ao constatar mensagens hostis. Os acordos podem ser homologados, ao final das tratativas, caso as partes considerem necessário.

Nota-se a consolidação progressiva de um sistema público de disputa que conta com uma gama de processos autocompositivos significativamente diversificados — há investimento em soluções que podem ocorrer em poucos dias (ou até horas) e que se direcionam exclusivamente ao acordo. Da mesma forma, questões mais complexas, têm sido encaminhadas para mediadores privados, que, atuando como auxiliares da Justiça na sistemática do novo CPC, tem demorado, em alguns casos, meses para resolver questões que, se fossem resolver em juízo, demorariam anos e teriam resultados menos construtivos.

A despeito das resistências acima mencionadas, a expansão da mediação privada e da mediação judicial no ano de 2016 foi notável. Magistrados em exercício de titularidade de varas empresariais e cíveis em muitas unidades da federação passaram a encaminhar feitos para mediação e têm colhido resultados positivos. Um exemplo que merece ser registrado é o encaminhamento pelo juiz da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro para a mediação de conflito envolvendo montante superior a R$ 20 bilhões entre a empresa de telefonia Oi e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Outro exemplo que demonstra a confiança adquirida por operadores do Direito em relação à Justiça consensual consiste no trabalho que tem sido feito em relação ao desastre ambiental de Mariana (MG), no qual os mais diversos órgãos têm se engajado em soluções consensuais.

Para 2017, certamente ainda restarão muitos grandes desafios. A remuneração de advogados de forma condizente com a economia de tempo que proporcionam quando auxiliam seus clientes a encontrarem soluções consensuais ainda tem sido constatado como exceção, e não como regra. Da mesma forma, a remuneração de mediadores bem como a transparência no encaminhamento e na sua escolha ainda está nos seus primórdios. A despeito do Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais permitir que as próprias partes escolham seus mediadores com base nas últimas dez avaliações de suas mediações e no valor de honorários, a forma mais usual de se encaminhar partes para a mediação tem sido por sugestão do próprio magistrado ou, o que tem sido praticado com alguma frequência, a solicitação de indicação de nomes para cada parte/advogados para que se busque consenso quanto ao nome do mediador ou dos comediadores. Essa prática tem se mostrado positiva e enriquecido a prática cotidiana, pois, em processos consensuais, da soma das partes resulta o inteiro.

Os resultados positivos da Justiça consensual nos impõe comemorar o ano de 2016 ao menos para a mediação e a conciliação. Que 2017 permita a continuação deste movimento de valorização do advogado, da economia de tempo da parte, da liberdade de escolha do mediador e, principalmente, dos reais interesses das partes.

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